sábado, 5 de abril de 2014
LEITURA DIGESTIVA
O tamanho do tranco - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE
O Estado de S.Paulo - 04/04
Dia desses li no jornal Valor Econômico coluna dizendo que o ano de 2015 já começou. Achei graça. Há poucos meses, escrevi artigo intitulado O ano que já acabou, referindo-me, por óbvio, a 2014. Se 2014 já acabou, 2015 já começou e a jornalista do Valor está correta, não é mesmo?
Os economistas críticos da atual política econômica veem a coisa assim: o crescimento caiu, a inflação subiu, as contas públicas pioraram, estamos mais dependentes dos capitais de curto prazo para financiar o rombo nas contas externas e tudo isso terá de ser consertado no ano que vem. Sim, porque antes das eleições é que nada será feito, mas muito será dito.
Recapitulemos os estragos dos últimos três anos e pouco. Represamos preços para diminuir a inflação, e não funcionou. Reduzimos impostos para resgatar a indústria, e não funcionou. Tentamos dar uma guinada nos juros imaginando ser possível alcançar o universo paralelo em que o País teria taxas menores para sempre por simples questão de vontade política, e não deu certo. E nem sequer menciono o desastre da Petrobrás e a tragédia do setor elétrico, que resultaram do voluntarismo populista do atual governo.
Para o consumidor que vai ao supermercado e se defronta com preços mais elevados toda semana, a inflação é mero artifício de retórica neoliberal-de-direita-sei-lá-o-quê ou é fato incontestável? Para as pessoas que não têm o privilégio de morar num bairro nobre de grande centro urbano, a falta de água e de luz é fruto da imaginação liberal-paranoicados-pessimistas ou é o que os impede de tomar banho, lavar louça e preservar a comida na geladeira sem risco de estragar? O que é, afinal, um fato econômico? Seriam tão somente as palavras da presidente e do ministro que vão à TV e aos jornais dizer que está tudo bem, o País sólido, as contas em dia, a inclusão social, as agências de risco que nada sabem, enquanto o bolso nosso de cada dia sente algo de estranho no reino de Dilma?
A inflação está alta, as expectativas não cedem. Cada um tem sua explicação preferida para isso, mas fico com aquela que nasce da definição de preços. Preços são sinalizadores por excelência, marcadores precisos de escassez e abundância. Quando algo é abundante, o preço é baixo. Quando fica escasso, o preço sobe. Se o governo interfere nesse mecanismo, deturpa os sinalizadores e gera consequências desastrosas. O caso da energia elétrica é o mais evidente. A energia está escassa por motivos diversos. Se o governo impede que as tarifas subam para que as pessoas consumam menos energia, o preço deixa de cumprir o papel que lhe cabe, distorcendo demanda e oferta.
A conta não é difícil. Se as tarifas de energia, transportes, combustíveis fossem reajustadas para os níveis compatíveis com a escassez e a abundância relativa, a inflação seria muito maior do que a registrada hoje. Como o populismo tarifário implica um ajuste futuro, faz-se a conta da inflação futura e se embute nas expectativas o custo de arcar com as correções inevitáveis.
Muitos acreditam que essas correções terão de ser feitas no ano que vem, queira o governo empossado - seja lá qual for - ou não. O tamanho do tranco pode variar dependendo da estratégia de cada um, mas os riscos de colapso do sistema elétrico chegaram a tal ponto que algumas medidas serão incontornáveis. São três as opções: soltar os preços e deixar que a inflação suba, selando um compromisso com a sociedade de trazê-la de volta para a meta num horizonte de tempo aceitável; soltar os preços e controlar a subida da inflação com uma alta de juros indigesta, o que talvez fizesse o crescimento cair e o desemprego aumentar; tentar ignorar os fatos, o que provavelmente provocaria uma crise energética no País, com todos os desdobramentos nefandos para crescimento, inflação, desemprego, contas públicas, classificação de risco do País e por aí vai.
O tamanho do tranco em 2015. Esse é o tema de 2014 para aqueles que não sofrem de síndrome de avestruz e que ainda têm alguns princípios macroeconômicos básicos na cabeça. O resto é torcida, não é debate.
Difícil de entender - LUIZ GARCIA
O GLOBO - 04/04
Está aberta a discussão: Ministério Público tem ou não autoridade para abrir investigações sobre possíveis delitos eleitorais?
Toda eleição é uma festa cívica, na qual se reafirma o caráter democrático do regime em que vivemos. Desde, é claro, que as autoridades responsáveis estejam de olhos bem abertos.
É importante, portanto, a discussão de um assunto do momento: trata-se da atuação do Ministério Público na vigilância sobre possíveis malandragens eleitorais. Em outras áreas da vida pública e da sociedade em geral, essa vigilância costuma começar na área policial. Dependendo do que a polícia descobre, os diferentes níveis do Judiciário entram em ação e determinam a culpa ou inocência dos acusados.
No território eleitoral, está aberta uma discussão que não é de pequena importância: os investigadores do Estado — ou seja, o Ministério Público — têm ou não têm autoridade para abrir investigações sobre possíveis delitos eleitorais?
Até recentemente, essa autoridade existia. Mas uma recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina que nada pode ser investigado sem autorização da Justiça Eleitoral. É uma novidade nas relações entre polícias e tribunais do país.
Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão é, para dizer o menos, equivocada. Pode-se apostar que, na intimidade, ele usa outros adjetivos. Seja como for, partiu para a briga e já pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inconstitucional a novidade imposta pelo TSE.
Não estão em discussão, obviamente, as boas intenções do tribunal. Mas pode-se dizer que a sua decisão cria uma novidade: a exigência de que, na área eleitoral — diferentemente do que acontece em outras áreas do poder público —, a investigação de possíveis delitos não comece na polícia e sim apenas com autorização do Judiciário.
E, se a coisa pega, e passa a valer também para outros tipos de crimes? Seria uma novidade, sem exagero, catastrófica. O delito eleitoral tem, é claro, algumas características especiais. Mas isso também acontece com a maioria dos crimes.
Um dos principais aspectos da novidade é o seu distanciamento dos métodos e sistemas que estão hoje à disposição do Estado para o combate a possíveis delitos.
Para leigos, só há um comentário possível: não dá para entender.
Inflação alta reacende o debate para 2015 - CLAUDIA SAFATLE
VALOR ECONÔMICO - 04/04
Choque ou gradualismo para debelar a inflação
Será difícil para o Comitê de Política Monetária (Copom) encontrar motivos reais e objetivos, exclusivamente na inflação, para terminar o ciclo de aumento da taxa de juros que começou em abril de 2013 e já elevou em 3,75 pontos percentuais a taxa Selic, de 7,25% ao ano para 11% ao ano. O IPCA de abril pode vir ainda salgado, na casa dos 0,70%, e entre julho e novembro a inflação subirá, podendo exceder o teto de 6,5%.
O choque dos preços dos alimentos tende a ser parcial e temporário, mas isso já está no cenário de referência do relatório de inflação do Banco Central, que considera factível 6,1% de IPCA para o ano. Não está na conta do BC o risco crescente de racionamento de energia, que teria que ser tratado como um tremendo choque de oferta.
No comunicado da reunião de quarta feira o Copom deixou claro que a trajetória de elevação dos juros se encerra em breve, já agora com a Selic em 11% ao ano ou, no máximo, com mais uma elevação de 0,25 ponto percentual em maio. Ontem, os economistas do setor financeiro se dividiram entre essas duas hipóteses.
Afora o imprevisível, tudo indica que a inflação e o crescimento já estão dados para 2014. O IPCA na casa dos 6% e o PIB não muito diferente de 1,5% a 2%. A presidente Dilma Rousseff, portanto, encerraria seu governo com uma inflação média de 6,08% e crescimento médio de 2,01% do PIB. Do governo Sarney para cá ela perderia apenas para Lula na política de combate à inflação, cuja média foi de 5,79%. No crescimento, ganharia apenas de Collor de Mello, que no curto período de governo obteve 1,29% negativos. Mas certamente ganha de todos na menor taxa de desemprego de 5,1% (em fevereiro) que pode, contudo, não ser um fenômeno duradouro.
A grande indagação é sobre o próximo governo. Há questões que se apresentarão de forma contundente seja quem for o presidente eleito. Algumas delas já estão sendo objeto de debate entre os economistas, como a que discute o gradualismo ou tratamento de choque no combate à inflação. Tema que foi tratado no livro de 1970 do ex-ministro e professor Mário Henrique Simonsen, intitulado Inflação - Gradualismo versus Tratamento de Choque , onde ele expõe as opções e mostra que cada estratégia implica em maior ou menor custo social no curto e no longo prazo.
Para lidar com os preços represados dos combustíveis, energia e tarifas de ônibus, essa é uma decisão que terá que ser tomada logo no início de 2015. Se for feita a opção pela correção de preços de uma só vez, com um tratamento de choque, pode-se ter ganhos de expectativas e de confiança relevantes de forma que apenas uma parte do aumento dos preços controlados seja repassada para a inflação. Essa, porém, não seria uma questão isolada. Ela teria que se compor com decisões duras tanto na política fiscal quanto na monetária e, a partir desse ponto, começam a ser feitas as contas.
Há economistas que defendem um renovado esforço de superávit primário, de pelo menos 2,5% do PIB, desde que livre de receitas não recorrentes e de manobras contábeis. O país, portanto, não escaparia de um aumento da carga tributária mediante, por exemplo, com a extinção das desonerações da folha de salários feitas nos últimos anos e a volta da cobrança da Cide.
A um reforço fiscal se somaria, ainda, um novo aperto monetário para conter a inflação e promover a sua convergência para a meta.
Seguindo os argumentos de quem advoga o tratamento de choque, os juros reais hoje estariam aquém do necessário para derrubar a inflação.
Especialistas partem da seguinte conta: tomando 4% como a taxa neutra de juros, com a Selic em 11% e o IPCA em 6%, o juro real atual seria de somente 0,70%.
Há dois pressupostos nesse raciocínio: primeiro, que a correção geral dos preços represados aumentaria a inflação de 2015 para 7%; e, segundo, que cada ponto percentual a mais na Selic acima da taxa neutra reduz o IPCA em 0,4 ponto percentual, entre o quinto e o oitavo trimestre após a subida dos juros.
Por esses cálculos, o juro em janeiro de 2015 teria que saltar para 16,75% para se colher, em 2016, a inflação na meta de 4,5%.
No governo, não se acredita muito nessa história de juros neutro. Isso é igual a bruxa. Dizem que existe mas ninguém nunca viu , comentou um economista oficial.
Outra questão inquietante é a trajetória da inflação de serviços e, nesse aspecto, é curiosa a comparação com 2002. O IPCA acumulado em doze meses em dezembro daquele ano era de 12,5% e a inflação de serviços, de 5,47%. Hoje o IPCA de doze meses é de 5,7%, mas os serviços sobem 8,16%. Como este é um setor que não sofre a concorrência dos importados, fica sujeito ao descasamento entre oferta e demanda, emoldurado pelo pleno emprego.
O que é visível nas discussões em curso e que, certamente, vão embalar a campanha eleitoral é a dimensão nada desprezível dos problemas que se formaram e terão que ser enfrentados a partir do próximo ano para, mais à adiante, colocar a economia brasileira na trilha do crescimento.
A opção também pode ser pelo gradualismo, que parece menos penoso para a atividade econômica, já que a tendência do tratamento de choque é gerar um quadro mais recessivo no curto prazo embora de mais rápida recuperação. Tal decisão teria que ser confrontada com os custos sociais de cada opção.
O país experimentou a política de tratamento de choque no governo Castello Branco, com Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, e colheu as taxas de crescimento do milagre econômico . Nos Estados Unidos, Paul Volcker, presidente do Fed, preferiu combater a inflação de dois dígitos, no fim dos anos 70 e início dos 80, com um choque de juros.
Os sinais da presidente Dilma para os preços de energia, cujo ajuste deve começar só em 2015, sugerem gradualismo caso seja reeleita.
No ano em que o Plano Real completa duas décadas, o Brasil ainda se vê diante de um processo inflacionário persistente e resistente. Perdeu-se, em 2006, quando o IPCA caiu para 3,14%, a grande oportunidade de resolver esse assunto.
A Europa teme a deflação - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 04/04
Os bancos centrais existem para combater a inflação, mas eis que o inimigo pode ser outro e espalhar perversidades equivalentes. Pode ser a deflação, uma renitente queda de preços, como ameaça acontecer agora na área do euro.
A deflação provoca distorções tão ou até maiores do que a inflação. A disseminada expectativa de queda de preços, como a que ocorre agora, provoca estagnação das vendas no varejo, porque o consumidor tende a adiar compras à espera de que os preços baixem. E o investidor também pisa nos freios, porque não enxerga aumento do mercado. Ou seja, a deflação aprofunda a recessão e o desemprego.
Para o setor público (governos), a deflação também é um problema porque os impostos são, na sua grande maioria, cobrados sobre os preços e preços em queda tendem a reduzir a arrecadação, o que é péssimo para países altamente endividados como na Europa.
Mas para todos os endividados, e não só os Tesouros, a deflação é uma encrenca, porque os passivos não são deflacionados na mesma proporção que os preços. Na prática, a baixa dos bens e serviços eleva as dívidas em termos relativos.
Na Europa, a deflação é especialmente perversa porque a melhor maneira de reativar as economias nacionais seria promover a desvalorização da própria moeda, que é um mecanismo cuja função é reduzir os salários (e demais rendas) em relação aos vigentes nas economias concorrentes. Como os países da área não podem desvalorizar a moeda nacional porque o euro é moeda comum, a única maneira de produzir o mesmo efeito seria derrubar os salários. Foi o que já fez a Alemanha, com a concordância dos sindicatos. No setor privado, o desemprego pode encarregar-se disso. Mas no setor público é bem mais difícil reduzir os vencimentos dos funcionários.
Sabe-se que a ameaça de deflação está aumentando na Europa não só porque os preços sobem bem menos, mas, também, porque o mercado financeiro passou a praticar juros baixíssimos, no momento de até 0,7% ao ano. Em março, como apontou segunda-feira a Eurostat, organismo encarregado das estatísticas econômicas, a inflação média do bloco foi 0,5% em termos anuais (veja o gráfico no Confira).
Ontem, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, não escondeu sua preocupação com os estragos que podem ser causados pela deflação. Anunciou que estuda medidas de estímulo, "inclusive políticas monetárias não convencionais", que são providências da mesma natureza das tomadas nos últimos três anos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), chamadas afrouxamento quantitativo. Consistem em emitir moeda para comprar títulos públicos e privados e, assim, injetar dinheiro na economia.
Na área do euro, essa resposta "não convencional" seria mais complicada do que foi nos Estados Unidos, porque os tais ajustes são assimétricos de país para país, o que provoca níveis também diferentes de variação de preços dentro da mesma área monetária.
O conjunto de países do euro é o maior comprador de produtos brasileiros (19,3% das exportações em 2013), à frente da China (19,0%) e dos Estados Unidos (10,3%). O aprofundamento da deflação e da recessão econômica provocaria um encolhimento ainda maior do já asfixiado mercado externo das empresas brasileiras.
O sentido do pregão - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 04/04
O ministro da Fazenda acha que nada aconteceu após o rebaixamento do Brasil porque a bolsa subiu e o real se valorizou. Acredita que isso prova que a queda não teve a menor importância. É uma avaliação apressada. O mercado comemora o quadro político mais desfavorável para a presidente Dilma e compra ações das empresas, principalmente estatais, até porque elas estão baratas.
Estar a um degrau de perder o grau de investimento não é uma situação confortável. Se o Brasil descer mais um nível estará fora dos portfólios dos grandes investidores institucionais, que são quem realmente movimenta dinheiro grande. A gestão fiscal continua dando motivos de preocupação. Só para falar da última: o subsídio à energia já custou R$ 10 bilhões em três meses, quando o cálculo era de R$ 9 bilhões em um ano. O que o ministro deveria estar fazendo é o dever de casa para evitar o rebaixamento por outra agência e a confirmação da incerteza fiscal do Brasil. No primeiro bimestre, a receita líquida do governo aumentou 7,3%; as despesas subiram 15,5%.
As ações tinham caído demais e o real havia se desvalorizado muito, por isso era natural o refluxo. E é também costumeira a volatilidade em ano eleitoral. Os pregões oscilam na expectativa e ao sabor das pesquisas. Mas intenção de voto agora tem pouca consistência, já que a campanha não começou de fato. Quem está no poder tem mais exposição.
O mais óbvio é entender o que acontece na bolsa como uma recuperação depois da queda que a levou a 46 mil pontos. Vejam no gráfico o Ibovespa e o índice americano S&P 500. Aqui, caiu em três anos; lá, subiu. Não é comemoração antecipada de resultado eleitoral nem sinal de que as agências perderam influência.
A presidente Dilma já esteve em situação muito mais tranquila. A pesquisa CNI-Ibope, divulgada na semana passada, não tem intenção de voto, mas quando é olhada em detalhes revela que caiu desde junho a aprovação do governo, mesmo nas políticas que a propaganda oficial escolheu para serem o carro-chefe da campanha de reeleição. Na inflação, como já era esperado, 71% desaprovam. Mas na política de saúde - de onde saiu o candidato governista para o maior colégio e de onde o governo espera ganhar pontos com o Mais Médicos - a desaprovação chega a 77%. O favoritismo está em queda.
Por outro lado, a oposição ainda não conseguiu firmar uma alternativa forte. E isso, em parte, é decorrência de que estamos em abril. As histórias recentes das eleições mostram que em seis meses muita coisa acontece e tudo pode mudar.
O quadro econômico é desfavorável ao governo. Inflação alta e subindo, baixo crescimento, insatisfação com serviços públicos e denúncias de corrupção na Petrobras estão fazendo o governo perder apoio na classe média. Isso alimenta os rumores da volta de Lula como candidato, o que divide as hostes governistas.
Durante o ano, haverá outros momentos de volatilidade na bolsa, por especulações sobre as eleições. A intervenção do governo na gestão das estatais foi tão desastrosa que é de se esperar que as ações subam ou desçam na razão inversa da popularidade do governo.
A administração da política econômica não deveria estar olhando para o pregão e sim para o dever de casa. Tudo o que for feito certo este ano reduzirá o peso do próximo ano. Se a presidente for reeleita, ela herdará os problemas cuja solução está sendo protelada, como o do custo da energia. E não há nada pior do que um segundo mandato com o eleitorado achando que foi traído. A esperteza de deixar a fatura para 2015 poderá arruinar um segundo mandato, se ele ocorrer.
O significado do rebaixamento da nota do Brasil - OTTO NOGAMI
GAZETA DO POVO - PR - 04/04
A Standard & Poor’s (S&P) pode ser considerada a principal agência de classificação, em nível mundial, da solvabilidade de um país no que diz respeito à sua capacidade de honrar compromissos internacionais em moeda estrangeira. Fornece avaliações precisas e consistentes dos países (e empresas) emissores de títulos de crédito, nos mais diferentes mercados de capitais. Países (ou empresas) que recebem as classificações AAA, AA, A ou BBB são reconhecidos como sendo de “grau de investimento”, o que significa que os riscos são baixos. Já as notas BB, B, CCC, CC e C são atribuídas quando os títulos emitidos são considerados especulativos com relação à capacidade de pagar juros e reembolsar o principal. A instituição ainda pode atribuir classificações intermediárias, com os sinais de mais ou de menos.
No âmbito político, a agência analisa aspectos como o sistema político do país e relações internacionais. Do ponto de vista econômico, leva em consideração o grau de endividamento externo do país, a flexibilidade do balanço de pagamentos, a estrutura econômica e o potencial de crescimento, a condução da política econômica e as perspectivas econômicas.
A reclassificação do Brasil, de BBB para BBB–, apesar de manter o país na condição de “grau de investimento”, sinaliza uma deterioração política e/ou econômica do país. O embate entre o governo e a chamada base aliada, um obstáculo à governabilidade, e as manifestações populares trazem certo grau de preocupação. No âmbito das relações externas, a proximidade com os governos argentino, venezuelano e cubano também deixa analistas apreensivos.
A taxa de crescimento do PIB nos últimos três anos cresceu abaixo da média dos últimos 19 anos (2,97% ao ano). Os investimentos no setor produtivo da economia, indutor importante para o processo de crescimento, esteve, nessas quase duas décadas, no patamar de 18% do PIB, diante de uma média mundial de 20% e da média superior a 35% do PIB dos principais emergentes (China, Índia, Rússia e Coreia do Sul).
A inflação, por sua vez, parece estar fora de controle, levando o governo a tentar conter a escalada dos preços represando preços e tarifas, como as do combustível e da energia elétrica, trazendo danos significativos às empresas que compõem a matriz energética brasileira. E, agora, observa-se a forte deterioração das contas externas, com a balança comercial apresentando déficits sucessivos.
Há ainda o descontrole do governo nos seus gastos, comprometendo a capacidade de pagar os juros da dívida interna e tendo de se financiar para pagá-los, reduzindo ainda mais os poucos recursos disponíveis para os investimentos no setor produtivo da economia. Esse descompasso contribui para a pressão inflacionária, exigindo da autoridade monetária o aumento sucessivo da taxa de juros, a Selic.
Se o país tivesse trilhado caminho diverso, certamente, em vez de um rebaixamento, poderíamos estar melhor posicionados no cenário internacional com um BBB+, que seria muito importante para não só atrair mais investimentos estrangeiros diretos, mas também para adequar e ampliar o setor produtivo de nossa economia, com mais produtividade e competitividade. Em resumo, criar efetivas condições para que a economia cresça de forma sustentável ao longo dos anos, e não apenas com medidas pontuais, que em nada contribuem para a melhoria da estrutura econômica do país.
Interpretação ardilosa - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 04/04
A decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre a CPI da Petrobrás, soa confusa à primeira vista. Para todos os efeitos houve um mero adiamento com a transferência da palavra final para a Comissão de Constituição e Justiça.
Não é bem assim. Na realidade, a interpretação de Calheiros foi ardilosa. Ao fim e ao cabo, admite apenas duas possibilidades: ou a criação de uma CPI para investigar vários outros assuntos além da Petrobrás ou CPI nenhuma. A hipótese de uma comissão exclusiva para tratar da petroleira está afastada. Como queria o governo.
O estratagema será repetido em relação à CPI mista proposta pela oposição que terá o mesmo destino. A comissão engloba Câmara e Senado, diz respeito ao Congresso cujo presidente é Renan Calheiros.
Em movimento combinado com o Planalto, o senador decidiu que, no decorrer das investigações fatos novos podem ser incluídos no escopo da CPI. Da mesma forma, as comissões de inquérito podem ser iniciadas com a inclusão de assuntos estranhos à pauta original do chamado fato determinado.
Trocando em miúdos, isso significa que se o Supremo Tribunal Federal não acatar o mandado de segurança a ser impetrado pela oposição para assegurar o direito da minoria, as comissões de inquérito poderão ser permanentemente manipuladas pela maioria governista.
Pelo seguinte: bastará daqui em diante que o governo proponha a inclusão de quaisquer temas em propostas de CPIs para que o assunto que incomode à maioria, dona do comando da investigação, seja relegado a um plano secundário e acabe não sendo objeto de exame.
Por essa regra o Brasil não teria tido comissões de inquérito como a dos anões do Orçamento, do PC Farias e dos Correios, todas estimuladas e alimentadas por parlamentares do PT. Quando na oposição, o partido atuou dentro da baliza legal que garante à minoria um campo de atuação.
Tanto é que são exigidas assinaturas equivalentes a um terço da composição das duas Casas e não da maioria. Tal princípio visa a conferir legitimidade ao pleito, garantindo a expressão da minoria. Interpretações como as de Renan Calheiros permitirão que o governo se imponha sempre, em prejuízo do direito da minoria de investigar a maioria.
Sobras. No Senado a oposição soma 20 parlamentares. Foram obtidas 31 assinaturas para a CPI da Petrobrás. Na Câmara, os oposicionistas são 120 (incluídos os deputado do PSB), mas as assinaturas chegaram a 232.
Pesadelo. O pior cenário em exame no Palácio do Planalto para a próxima legislatura, caso a presidente Dilma Rousseff venha a ser reeleita, é uma possível eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara porque estaria nas mãos dele qualquer pedido de impeachment porventura apresentado contra ela.
Nos devaneios palacianos, Cunha não hesitaria em dar prosseguimento à proposta.
Papo de tucano. A conversa no jantar na casa do senador Cássio Cunha Lima quarta-feira em Brasília era a próxima pesquisa Datafolha, cujo campo foi iniciado no dia seguinte à apresentação da propaganda de televisão do candidato do PSB, Eduardo Campos.
O anfitrião levantou-se e disse aos companheiros de PSDB: "Essa coincidência é reincidente". De acordo com seus apontamentos, no ano passado o instituto entrou em campo nos dias 11 e 12 e outubro, logo após o término das inserções do PSB.
Naquela pesquisa Campos teve 15%, seu melhor índice. Na seguinte, caiu para 11%. O desejo dos tucanos é que o Datafolha tivesse esperado as inserções de Aécio Neves marcadas para a próxima terça-feira.
Mãos sujas - NELSON MOTTA
O GLOBO - 04/04
PT responde às acusações relativas à Petrobras não negando, mas ameaçando investigar roubalheiras que podem atingir o PSDB em São Paulo
O assunto pode ser árido e técnico, mas é oleoso e viscoso. Quem consegue entender como a Refinaria de Pasadena custou US$ 1,2 bilhão, não vale nem a metade, mas processa cem mil barris por dia, enquanto a Refinaria Abreu e Lima vai custar US$ 18,5 bilhões para processar cem mil barris no início e 240 mil quando estiver a pleno vapor?
Que crises econômicas internacionais, que conjunturas de mercado, que estratégias de negócios, que prioridades regionais e nacionais, que espessuras e viscosidades dos óleos, que certezas na impunidade e na estupidez alheia produzem as explicações oficiais para os prejuízos que, por incompetência da gestão, os acionistas da Petrobras tiveram nos últimos quatro anos?
Embora ex-presidente José Sergio Gabrielli diga que “o assunto é requentado”, o óleo está fervendo para ele e seus companheiros de aventuras, há um cheiro de queimado no ar, os poços de burocracia da empresa estão cheios de mistérios que começam a jorrar, Pasadena e Abreu e Lima são apenas dois focos de incêndio, estamos descobrindo que o petróleo não é nosso, é deles.
Enquanto isso, o PT tenta convencer o público que o clamor pelas investigações sobre as refinarias é uma campanha contra... a Petrobras. E responde às acusações não negando, mas ameaçando investigar roubalheiras que podem atingir o PSDB em São Paulo. Se desistir da CPI da Petrobras a oposição pode continuar roubando à vontade? Quem ainda aguenta isso?
Mas o mal já está feito. Na era do aparelhamento político, funcionários de carreira das estatais logo perceberam que aderir ao partido era a melhor forma de crescer na empresa, através de indicações “técnicas”, mas na verdade partidárias, com todas as suas distorções e consequências. Áreas sensíveis e importantes foram entregues em barganhas políticas a corruptos profissionais e a incompetentes que eventualmente dão mais prejuízo do que os ladrões.
A palma da mão manchada de óleo preto que os governantes adoram mostrar para os fotógrafos quando visitam alguma plataforma de petróleo se transformou em um ícone da sujeira e da lambança.
Tudo embolado - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 04/04
BRASÍLIA - A Petrobras, que já foi o que foi, agora compra uma refinaria por preços exorbitantes nos EUA e vende outra bem baratinho para a Argentina. No mínimo, a turma é ruim de fazer negócios.
O pior é que a presidente Dilma Rousseff está no centro das discussões, com o Planalto batendo boca com o advogado Edson Ribeiro, que defende o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, pivô da crise.
Foi Dilma quem criou a crise política e a ameaça de CPIs, quando disse, ou melhor, escreveu, que, na condição de chefe da Casa Civil de Lula e presidente do Conselho de Administração da Petrobras, foi induzida por um "relatório falho" e por "informações incompletas" a aprovar a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. "Seguramente", frisou, a operação não deveria ser feita.
Advogado de Cerveró, responsável pelo tal relatório esquisitão, desmentiu a versão da atual presidente da República e foi além: os conselheiros (logo, Dilma inclusive) receberam o contrato 15 dias antes, com tempo suficiente para examiná-lo. "Se não o fizeram, foram no mínimo levianos ou praticaram gestão temerária." Quis dizer que Dilma também?
O Planalto negou, reforçando a versão original da presidente. Ficou uma sensação de "acareação", aguardando algum papel, algum carimbo, algum rastro burocrático que possa explodir uma das duas versões. Em forma de ameaça, o advogado disse que Cerveró "não será bode expiatório". Ou seja, o Planalto, que gerou a crise, e o diretor, que é o pivô dela, pagaram para ver.
Para complicar, um mesmo doleiro, Alberto Youssef, deu um Land Rover para Paulo Roberto Costa, outro ex-diretor da Petrobras enrolado com Pasadena, e emprestou seu jatinho para o petista André Vargas, vice-presidente da Câmara, e seus familiares. Youssef e Costa foram presos na Operação Lava Jato, da PF. Vargas tenta justificar o injustificável.
Nada a ver? Sim, pode ser. Mas está tudo muito embolado.
Fora do compasso - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 04/04
Curiosamente, a presidente Dilma tem feito tudo certo com relação à compra da usina de Pasadena pela Petrobras, mas com oito anos de atraso. Mandou demitir o diretor a quem atribuiu um relatório falho que induziu o conselho que presidia ao erro e, diante da afirmação de seu advogado de que recebera os documentos completos sobre as compra com 15 dias de antecedência, negou peremptoriamente a versão.
Parece ter razão, pois o advogado, que aparentava ter informações para encostar a presidente na parede, na verdade, estava sendo apenas leviano.
A fama de centralizadora de Dilma não se justifica nesse episódio, pois ela deixou que circulasse a versão oficial da Petrobras de que a compra de Pasadena fora um bom negócio durante vários anos, quando já estava convencida, pelo menos desde 2008, de que o conselho fora ludibriado por um relatório falho por incompleto.
O mais estranho, no entanto, é que permita que autoridades sob seu comando continuem divulgando a versão de que nada houve de errado na compra da refinaria, mesmo depois que ela, de próprio punho, admitiu que fora um mau negócio que nem deveria ter sido autorizado.
Ninguém menos que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse recentemente que o negócio de Pasadena não teve problema. Nesse caso, o governo está atingindo o auge de sua incompetência, desmentindo a própria presidente para defender os membros da corporação responsáveis pelo mau negócio. E evitando que uma CPI do Congresso investigue o assunto seriamente, coisa que os órgãos de fiscalização governamentais não poderão fazer por constrangimentos próprios do corporativismo.
Disse que a presidente está fazendo tudo certo mas tenho que me retratar, pois, com as manobras incentivadas pelo Planalto, não haverá investigação sobre a suspeita compra da refinaria em Pasadena, assim como outras suspeitíssimas refinarias, uma na Argentina, vendida a amigos dos Kirchner, e outra em Pernambuco, feita para agradar o bolivariano Hugo Chávez. Se contarmos a refinaria boliviana que foi confiscada por Evo Morales à força das armas sem que o país reagisse, temos a Petrobras usada para ajudar a política de aproximação com os governos populistas da América Latina, com prejuízos em série. E a compra da refinaria de Pasadena, a quem ajudou?
Cheiro de queimado
Certos políticos, quando aparecem apenas por gestos inusitados, acabam pagando pela exibição. A ex-deputado Angela Guadagnin saiu dançando miudinho para comemorar a absolvição de um colega corrupto, no que ficou conhecido como a dança da pizza! , e não foi reeleita.
O deputado André Vargas levantou o punho à moda dos revolucionários para constranger o presidente do STF, Joaquim Barbosa, que estava ao seu lado no Congresso. Agora, corre o risco de perder o mandato acusado de corrupção.
Quando apanhado em flagrante tendo recebido um fogão e uma geladeira de presente de casamento em 2011 do bicheiro Carlinhos Cachoeira, o então senador Demóstenes Torres foi à tribuna para se fazer de inocente. Disse que não poderia devolver presentes, e que não sabia que Cachoeira era bicheiro.
As investigações mostraram que a amizade entre o senador e o bicheiro era mais que isso, era um contrato de trabalho. Ele ajudava Cachoeira em no Congresso, o aconselhava, e recebia em troca mais que simples presentinhos de casamento.
A reação de André Vargas, vice-líder do PT, ao ser apanhado em flagrante usando um jato alugado pelo doleiro Yousseff, que está preso, foi semelhante, mas desastrada. Disse que pediu o avião por que as passagens estavam caras, depois disse que pagara o combustível - que custaria muito mais que os voos comerciais para sua família - e adiante admitiu que nem o combustível saiu de seu bolso.
Vargas alegou que conhecia Yousseff há mais de 20 anos, e que não sabia que era doleiro. Mais adiante, quando gravações da Polícia Federal mostraram-no como intermediário de um negócio entre o doleiro e o Ministério da Saúde, que rendeu a lavagem de dinheiro de mais de R$ 30 milhões, segundo a PF, Vargas admitiu na mesma tribuna que fora imprudente ao aceitar o jatinho.
O PSOL pediu uma investigação sobre o deputado revolucionário à Comissão de Ética da Câmara. É provável que, como no caso do senador do DEM, a PF tenha outras gravações de conversas de André Vargas com o doleiro.
Apenas uma prisioneira - MARIA CRISTINA FERNANDES
VALOR ECONÔMICO - 04/04
No dia 31 de março a presidente Dilma Rousseff falou, pela primeira vez em público, dos 50 anos do golpe de 1964, ao assinar o contrato pela construção da segunda ponte sobre o rio Guaíba, em Porto Alegre. Citou o presidente "ex-exilado" e o outro que foi "preso várias vezes". Por fim, incluiu-se - "uma mulher que também foi prisioneira".
Entre os três, foi de Dilma que o golpe cobrou o maior pedágio. É a única cujo combate à ditadura foi punido com tortura. E, no entanto, a presidente preferiu se diluir num discurso desprovido de emoção.
Guardou-a para dali a dois dias durante inauguração da reforma do Galeão. A pretexto de homenagear os exilados, citou o 'Samba do Avião', composto por Tom Jobim antes do golpe. Mais uma vez, a guerrilheira que, depois de presa e torturada, engajou-se, no Brasil, pela redemocratização, tirou o foco de si.
Por que Dilma ficou à sombra da efeméride
Uma razão possível é que o pressuposto para a comandante-em-chefe das Forças Armadas falar em tortura é que seus subordinados hierárquicos a reconheçam. Como esse reconhecimento não existe, a menção à tortura levantaria dúvidas sobre a efetividade de seu comando.
Dois anos atrás, na instalação da comissão da verdade, momento em que reuniu todos os seus antecessores e falou mais demoradamente sobre a ditadura, Dilma também evitou a tortura.
Nem sempre foi assim. Em 2001, quando era secretária de Energia no governo do Rio Grande do Sul, Dilma deu um depoimento ao Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais, criado para indenizar os políticos torturados no Estado. E assim resumiu a experiência: "As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim".
Desde a posse, uma das raras menções ao que passou no pau-de-arara veio no fim do ano passado quando, ao instituir o Sistema Nacional de Combate a Tortura, disse que, por tê-la experimentado, sabia o que representava em "desrespeito à mais elementar condição de humanidade de uma pessoa".
As razões para que uma candidata à reeleição tenha decidido permanecer à sombra no momento em que teria mais a falar do que qualquer de seus oponentes viriam à tona naquele dia da efeméride. As Forças Armadas aceitaram a investigação de suas instalações que serviram à tortura, no que Raymundo Costa, do Valor, apurou ser o primeiro passo para o perdão militar pelos crimes da ditadura.
Está claro que o aceite é uma tentativa de barrar as pressões pela revisão da Lei da Anistia, a começar por correligionários da presidente. Muitos deles manifestaram-se nas redes sociais contrariamente ao discurso em que Dilma diz reconhecer e valorizar os pactos que levaram à redemocratização.
Quando a pressão pela revogação da Lei da Anistia mover Congresso e Supremo Tribunal Federal é possível que Dilma não seja mais presidente e restem poucos a serem punidos.
Até lá, o título de comandante-em-chefe das Forças Armadas talvez possa ser honrado com a mudança do currículo das escolas militares que ainda exaltam o golpe.
O que parece ultrapassar o limite do mandato presidencial e de suas relações com as Forças Armadas é o avanço pactuado de que reclama uma fatia dos petistas.
Na maioria das vezes em que a presidente tentou avançar além do pactuado, foi obrigada a recuar. Vide a política econômica.
Os recuos e pactos a que se submete a ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto talvez expliquem por que desde que se tornou candidata, presidente e novamente candidata, a presidente nunca mais se sentiu tão à vontade com um microfone quanto naquela tarde de 2008 quando disse ao senador Agripino Maia (DEM-RN) que se orgulhava de ter mentido sob tortura.
Golpismo petista
O 'Volta, Lula' é fruto da trinca formada por candidatos petistas, financiadores e marquetagem. Representantes das três categorias confirmam que, a seis meses da eleição, o dinheiro que já deveria estar rolando é represado como forma de pressão para que o ex-presidente desaloje sua sucessora e assuma a candidatura.
Nos porões deste golpe plantam-se boatos sobre a saúde da presidente como saída para a incômoda pergunta que recairia sobre o ex-presidente. Por que votar em quem não soube apresentar um sucessor ao eleitor? A resposta é que Dilma desistiria porque não pode se recandidatar e não porque não queira.
Um ilustre representante dessa trinca foi apresentado aos leitores pela repórter Andréia Sadi, da "Folha de S.Paulo". É o deputado André Vargas (PT-PR), aquele que pediu um helicóptero emprestado do doleiro Alberto Youssef, a maior ponte já construída entre o tesouro da era tucana (Banestado) e aquele amealhado pelo petismo (Petrobras). O constrangedor discurso em que reconheceu o erro do empréstimo foi um golpe dentro do golpe.
Não foi o único. A pauta da Câmara destravada depois de mais de quatro meses foi uma demonstração de que a presidente começou a se acertar com o PMDB, principal entrave aos planos do PT de ampliar seus polos regionais de poder. Nem a ameaça de CPI tem sido um impedimento às votações.
Um sinal desse entendimento é a reaproximação entre Dilma e o agora ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, eterno sócio do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha.
Com a renúncia dos governantes que pretendem disputar cargos eletivos, começa a clarear o mapa das candidaturas estaduais. Nele se verão candidatos petistas muito mais dependentes da presidente do que o inverso. Por mais que sua popularidade ainda claudique, não há vantagem para Dilma em se amarrar a candidatos petistas desconhecidos em seus Estados como Alexandre Padilha, em São Paulo; Rui Costa, na Bahia; ou mesmo nomes já testados, como Lindbergh Farias. Nesses e em muitos outros Estados, os petistas prefeririam ser puxados pelo boeing lulista mas terminarão a reboque de uma presidente que multiplicará palanques estaduais em busca de votos. É uma rota de inevitável colisão com expoentes do golpismo petista.
O samba-da-presidenta-doida - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 04/04
Sugiro um estudo aos teóricos do Complexo Pucusp: o mal que o golpe fez à cultura metafórica brasileira
Existe a revisão virtuosa da história. À medida que se descobrem novos documentos, que se apela a saberes não convencionais para as ciências humanas, que se estudam fontes de narrativas antes consideradas fidedignas, o passado pode ganhar novo contorno em benefício da precisão. É o oposto do que está em curso nestes dias, nos 50 anos do golpe militar de 1964. A memória histórica foi abolida em benefício da memória criativa e judiciosa. Dilma se tornou a personagem-símbolo desse saber que se erige como nova moral. Na solenidade de privatização do aeroporto do Galeão, resolveu apelar a Tom Jobim e citou o "Samba do Avião". Segundo disse, a música ligava o Brasil de hoje ao do passado ao "descrever" a chegada ao país dos brasileiros que voltavam do exílio, depois da anistia, "após 21 anos".
É o samba-da-presidenta-doida. A música é de 1962, o golpe foi desferido em 1964, e a Lei da Anistia é de 1979, quando os exilados, então, começaram a voltar –15 anos, portanto, depois do golpe, não 21. A canção faz uma evocação lírica do Rio; nada a ver com protesto. Ao contrário até: o narrador revela aquele doce descompromisso bossa-novista: "Este samba é só porque/ Rio, eu gosto de você"... Não havia nada de programático a ser interpretado: "A morena vai sambar" queria dizer que a morena iria sambar. Sugiro um estudo aos teóricos do Complexo Pucusp: o mal que o golpe fez à cultura metafórica brasileira.
Na semana passada, lembrei que, em 1987, em vez de reciclar os ódios ao Estado Novo, inaugurado em 1937, o Brasil cuidava do futuro e vivia o processo constituinte, aprovado pela Emenda nº 26, de 1985, que tinha a anistia de 1979 como pressuposto. "Anistia" que, por fatalidade da língua, tem a mesma raiz de "amnésia" e significa, para todos os efeitos da política e do direito, "esquecimento". Por óbvio, isso não impede que se procure a verdade, coisa que não cabe a um ente do Estado. Por natureza, ele irá justificar a ordem de compromissos que o instituiu.
Assim, uma comissão oficial da verdade, lamento!, é mentirosa "ab ovo". Nem o governo negro da África do Sul se negou a apurar atos protagonizados por adversários do apartheid. A do Brasil, contrariando a lei que a instituiu, já deixou claro que sua vocação é demonstrar que o Lobo Mau era mau e que os Chapeuzinhos Vermelhos eram bons.
Num pequeno discurso, Dilma reconheceu, oblíqua e envergonhadamente, a Lei da Anistia e, de novo, elogiou os que tombaram. Na sua lista não estão as 120 pessoas (no mínimo) assassinadas por grupos terroristas, inclusive os de que ela fez parte. Ai de quem se atrever a lembrar, no entanto, os crimes sinistros de poetas da morte como Lamarca e Marighella! Passa a ser tratado por alguns cronistas –que têm de opinião arrogante o que exibem de orgulhosa ignorância– como sócio e partícipe da tortura. Transformam supostos adversários em caricaturas para que fique fácil vencê-los –no boteco ao menos. Fazem com a história o que Dilma fez com o "Samba do Avião". Como responder? Jogando no seu colo o corpo despedaçado de Mário Kozel Filho ou o crânio esmagado de Alberto Mendes Júnior? Nem sabem do que falo. Não dá para entrar nesse jogo rasteiro.
Não pretendo voltar ao golpe neste espaço –a menos que ache necessário. O que hoje desperta o meu interesse é essa esquerda que se ancora numa falsa gesta do passado para assaltar o futuro, como evidenciam as lambanças na Petrobras e o esforço suarento do petista André Vargas para explicar o lobby no Ministério da Saúde em favor de um doleiro –assunto que vai se tornar ainda mais rechonchudo. O que me mobiliza é fazer a sociologia dessa "burguesia do capital alheio", ainda a minha melhor expressão para definir essa gente. Na quarta, um desenhinho animado da presidente, em sua página oficial no Facebook, dava "um beijinho no ombro" para "us inimigo". Uma "Dilma Popozuda" é evidência de arrogância e descolamento da realidade, não de graça. Dilma Bolada está no comando.
As assombrações da Petrobrás - JOÃO MELLÃO NETO
O Estado de S.Paulo - 04/04
Há um senador, atual, mais conhecido como o "senador de todos", que é um político e um técnico experimentado. Sua especialidade é engenharia elétrica. Mas a sorte só começou a sorrir-lhe - reza o ditado que os que não a têm morrem pagãos - quando Lula chegou à Presidência da República. Ele, então, logrou indicar para diretor da BR Distribuidora o pivô do presente escândalo da Petrobrás, o qual permaneceu na empresa até meados de março, quando estourou a hecatombe. Habituado a ser cortejado por todos, esse ex-diretor da BR, de repente, se viu só.
O senador que o apadrinhava negou anteontem ter tido qualquer responsabilidade na indicação do acusado e até o presidente do Senado se apressou a seguir-lhe os passos. Enquanto o presidente do Senado troca acusações com o senador do povo sobre quem fez a tal indicação, o distinto público fica na dúvida sobre quem está com a razão: se ambos, um deles ou nenhum.
O cidadão ex-diretor da BR, homem de múltiplos padrinhos, de repente se viu órfão e, ainda por cima, desempregado. O máximo que a presidente Dilma Rousseff fez foi redigir um lacônico desagravo a ele, perdido em algum pé de página. Já o primeiro senador citado tem procurado de todas as maneiras possíveis se desvencilhar do suposto apadrinhamento de seu pupilo. Remando em sentido contrário, encontra-se o líder do partido no Senado. Ambas as cabeças estão a prêmio. Perderá a corrida aquele que for menos convincente.
Todo mundo tem ciência do que aconteceu. Mas não custa relembrar os fatos.
Albert Frère é um empresário belga que está acostumado a ganhar dinheiro e odeia perdê-lo. Entre outros negócios, era o proprietário da refinaria de Pasadena, no Texas, cujos primeiros 50% vendidos à Petrobrás foram avaliados por ele mesmo em US$ 360 milhões. Na verdade, o valor de mercado do total da usina não ultrapassava os US$ 42 milhões, uma vez que seus equipamentos já estavam sucateados e pouco restava de útil no local. De qualquer forma, a Petrobrás acabou se desentendendo com os belgas e foi obrigada a pagar na Justiça US$ 1,18 bilhão à ex-sócia para ficar com a usina. Como se percebe, um péssimo negócio.
Como é próprio da natureza humana, todos querem compartilhar o sucesso, já o fracasso é sempre órfão. O problema maior é que, desta vez, a propalada competência da presidente Dilma se encontra em jogo. Como os papéis referentes ao negócio passaram por suas mãos, de duas, uma: ou ela não entendeu o que leu ou não dedicou aos documentos a merecida atenção. Seja qual for o caso, a sua propalada competência fica posta em dúvida.
Esta talvez seja a pior crise por que passa o governo Dilma. Ao menos, é a mais grave. Ou ela encontra uma saída plausível, ou minimamente verossímil, ou sua propalada reputação despencará em queda livre. Com certeza, é a sua crise mais desgastante em termos de imagem. Isso sinalizou à Nação que ela não é tão infalível, como afirma ser.
Essa é também a grande chance que os oposicionistas sempre esperaram e agora lhes cai no colo, sem mais nem por quê. Quem souber se aproveitar disso acabará por herdar o Palácio do Planalto. Quanto aos outros, haverão de continuar pagando "placê".
Não é à toa que a presidente se mostra irascível e irritadiça. Ela cultuou pela vida toda a imagem de boa de tiro e agora, por um lapso de estratégia, assiste ao desmoronamento de toda a sua fama e reputação. Dona Dilma, que se manteve inabalável durante três anos e meio de mandato, sofre um desgaste que nunca lhe ocorreu que pudesse vir a enfrentar. Para reduzir os danos à sua imagem, terá de negociar muito com o Congresso Nacional e isso implica ouvir todo tipo de sugestões e propostas indecorosas. Tudo isso sem jamais perder a calma ou a paciência. Ela terá também de estar disposta a ceder cargos indispensáveis, negociar o inegociável e transigir com o intransigível. Há de ter em conta que tudo é necessário para se manter no cargo com um mínimo de dignidade.
A pergunta que não quer calar diz respeito à sua capacidade de resistir e virar o jogo. A palavra para isso é resiliência. E ninguém sabe se ela a tem, até que seja posta à prova.
Hércules, segundo a mitologia grega, também foi testado nesse quesito e conseguiu sagrar-se campeão. Por orientação do Oráculo de Delfos, precisou cumprir 12 tarefas praticamente impossíveis para se penitenciar por ter matado sua esposa e seus três filhos num acesso de loucura.
No Peloponeso, teve de matar o leão de Nemeia. Após estrangulá-lo, arrancou-lhe a pele e passou a usá-la como indumentária. A seguir matou a hidra de Lerna, uma serpente com corpo de dragão, que tinha nove cabeças. Depois correu atrás da corça de Cerineia, o que lhe demandou um ano de trabalho. Mas suas tarefas não se resumiram a isso. Para purgar a loucura que cometera e novamente se credenciar perante a opinião pública, couberam ainda outros trabalhos, entre eles, capturar o touro de Creta, limpar os currais de Augias, capturar vivo Diomedes - que possuía éguas que cuspiam sangue - e capturar também vivos os javalis de Erimanto. Tudo isso para provar ao povo que era capaz de governá-lo.
Quanto a Dilma Rousseff, o maior problema agora é a exiguidade de tempo. Ela deve à Nação, no mínimo, US$ 1,18 bilhão. Se Dilma for capaz de vencer todas as barreiras, bem poderá ser ungida novamente. Se não for, é de prever a extinção do PT da face da Terra. Com tudo o que ele representa de ruim: fanatismo, radicalismo, tumultos, pancadaria e muito mais. Finalmente os mansos herdarão a Terra. E tudo será como deve ser. Ou, ao menos, como deveria ser. Que tal desarmarmos nossos espíritos e imaginar um Paraíso despojado dessa gente belicosa, onde haja paz e concórdia sem essas ideias de luta de classes e beligerância?
Pensando bem, até que não seria uma ideia de todo ruim...
Os fascistas de esquerda e o professor sem noção - MIGUEL NAGIB
GAZETA DO POVO - PR - 04/04
Um dos episódios mais comentados da semana foi a invasão de uma sala de aula da Faculdade de Direito da USP, ocorrida no momento em que o professor de Direito Administrativo Eduardo Lobo Botelho Gualazzi lia para seus alunos um artigo em que expressa suas convicções políticas e ideológicas e defende a revolução/golpe/contragolpe (como queiram) de 1964. O vídeo está disponível no YouTube.
Não há dúvida de que o espetáculo promovido pelos estudantes é inaceitável: coisa de extremistas ideológicos. Ainda não dá para comparar com a violência dos guardas vermelhos durante a Revolução Cultural, na China, mas é só uma questão de tempo para esses fascistas de esquerda chegarem lá.
A invasão, todavia, não é o único aspecto que chama a atenção nesse episódio lamentável. Há também a conduta do professor. Não nos parece que ele tivesse o direito de usar uma aula da sua disciplina (que é obrigatória) para constranger os alunos a ouvi-lo dissertar sobre assuntos que nada têm a ver com Direito Administrativo.
Com efeito, a única forma de conciliar o caráter obrigatório de uma disciplina com a liberdade de consciência (ou liberdade de aprender) dos estudantes é limitar a liberdade de cátedra (ou liberdade de ensinar) do professor ao conteúdo específico dessa disciplina, que é a área, afinal, na qual se supõe que ele tenha algo a ensinar aos alunos.
Se o estudante não é livre para se levantar e sair da sala sem que esse ato possa lhe acarretar algum prejuízo, o professor não pode ser livre para ir além do conteúdo específico de sua disciplina para dizer, ex cathedra, o que bem entenda. Ainda que se possa tolerar, aqui e ali, algum comentário de cunho político ou ideológico, isso não pode ser a regra. Não se pode admitir que um professor se aproveite da autoridade que lhe é conferida pela cátedra e da audiência (literalmente) cativa dos alunos para promover suas próprias concepções políticas e ideológicas, sejam elas quais forem.
Portanto, se o professor desejava expor suas ideias sobre assuntos que não fazem parte da sua disciplina – política, economia, história etc. –, deveria ter dito aos estudantes: “No dia tal, a tal hora, no auditório tal, farei uma palestra sobre tais assuntos. Quem quiser, que apareça”.
O melhor antídoto contra a instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos ainda é a conhecida, mas negligenciada, lição de Max Weber: “Tanto ao profeta quanto ao demagogo se deve dizer: ‘Vá às ruas e fale em público’, quer dizer, que ele fale em lugar onde possa ser criticado. Em uma sala de aula enfrenta-se o auditório de maneira totalmente diversa: a palavra é do professor, e os estudantes estão condenados ao silêncio. Impõem as circunstâncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um professor, tendo em vista a futura carreira e que ninguém dos presentes a uma sala de aula possa criticar o mestre. É imperdoável a um professor valer-se dessa situação para buscar incutir em seus discípulos as suas próprias concepções políticas, em vez de lhes ser útil, como é seu dever, através da transmissão de conhecimento e de experiência científica”.
Em suma: erraram os invasores; errou o professor.
É preciso investigar os obscuros negócios da Petrobras - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 04/04
Transações que implicaram prejuízos para a estatal têm o fio condutor do tráfico de influência. Os fatos são graves e o país cobra sua apuração
Presos à quase monocórdica argumentação de que a convocação de uma CPI para investigar obscuras transações na Petrobras, a poucos meses das eleições, se trata de jogo político da oposição, o PT e seus aliados no Congresso e no governo federal escamoteiam a questão central do caso. O foco, que tentam esmaecer, está no fato de que diretores da estatal foram apanhados em “malfeitos”. Um deles sugerido pela própria presidente Dilma Rousseff, em nota que julgou necessária para explicar como foram aprovadas as inusitadas condições de compra de uma refinaria em Pasadena (Texas). O fato ocorreu em 2006, no governo Lula, quando ela acumulava a chefia da Casa Civil e a presidência do Conselho de Administração da estatal. Segundo Dilma, a decisão foi tomada com base em relatório “tecnica e juridicamente falho”.
Há evidências de que negócios nebulosos resultaram em prejuízos bilionário aos acionistas. Falta no mínimo bom senso quando se procura dar como positiva a compra da refinaria no Texas: primeiro, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade de uma empresa que, pouco antes, fora adquirida, inteira, por US$ 42, 5 milhões, pelo grupo belga Astra Oil; depois, adquiriu o controle, pagando US$ 1,2 bilhão. É questão que precisa ser esclarecida, porque põe em jogo a credibilidade da estatal. Mas não é caso único e isolado.
Estão à espera de explicações negócios igualmente exóticos, por obscuros, como a operação para a construção, em curso, da refinaria Abreu e Lima (PE). Orçada em US$ 2 bilhões, a obra prospecta hoje uma sangria de US$ 18 bilhões — nove vezes o orçamento de partida. O GLOBO publicou recentemente reportagem sobre outra compra, uma refinaria no Japão, pela qual pagou-se, em 2008, US$ 71 milhões, e onde já se enterraram US$ 200 milhões — sorvedouro do qual a estatal procura se livrar, sem sucesso.
Por essas transações perpassa o fio do tráfico de influência, outro aspecto a ser seriamente enfrentado nessa sucessão de negócios mal explicados na empresa controlada pelo Estado. Para variar, este é um ponto também escamoteado pelo PT e aliados, por eles tratado como “interesses eleitoreiros da oposição”. Mas as evidências são inquestionáveis. Na compra de Pasadena estavam as digitais de Nestor Cerveró, à época diretor da área internacional da empresa, ungido por lideranças do PMDB e do PT. O ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, ligado à operação da Abreu e Lima, hoje recolhido à prisão por lavagem de dinheiro, foi outro protegido pelo PP, PMDB e PT.
O discurso lulopetista em defesa dessas ações, desqualificando qualquer crítica à Petrobras como parte de supostas campanhas “neoliberais” para “privatizar” a empresa-símbolo da recente industrialização brasileira, é tanto previsível quanto irreal, e até risível. É, sim, velho truque eleitoreiro, por sinal já usado pelo PT. O que importa são os fatos. Eles estão aí, são graves, e o país cobra sua apuração.
Eles nunca sabem de nada - GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 04/04
André Vargas, ao dizer que não sabia o que fazia o doleiro Alberto Youssef, só repete seus mestres Lula e Dilma ao entoar o grande mantra do petismo
Impressionante a desinformação demonstrada por algumas pessoas que, por dever de ofício, deveriam ser mais informadas do que quaisquer outras. O último a revelar que nada sabia foi o deputado do PT paranaense André Vargas, vice-presidente da Câmara Federal, que, após ter viajado em férias com a família a bordo de um jatinho do doleiro Alberto Youssef, em janeiro, disse desconhecer as cabulosas relações de seu benfeitor com o mundo do crime organizado.
Difícil de acreditar: Youssef foi preso há dias pela Operação Lava-Jato, desencadeada pela Polícia Federal, para investigar atividades de uma quadrilha especializada em operações de lavagem de dinheiro, da qual faria parte também um diretor da Petrobras suspeito de participar da compra superfaturada da refinaria de Pasadena. O Brasil inteiro soube dos casos e se familiarizou com os nomes – menos o deputado Vargas, aparentemente. E, pelo jeito, o parlamentar também não se interessou pelos aflitos momentos pelos quais passa o amigo que diz conhecer há 20 anos e que é generoso o suficiente para proporcionar-lhe o conforto de um voo particular de quase 4 mil quilômetros, entre o Paraná e a Paraíba. A prisão de Youssef, é verdade, ocorreu meses depois da viagem de Vargas; mas a (má) fama do doleiro já vem desde os anos 90, como mostrou na quarta-feira a Gazeta do Povo, e inclui escândalos de corrupção no Paraná.
O parlamentar paranaense, porém, não se utilizou de um recurso original. O já clássico “eu não sabia” é uma prática comum nas mais altas esferas do PT, inaugurada com pompa e circunstância pelo ex-presidente Lula, que dizia nada saber do que se passava sob suas barbas quando posto diante do escândalo do mensalão. Envolvidos no esquema estavam os homens mais próximos do presidente, como o chefe da Casa Civil, José Dirceu; o então presidente do partido, José Genoino; e tantas outras figuras que o rodeavam com a desenvoltura que a intimidade permite.
Lula também não sabia das proezas de sua secretária particular, Rosemary Noronha, que se valia do cargo de chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo para traficar favores. Poderosa, era parte integrante das comitivas do ex-presidente em viagens internacionais, dividindo os mesmos hotéis. Quando em vilegiaturas privadas, ocupava dependências oficiais luxuosas da embaixada em Roma. Todos sabiam; Lula não.
Da mesma estratégia de fuga da realidade se utilizou também a presidente Dilma Rousseff, ao confessar, dias atrás, saber quase nada do negócio em que a Petrobras acabou pagando US$ 1,2 bilhão por uma refinaria avaliada em US$ 45 milhões. Na ocasião, ela presidia o Conselho de Administração da estatal – mas bastou-lhe um relatório de três folhas, “técnica e juridicamente falho”, para dar voto favorável à estranha compra.
Inúmeros outros exemplos de “eu não sabia” poderiam ser enfileirados para contar a história do petismo. Repetida e entoada qual um cansativo mantra, a expressão é mais reveladora do que se pensa. Talvez não revele que seus autores tenham tido, de fato, participação mais ativa nos vergonhosos acontecimentos, mas sem dúvida é sintomática de um alheamento que beira a irresponsabilidade e, por isso, incompatível com as funções públicas que seus autores exercem.
É evidente ser impossível, impraticável mesmo, que os ocupantes das mais altas instâncias consigam tomar conhecimento de tudo o que ocorre à sua volta, nem são dotados dos aparatos de cognição do “Big Brother” de que nos fala George Orwell a ponto de passar seu tempo fiscalizando o que fazem seus delegados. Entretanto, duas atitudes indelegáveis se espera deles: uma, que não tolerem os desvios de comportamento dos subordinados e lhes apliquem os corretivos devidos; outra, que assumam as responsabilidades que a representação popular lhes impõe.
Tudo, menos o “eu não sabia”, principalmente sobre fatos que todos sabem.
O BC e o desafio dos preços - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 04/04
A presidente Dilma Rousseff está arriscada a chegar à eleição com uma inflação maior que a do ano passado, segundo as últimas projeções captadas no mercado pela pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo Banco Central (BC). Em quatro semanas a estimativa para 2014 subiu de 6% para 6,3%. Cinco dias depois deste levantamento, uma nova alta de juros, de 10,75% para 11% ao ano, foi anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. Foi a nona elevação desde abril do ano passado e pelo menos mais uma poderá ocorrer, se os preços continuarem subindo velozmente. O comunicado emitido logo depois da reunião deixa espaço para qualquer possibilidade.
Como de costume, economistas do mercado financeiro confrontaram o texto com os anteriores, num exercício de exegese muito valorizado pelos meios de comunicação. Mas a maior parte do palavrório, como ocorre quase sempre, foi perda de tempo.
A vaguidão do comunicado deixa pelo menos um ponto claro: se o pessoal do comitê evitou uma indicação mais precisa do próximo lance, foi por insegurança. Se as pressões inflacionárias arrefecerem, tanto melhor. Mas seria muito arriscado - esta é a mensagem essencial - apostar nisso neste momento. Esse recado combina muito bem com a piora das projeções na pesquisa Focus, com os últimos números da inflação e, como é óbvio, com as últimas avaliações internas do BC.
Seu presidente, Alexandre Tombini, chamou a atenção, em recente depoimento no Congresso, para a onda de aumentos do custo da alimentação. Segundo ele, caberia à política monetária limitar o impacto desses aumentos. Foi praticamente um anúncio da próxima alta de juros. Pouco depois o relatório trimestral de inflação confirmou a preocupação dos técnicos e dirigentes do BC com a resistência da inflação, com as novas pressões e com a persistência de fatores inflacionários bem conhecidos nos últimos anos, como os desajustes do mercado de trabalho e as limitações do lado da oferta de bens e serviços.
Os últimos números divulgados por várias instituições de pesquisa confirmaram a aceleração da alta de preços, reforçando a expectativa de juros mais altos. Na terça-feira, primeiro dia da reunião do Copom, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou o número final de março do Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S). A alta foi de 0,85%, bem maior que em fevereiro (0,66%). Na terceira quadrissemana de março, a penúltima apuração do mês havia apontado uma variação de 0,83%. Nos 12 meses até o mês passado, o aumento chegou a 6,09%.
O último Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), pesquisado entre 21 de fevereiro e 21 de março, havia confirmado o rápido aumento dos preços agrícolas no atacado (6,16%), depois de uma queda de 0,61% no mês anterior. Mas em fevereiro, apesar dessa queda, o custo da alimentação no varejo havia subido 0,49%. É preciso levar esse detalhe em conta para ter uma visão mais clara do conjunto: inflação no atacado tende a produzir efeitos nos preços ao consumidor, mas preços ao consumidor podem subir mesmo sem pressões do atacado, se outros fatores estiverem presentes. Outro detalhe relevante: nos 12 meses até março, os preços agrícolas subiram 5,77% no atacado, enquanto os industriais aumentaram 8,45%.
O papel de vilão da inflação - personagem muito popular - tem passado de um para outro grupo de preços. Não tem sentido, exceto, talvez, para descrever eventos de curtíssimo prazo, falar de uma inflação dos alimentos, do petróleo, dos transportes ou de qualquer outro componente dos índices. Para entender a alta persistente e geral dos preços é preciso levar em conta fatores de outra natureza, como a combinação de pressões de custos com amplos desequilíbrios entre oferta e demanda. Além disso, quando os aumentos são observados durante longo tempo em cerca de dois terços dos preços, é perda de tempo atribuir a inflação a este ou àquele grupo de produtos. Os dirigentes do BC sabem disso e olham, com certeza, muito além dos preços de alimentos ou de qualquer item.
Domésticas: no meio do caminho - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 04/04
Há certos signos que, sem palavras ou estatísticas, denunciam o grau de desenvolvimento do país. Um deles é o aeroporto. Longas filas na alfândega ou no check-in informam que a nação figura na rabeira da modernidade. Outro é o trânsito: o número de carros particulares é proporcional ao atraso. Quanto maior a quantidade de veículos, mais profundo o subdesenvolvimento. Outro, ainda, é o tratamento dispensado aos empregados. A discriminação fala alto. Extremos distantes evidenciam a existência de longo caminho a percorrer rumo à civilização.O Brasil fica mal na foto nos três itens. No último, porém, a distinção é mais flagrante. Dados do Ipea informam que, na administração pública, a diferença entre o maior e o menor salário ultrapassa 1.500 vezes. Na iniciativa privada, o cenário se repete com alguma mudança aqui ou ali. A discrepância mais visível sempre recaiu sobre o empregado doméstico. Até a Constituição Cidadã, de 1988, manteve a desigualdade. Registro profissional e jornada de 44 horas semanais não figuravam entre as exigências impostas ao empregador.
Daí por que ter sido saudada como a segunda abolição da escravatura a emenda constitucional que pôs fim ao hiato que separava os empregados domésticos dos demais trabalhadores rurais e urbanos. Apesar dos aplausos, porém, a correção ficou no meio do caminho. Passado um ano da promulgação da PEC, a regulamentação aguarda a análise da Câmara dos Deputados. O Senado cumpriu a obrigação em julho do ano passado.
As regras que definem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a contribuição sindical, o banco de horas, a demissão sem justa causa são alguns dos itens que aguardam definição. Mantida a indecisão, a PEC mais atrapalha do que ajuda. Donos de casa, sem saber como agir, aguardam as regras para decidir se conservam ou não o empregado, se o contratam levando em conta este ou aquele regime, se têm ou não condições de se adaptar aos novos tempos.
São 7,5 milhões de brasileiros que vivem do trabalho doméstico. Com o salário, pagam aluguel, alimentação, transporte, educação e saúde. Ignorar-lhes as urgências é apostar no extemporâneo - viver no século 21 com a cabeça na Colônia, época em que a casa grande e a senzala tinham limites bem definidos. Ao senhor se garantiam os direitos. Aos escravos, os deveres. Deputados se esquecem de que, em 2014, a Lei Áurea completa 126 anos. Os tempos são outros. Passou da hora de entrar em sintonia com os ditames do terceiro milênio.
Suja a jato - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 04/04
Arrefeceram um pouco as atenções em torno do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e de suas articulações na busca de mais ministérios para seu partido.
Todavia, a instituição sempre tem quem possa substituí-lo --e foi precisamente o seu vice, André Vargas (PT-PR), quem ocupou o noticiário com sinais de não descurar da defesa dos próprios interesses.
Uma viagem de férias a João Pessoa pode ser agradável, e mesmo merecida --a menos que se pense, talvez, no ritmo pouco exigente de trabalho em vigor no Legislativo.
O problema estava no preço das passagens aéreas. O deputado ligou então para um conhecido seu, perguntando se sabia de alguém que possuísse um avião.
Um jatinho serviria. O interlocutor de Vargas não haverá de ter acreditado na coincidência. Não é que ele próprio tinha um avião capaz de atender ao deputado?
O jatinho foi posto à disposição do vice-presidente da Câmara no dia seguinte. Às 6h30 partiu de Londrina em direção a João Pessoa.
Tudo ficaria por isso mesmo não fosse a Polícia Federal, que interceptou a conversa entre o deputado e o dono do avião, que não era ninguém menos do que Alberto Youssef, doleiro investigado por operações de lavagem de dinheiro.
Ele havia sido preso em 2003, por remessas ilegais no caso Banestado. Beneficiou-se do mecanismo da delação premiada. André Vargas, que o conhece há 20 anos, acreditou em sua regeneração.
"Imaginei que ele tivesse aprendido a lição", diz Vargas. Tanto assim que também foram gravadas conversas entre o deputado e o doleiro sobre os interesses deste em promover uma parceria entre a Labogen, um laboratório farmacêutico, e o Ministério da Saúde.
Alberto Youssef encontra-se preso de novo; André Vargas disse que tentou devolver-lhe os gastos de combustível; a oferta foi recusada. "O que aconteceu comigo poderia ter acontecido a qualquer homem público", diz o deputado, e provavelmente tem razão.
Por essas e outras, Henrique Alves --voltamos a ele-- pretende retomar a contratação de empresa de publicidade, o que não era feito desde o escândalo do mensalão, para reconstruir a reputação da Câmara do Deputados.
A operação da PF que registrou as conversas entre Vargas e Youssef se chama Lava a Jato. Suja-se com mais rapidez ainda a imagem da Câmara. Talvez, mais que uma empresa de propaganda, seja o caso de chamar a visita do tintureiro.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Falta vergonha na cara dos nossos políticos. E patriotismo”
Anderson Silva, lutador de MMA, que, ao se aposentar, vai ser policial nos EUA
PSDB ENTRA COM AÇÃO PARA CASSAR ANDRÉ VARGAS
O PSDB decidiu entrar com representação no Conselho de Ética da Câmara pedindo cassação do mandato do deputado André Vargas (PT-PR) por quebra de decoro parlamentar. Ele já deu três versões para explicar suas relações com um criminoso, o doleiro Alberto Youssef, que pagou sua viagem de Londrina a João Pessoa num jatinho Learjet 45. Youssef foi preso na Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
CAPATAZ
Relatório da PF traz interceptações que apontam André Vargas como espécie de lobista a serviço do doleiro com influência no governo.
ÍNTIMOS
Em quase cinquenta mensagens, Vargas recebeu orientações, passou informações sobre o governo e agendou reuniões com Youssef.
ESQUEMA
Vargas e Youssef trataram também do laboratório Labogem Química, fechando contrato de R$ 150 milhões com o Ministério da Saúde.
BOMBA-RELÓGIO
Apesar da boa relação na Câmara, André Vargas já era tido no Paraná como “bomba-relógio”, exibindo sinais exteriores como uso de jatinhos.
VALMIR SE APOSENTA NO TCU PARA SER VICE NO BB
O ministro Valmir Campelo protocolou ontem pedido de aposentadoria antecipada no Tribunal de Contas da União. Ele aceitou convite da presidente Dilma Rousseff para assumir a vice-presidência de Governo do Banco do Brasil, em substituição ao presidente do PTB, Benito Gama. Ele poderia ter permanecido no TCU até 23 de outubro, quando completa 70 anos de idade, mas decidiu ontem que era hora de parar.
PRESENTE
A saída de Valmir abre espaço para Dilma nomear no TCU o líder do PTB no Senado Gim Argello (DF), que aniversaria neste sábado (5).
BEZERRÃO
O ex-governador e ex-senador Valmir Campelo Bezerra é admirado no DF. O estádio do Gama foi batizado de ‘Bezerrão’ em sua homenagem.
SHOWMÍCIO
O deputado Izalci (PSDB-DF) deve estar com o caixa sobrando. Vai comemorar com megafesta, com direito a show da dupla sertaneja.
CHINA DO CARIBE
Com a luxuosa ajuda do Brasil no Porto de Mariel, Cuba prepara o “pulo do gato” para salvar o regime: só empresas estrangeiras poderão abrir negócios na ilha, com garantia de empregar trabalho escravo cubano.
TAMOS JUNTOS
Temendo que Renan Calheiros (PMDB-AL) se sente sobre a criação da CPI Mista da Petrobras, um grupo de deputados diz haver obtido garantia de apoio do presidente da Câmara, Henrique Alves (RN).
EDUARDO VAI CRESCER
Os tucanos desconfiam que Eduardo Campos tem a simpatia da Folha. É a segunda vez que o “campo” de pesquisa do Datafolha, quarta e quinta, coincide com a propaganda do presidenciável do PSB na TV.
TANTAS EMOÇÕES
O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) diz que hoje é dia de emoções para Eduardo Campos, que deixa o governo após sete anos para se lançar ao desafio de tentar se eleger presidente do Brasil.
NÃO É UM PÁSSARO, É UM AVIÃO
É grande a suspeita em Brasília de que o doleiro “amigo” do vice-presidente da Câmara, André Vargas, tenha uma agência de viagens de fretamentos camaradas, e até jatinho top de linha.
SÓ NA POLÍTICA
Favorito na disputa ao governo da Paraíba, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB) costura possível apoio de seu adversário histórico Wilson Santiago (PTB), que pode sair candidato ao Senado na mesma chapa.
SÓ VALE DE CABRESTO
Metroviários de Brasília reclamam que o sindicato da classe, controlado pelo PSOL, não abre mão da contribuição descontada dos salários, mas impede não associados de votar na definição de greve.
AGORA VAI
Um batalhão de elite da Bolívia combate o tráfico de drogas em duas cidades na fronteira do Brasil. Os 60 policiais foram treinados pela Colômbia para dar conta de aviões, carros e “mulas” com drogas.
PENSANDO BEM...
...agora, só falta o deputado André Vargas dizer que voltou de ônibus da Paraíba para o Paraná, a fim de poupar nossos suados impostos.
PODER SEM PUDOR
APENAS UMA AMEAÇA
O governador Virgílio Távora chamou o repórter Newton Pedrosa ao palácio, em Fortaleza, para comentar notícia que publicara sobre seu governo. Iniciou a conversa lamentando a indiferença dos cearenses em relação ao seu trabalho em favor do Estado ao longo do tempo. O repórter só ouvindo em silêncio, e talvez porque não falasse, o governador desabafou:
- Doutorzinho, nestes dias deixo esta merda, boto o meu boné e vou embora pra casa porque o Ceará não me merece.
Não foi.
SEXTA NOS JORNAIS
- Estadão: Governo impõe sua própria CPI e tenta blindar Petrobras
- Folha: Consumidor pagará custos extras da luz em 2015 e 2016
- Globo: Doleiro e ex-diretor teriam contas conjuntas
- Correio: #vaitrabalhardeputado – Congresso gasta mais e produz cada vez menos
- Estado de Minas: 10 meses depois dos protestos – Ônibus fica 7,5% mais caro
- Jornal do Commercio: Eduardo entre atos
- Zero Hora: De cadeia no Paraguai, traficante comandava quadrilha no Estado
- Brasil Econômico: Aprovação à política do BC ainda supera as críticast
quinta-feira, abril 03, 2014
Destruindo o Estado brasileiro - EVERARDO MACIEL
O ESTADÃO - 03/04
Constitui singular paradoxo a crescente destruição do Estado brasileiro nos governos de partidos de tendências, ao menos no discurso, estatizantes.
A mídia oferece, dia após dia, abundantes exemplos de má gestão, incúria contumaz, desqualificação técnica nas decisões. É notório o fracasso das políticas públicas de segurança pública, educação, saúde, mobilidade urbana etc.
A razia realizada na Petrobras e Eletrobras produziu uma catástrofe, com expressiva perda de valor de mercado, endividamento elevado e recorrentes prejuízos. O dano é de tal magnitude que se anunciado, em passado recente, seria tido como alucinação.
No Banco do Brasil e na Caixa Econômica há uma contínua e crescente perda de qualidade nos serviços prestados, sem falar na temerária política de crédito do BNDES.
Esse estranho desapreço pelo Estado explica, também, as práticas de fisiologismo e de aparelhamento, sua variedade radical. Os ministérios passam a ser um múltiplo do número de partidos que integram a denominada "base aliada", aos quais se somam as "tendências" e as bancadas, em cada uma das casas congressuais, dos partidos.
As "indicações", contudo, não se limitam aos ministérios. Alcançam, além disso, as diretorias das autarquias, fundações, agências reguladoras e estatais, o que gera um caldo de cultura próprio para o florescimento de todas as modalidades de corrupção.
Para os conselhos de administração das estatais são designadas autoridades de elevado coturno como forma apenas de elevar seus vencimentos, fraudando descaradamente o conceito de teto de remuneração dos servidores públicos.
Esse processo é de tal sorte exuberante que, em Brasília, a demanda dos órgãos públicos ultrapassou os limites fixados no plano urbanístico para projetar-se sobre os espaços antes destinados à atividade privada, assumindo proporções mastodônticas.
Receio que nenhuma pessoa bem informada, salvo os responsáveis pelas atividades de protocolo, conheça, simultaneamente, os nomes dos ministérios e de seus respectivos titulares.
Para justificar esse estado de coisas se recorre à cínica tese da governabilidade, deduzida do chamado presidencialismo de coalização, que frequentemente se converte em colisão por motivos poucos virtuosos.
Como reação primitiva à promiscuidade na provisão das funções públicas de confiança, exsurge o corporativismo, que tanto quanto o fisiologismo e o aparelhamento é uma forma nociva de indevida apropriação do Estado.
A aversão à meritocracia se estende ao Judiciário. É particularmente ultrajante a trajetória de humilhações a que se submetem magistrados, membros do Ministério Público e advogados que almejam assento nos tribunais. São obrigados a recrutar, quase sempre sem o mínimo pendor para a tarefa, apoio de políticos e dos membros dos tribunais para exercer aquilo que deveria decorrer tão somente de sua qualificação jurídica e moral. No limite, esse perverso ritual tende a comprometer a imparcialidade dos julgamentos.
Nesse quadro patológico, tem destaque o desprestígio do princípio constitucional da eficiência. Não há avaliações, minimamente consistentes, dos servidores ou dos serviços públicos. Não se buscam soluções para os problemas com base em critérios de eficiência, que sequer existem. A cada deficiência se responde, toscamente, com expansão do efetivo de pessoal, sem nenhuma preocupação com suas repercussões sobre o equilíbrio fiscal.
Ainda no âmbito da eficiência, é lamentável a banalização das greves no serviço público. Tornou-se comum o que deveria ser um recurso extremo, revelando a supremacia do interesse corporativo sobre o coletivo, tendo o povo como vítima indefesa. Sem lei, por negligência dos Poderes Executivo e Legislativo, as greves hoje são limitadas, precariamente, por uma decisão do STF.
Esse Estado inchado e ineficiente, que flerta com o abismo, decorre, principalmente, da voracidade intervencionista combinada com uma visão centrada na perpetuação do poder.
Sua reconstrução é tarefa para estadistas.
Nada de mais - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 03/04
Pasadena acabou saindo por US$ 1,3 bilhão, e parece que só a presidente Dilma, no governo, diz que foi um mau negócio
Churchill, quando primeiro-ministro na época da guerra, dizia que era mais fácil comprar um submarino do que um pacote de chá para o lanche do gabinete. Claro, ninguém sabe quanto custa um navio, muito menos um de guerra. Se o almirante diz... Mas se lhe apresentam um orçamento de 300 reais por uma caixa de café, você desconfia: é de ouro essa embalagem?
Bom, quanto custa uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos Estados Unidos? Assim, na lata, ninguém sabe, nem mesmo a presidente Dilma, uma especialista em energia. Logo, quando decidiram pela compra, em 2006, os conselheiros da Petrobras só poderiam se fiar no relatório dos técnicos e consultores.
Mas, convenhamos, dá para desconfiar na base do puro bom senso. Esqueça a refinaria. Pense assim: se alguém lhe oferece por 300 milhões metade de uma coisa que acabou de comprar por 40, você tem que achar estranho, muito estranho. E, logo, exigir muito mais argumentos — documentos da própria companhia e mais estudos de terceiros.
A presidente Dilma pode dizer que concordou com a compra da Pasadena, quando presidia o conselho da Petrobras, com base em estudos apresentados pela diretoria. E também pode reclamar porque, diz ela, não lhe mostraram todas as cláusulas do negócio.
Mas parece que ela e outros conselheiros caíram na história de Churchill. Trezentos e tantos milhões de dólares por meia refinaria, mas prontinha, nos EUA? É parece bom, vamos lá.
Os diretores executivos da Petrobras contestam a presidente Dilma e dizem que todos os documentos estavam à disposição do Conselho de Administração — ou seja, só não viu quem não quis.
Faz sentido, a menos que se prove que os então diretores deliberadamente esconderam dados. Mas aí, uma vez descoberto isso, era o caso de se fazer um escândalo, demitir todo mundo. O que não aconteceu.
Mas a Pasadena acabou saindo por US$ 1,3 bilhão — e parece que só a presidente Dilma, no governo, diz que foi um mau negócio. Quase todos os demais membros da administração e do PT não estranharam nada, continuam dizendo que foi um bom acerto e que estava tudo bem explicadinho na hora da compra.
Não tem nada demais, só ficou mais cara, acontece.
Dizem que a presidente é autoritária. Mandona, contam alguns assessores. Mas neste caso, está todo mundo contradizendo o que ela diz. E fica por isso mesmo.
Parece que esse pessoal não é de estranhar. Por exemplo; quando a diretoria da Petrobras, a mando de Lula, anunciou a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, acharam normal o custo previsto de US$ 2 bilhões, e em associação com a PDVSA de Chávez, que já estava mal das pernas.
Reparem: a Abreu e Lima foi anunciada em 2005. A meia-Pasadena foi comprada em 2006, devendo estar sendo negociada antes disso. De todo modo, pelo menos em 2006, era possível estranhar: como uma refinaria pode custar mais de US$ 2 bilhões no Brasil , se tinha uma nos EUA por 40 milhões, no negócio original?
Ok, são refinarias diferentes, uma velha, outra nova, mas, gente, convenhamos: um dos dois preços tem de estar errado. E a Pasadena foi comprada e vendida no mercado livre.
Depois, na construção, a Abreu e Lima foi atrasando e ficando mais cara. Já está em US$ 18 bilhões. Nove vezes! O máximo de estranhamento, dentro do governo, foi o comentário da presidente atual da Petrobras, Graça Foster: foi um erro a não ser repetido.
E toca a obra. Acontece, não tem nada de mais.
Também parece normal o que acontece com as outras três refinarias: a Comperj, em construção no Rio e também atrasada e muito mais cara do que o projetado; a do Maranhão, que já teve obras de terraplenagem por mais de R$ 1 bilhão e ainda não tem projeto final detalhado; e a do Ceará, no papel e com uma planta inicial considerada inviável pela atual diretoria da Petrobras.
Qual o problema? São obras difíceis, não é como construir, digamos, uma transposição do Rio São Francisco? Nada de mais, pessoal.
Vá de jatinho
Você quer passar férias de verão em João Pessoa. Bobeou, não comprou as passagens e, quando vai ver, estão muito caras. Então, você pensa: vou alugar um jatinho.
Passa um e-mail para um amigo que é do ramo e ele arranja um avião na hora.
Se o solicitante é um deputado federal do PT, André Vargas, vice-presidente da Câmara, e se o amigo é um doleiro que, agora, está preso, qual o problema?
Uma agência de turismo diz que pagou R$ 100 mil pelo aluguel do jatinho. O deputado diz que pagou a gasolina.
Ficou baratinho, não é mesmo?
Dilma, a Bolsa e boatos sobre rumores - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/04
Maluquice no mercado vira do avesso com boatos sobre rumores da queda de Dilma em pesquisas
HÁ DOIS MESES, os donos do dinheiro grosso faziam arruaça na praça financeira mundial, no Brasil em particular. As ações da Petrobras passavam pelo picador de papel. Em meados de março, a Bovespa sangrava vermelho escuro, em baixa de 13% no ano. Ontem, a Bolsa voltou ao azul.
A maluquice tem mão dupla.
Com exceção de uma baixa, aliás temporária, nas taxas de juros de longo prazo nos Estados Unidos, não aconteceu nada de muito relevante ou inesperado na finança e na economia mundiais.
Na finança e na economia brasileiras tampouco ocorreu mudança de nota. O fato de o Banco Central indicar que a campanha de aumento da taxa de juros será esticada, como o fez outra vez ontem, não tem nada a ver com a maluquice festeira da Bolsa, pelo contrário.
O cenário básico, deteriorado, ainda é o mesmo. As taxas de juros longas por aqui ainda dobram as do início do ano passado, ou quase por aí. A economia vai crescer tanto quanto no ano passado ou menos. As perspectivas para inflação e juros de curto prazo (Selic) pioraram, garantia extra de que 2015 será outro ano de lerdeza econômica. De resto, a Petrobras parece uma empresa ainda mais avariada do que faz um bimestre.
Por enquanto, a explicação sobre os movimentos do mercado por aqui são, por exemplo, banalidades costumeiras, nem por isso equivocadas, como dizer que o preço dos ativos brasileiros, ações em particular, estava em nível de liquidação.
No mais, continua aquele rumor sobre boatos (sic) políticos estarem influenciando a Bolsa, aqueles que temos ouvido desde 20 de março: estaria crescendo a probabilidade de Dilma Rousseff perder a eleição ou até mesmo a candidatura (para Lula).
A especulação de ontem baseava-se outra vez na expectativa de que a candidata Dilma Rousseff e seu governo vão aparecer mal na foto da pesquisa Datafolha que será publicada no sábado, pesquisa que, no entanto, ainda está em andamento. O que dava impulso ao boato "no mercado" era a explicação antecipada que o próprio governo vinha vazando a respeito de um possível resultado ruim no Datafolha.
Isto é, segundo o boato governista, as pesquisas que vinham dando vantagem grande a Dilma Rousseff estariam defasadas, não tendo captado a "campanha" recente contra o governo (inflação mais alta, rolos na Petrobras, CPI etc.). O próprio governo já teria captado, em suas pesquisas, o desgaste presidencial. Logo, o possível tombo de Dilma no Datafolha evidenciaria esse período de "dificuldades temporárias" para o governo.
A possibilidade incrementada de derrota de Dilma implicaria a vitória de um candidato "pró-mercado", segue o argumento baseado no rumor. No mínimo, o tombo nas pesquisas e a enxurrada de más notícias para seu governo poderiam colocar a presidente contra a parede, obrigando-a a implementar desde agora mudanças em sua política econômica.
Sim, tudo parece especulação desvairada, mas a culpa não é do colunista. Pode bem ser que alguns outros motivos estejam influenciando o preço das ações (e estão), mas povos dos mercados e seus porta-vozes têm enfatizado essa versão dos fatos e fatores da reviravolta na Bolsa.
O saldo sumiu - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/04
Em pouco mais de dois anos, sumiram US$ 30 bilhões do saldo comercial brasileiro. A queda foi expressiva e rápida: de novembro de 2011 a março de 2014, redução de US$ 31,4 bilhões para US$ 1,6 bi, no acumulado em 12 meses. A corrente de comércio está estagnada há três anos. O preço do minério de ferro cai 16% este ano, e o déficit do setor industrial alcança US$ 106 bilhões.
Durante toda a década passada, o comércio exterior viveu um período de boas notícias. O Brasil precisava se esforçar pouco, porque os preços das commodities estavam subindo no mercado internacional e engordavam as nossas exportações. Com a mesma quantidade de produtos agrícolas e minerais exportados, como soja e minério de ferro, entravam mais dólares no país, apenas por uma questão de preço.
Agora, o quadro virou. De acordo com o Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, a cotação do minério de ferro recuou 16% este ano. O banco estima que a média em 2014 seja de US$ 110 por tonelada, contra US$ 135 do ano passado. Cada 10% de recuo no preço significa uma perda de US$ 3 bilhões no saldo. O minério de ferro chegou a ser cotado a US$ 187, em 2011. Este ano, no primeiro trimestre, a exportação do produto subiu apenas 1%.
O preço da soja está com alta de 9,4% este ano e o Brasil tem produzido mais. Por isso, a receita com exportação aumentou 84% no primeiro trimestre. Mas, olhando para um período mais longo, o preço está distante do seu pico histórico, atingido em 2012, de US$ 622 a tonelada. Este ano, está sendo negociado na faixa de US$ 496. Ou seja, o melhor momento ficou para traz nos nossos dois principais produtos.
Por outro lado, caíram 24% as vendas de automóveis; 20%, as de autopeças; e 13,5%, as exportações de aviões. Tudo somado, houve retração de 2,5% nas exportações no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2013, mesmo com a recuperação dos EUA e a superação do pior momento da crise na Europa. Nossos problemas agora estão na crise cambial da Argentina e na desaceleração da China.
O rombo de US$ 106 bi do setor de manufaturados não para de crescer. Em 2008, por exemplo, foi de US$ 39 bilhões. Isso mostra que o real mais fraco não resolveu as questões da indústria. O Brasil continua sendo um país com baixa competitividade, em grande parte pelo custo da infraestrutura precária, que encarece o preço dos fretes e atrasa o embarque de produtos. Para se ter uma ideia, houve redução de 10% na exportação de manufaturados no primeiro trimestre.
Por outro lado, as importações dispararam, principalmente por causa da compra de combustíveis. O país tem importado petróleo, gasolina, gás natural, óleo diesel. Produtos que a Petrobras não tem sido capaz de produzir no volume necessário para suprir o mercado interno.
A redução do saldo da balança eleva nosso déficit em conta corrente. A estagnação da corrente de comércio não ajuda no crescimento do PIB.
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