terça-feira, 15 de abril de 2014

LEITURA DIGESTIVA



FOLHA DE SP - 15/04

BRASÍLIA - Estava demorando, mas um dia ficaria clara uma das heranças malditas de Dilma: Lula tratava estatais e órgãos federais como se fossem dele, do PT e dos aliados.

Os exemplos se multiplicam, mas surge um novo fator: os funcionários de carreira das estatais e dos órgãos, desses que vestem a camisa das suas instituições, parecem cansados da ingerência política tão escrachada.

Dilma se dirigiu a eles em discurso ontem sobre Petrobras --não por acaso em Pernambuco, para disputar holofotes com Eduardo Campos, que anunciava Marina Silva como sua vice em Brasília.

No discurso, detalhado milimetricamente pelo marketing, Dilma prometeu ao eleitorado em geral defender a Petrobras com "todas as forças" contra "mal feitos, ações criminosas, corrupção...". E mirou a simpatia dos funcionários da principal empresa do país ao condenar "a campanha negativa" dos que, "para tirar proveito político, ferem a nossa Petrobras".

Engenheiros, técnicos, advogados, secretárias e servidores de apoio da Petrobras, porém, sabem que não há uma "campanha negativa", mas fatos: controle político de preços, perda de metade do valor de mercado, dívidas astronômicas, negócios nebulosos dentro e fora do país, simbiose entre diretores e gente de péssima reputação. Eles, os funcionários, sofrem mais do que ninguém os efeitos do aparelhamento.

Isso vale para BB, Ipea, IBGE... Lula ia além e ameaçou até transformar a Vale "numa Petrobras". E a Vale nem mais estatal é. Já imaginou? Há um "modus operandi", que, aí sim, "fere" as nossas estatais e órgãos públicos para tirar proveito político.

Bom exemplo é a mão pesada no IBGE, a la Cristina Kirchner, suspendendo a Pnad Contínua (sobre emprego) até janeiro, leia-se, depois da eleição. A diretora Marcia Quintslr pediu demissão. Quantos, como ela, estão em pé de guerra no instituto?

Rubens Ricupero dizia que "o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". Pagou caro por isso.

O Estado de S.Paulo - 15/04

"Em poucos dias, farei 514 anos, eu, a mãe-pátria amada de mil faces. A pátria que vos pariu. Estou em toda a parte e em lugar nenhum. Sempre quiseram dar-me uma identidade, mas eu não tenho um rosto só. Na verdade, sou uma região dentro de vossas cabeças.

No início, eu era a bandeira catequista para encobrir a missão predatória que faziam no País real. Eu era usada para abençoar índios de camisola e navios negreiros.

Depois, eu fui a mãe escravista e mercantil do império, defendendo o atraso para o bem dos donos do poder. Na República, virei a auriverde mãe positivista, entre flores e raios apontando para um eterno futuro.

Nos anos 30 e 40, virei uma mistura de madona 'art déco' com alegoria populista. Falavam de mim nos hinos, nas capas de cadernos escolares, nas fachadas de hospitais, eu era a virgem mãe nacionalista defendida contra inimigos estrangeiros, mas, na verdade, eu servia para proteger meu pior inimigo: o patrimonialismo enquistado nas dobras do Estado.

O pós-guerra mudou o mundo, mas eu continuei a ser uma grande aquarela brasileira em que cabiam todas as ilusões. Eu era abençoada por Deus e tinha a nitidez dos quadros acadêmicos, eu justificava os crimes dos poderosos com meu firmamento estrelado, minas de ouro, leitos de petróleo, sempre com a promessa de 'futuro'.

Com Brasília, acharam-me 'fora de moda' com minha alma agropastoril. Eu não seria mais Cy, a mãe-do-mato, cercada de curupiras, boitatás, sacis. Virei um canteiro de obras, esqueletos de edifícios - eu era a arquiteta da utopia. Deixei de ser índia. Cobriram minha nudez de Iracema com meias de nylon, grandes luvas negras, 'escarpins' dos anos 60. Nasci para o mundo com a 'missão' juscelinista que acabaria com a miséria pelo parto da modernidade. Mais uma vez, eu era o emblema de uma nova ilusão dos brasileiros. Transformaram-me em aeroporto para o amanhã mágico, um viaduto imaginário por cima da desgraça do povo.

Mas, o subdesenvolvimento persistia, mesmo sob a asa branca da capital utópica, e eu fui transformada numa nova alegoria.

Em 1963, era preciso que eu fosse a mãe das reformas de base e que levasse nas mãos a espiga de milho, a foice dos camponeses e a roda dentada da indústria. Eu iria parir um tipo novo de socialismo sem sangue, um 'socialismo tropical' que viria por decreto do presidente Jango. Eu seria uma mãe-coragem sem guerra que realizaria todos os desejos. E entre as tochas dos comícios delirantes, levadas por jovens que se achavam o 'sal da terra', eu aboliria a luta de classes e seria a mãe da 'revolução cordial'.

Mas meus filhos revolucionários não contavam com a infinita mesquinhez dos poderosos, escondida sob a aparência de cordialidade, pois os donos do poder não queriam me ver sujando as mãos nas favelas e no campo.

Assim, na ditadura militar, eu fui tirada do pedestal popular e uma nova mãe-pátria foi criada, no altar positivista dos tenentistas tardios. Abriram-me novos céus estrelados, fizeram-me de novo a índia de camisola verde-oliva, a triste mãe dos quartéis, a feroz guerreira parnasiana dos discursos militares. Durante esses anos, meus filhos tiveram medo de mim, mãe castradora, seca, cruel.

E então eu virei a deusa trágica dos heroicos guerrilheiros urbanos, a mãe-trapezista dos abismos, a estrela dos suicidas. Os torturadores giravam máquinas elétricas e, entre gritos, pensavam estar me defendendo, a mim, uma vaga mistura de seios ensanguentados e rostos de meninos-cadáveres. Eu fui a mãe dos assassinos. Enquanto isso, eu tinha saudades dos meus filhos do Brasil real, feito de madeira podre, caixote, barbante, lama e favela. Eu estava com eles, mas ninguém me via.

No fim da ditadura, eu renasci como a mãe democrática, o futuro de uma vida nova que viria. Mas chegou a liberdade e eu não cheguei. A liberdade veio torta, marcada pela morte de Tancredo. Os planos econômicos fracassavam e não chegava a felicidade que eu traria. E meus filhos começaram a me maldizer, ao ver que a democracia era de boca, que as instituições eram dominadas pela oligarquia e que o País era pilhado até por 'ex-vítimas da ditadura'. Fui a mãe do desencanto. Fui a mãe odiada.

Hoje, sou a mãe dos desorientados. Sou a mãe de velhos militantes regressistas, comandando massas imaginárias, sou a mãe-suja dos corruptos, sou a mãe terrível que abandonou os filhos no corredor do hospital sem leitos, sou a mãe aborteira, sou a mãe criminosa dos massacres, sou a mãe dos mortos nas prisões, sou a mãe das secas, a mãe da poluição, sou a mãe da fome, a mãe paralítica dos burocratas, sou a mãe dos pixotes assassinados, a mãe das putinhas dos garimpos, a mãe dos esgotos, mãe do medo. Nunca sentira isso antes. Sinto-me uma mãe fragmentada, desmantelada por um velho desejo de desfigurar as instituições em que me apoio. Os homens que mandam no País não me querem, dizendo que me amam ou que amam o povo que não amam.

Nunca, em minha vida de 500 anos, vi este desejo cego de me ignorar (me louvando), num misto de estupidez com hipocrisia. Mas, vejo que meu corpo é maior, que eu sou muito complexa para ser destruída, que as partes fundamentais da verdade vão prevalecer e me manter viva. E em meio aos escândalos, aos roubos, à destruição (agora sim) do patrimônio nacional, vai aparecer meu novo rosto. Meu manto de estrelas será tecido de trapos e deixarei de ser uma deusa longínqua, uma ilusão, e aos poucos os brasileiros aprenderão a me chamar de 'realidade'.

Mas, eu me prefiro assim, pois ressurgirei da morte das mentiras, hinos e discursos corruptos que enganaram meus filhos. E quando os sonhos falsos forem esquecidos, sob um céu de anil, entre rios e florestas, poderei fazer alguma coisa por vocês, filhos queridos."

O GLOBO - 15/04
A definição de que a chapa PSB e Rede é uma resposta ao autoritarismo do governo petista, que tentou inviabilizá-la de todas as maneiras, é uma postura de combate do ex-governador Eduardo Campos e mostra bem a linha de atuação que ele e a ex-senadora Marina Silva terão durante a campanha eleitoral.
Com o lançamento da chapa Campos-Marina, fica definido um dos principais postulantes pela oposição à sucessão da presidente Dilma, acabando a especulação de que Marina não aceitaria um posto inferior na chapa, ela que estaria em 2º lugar na corrida presidencial se fosse candidata isolada.

Marina aceitou ser vice de Campos, mas não se considera em plano inferior politicamente, tanto que disse que caminhará lado a lado com ele. Essa visão, antes de ser um complicador para a composição da chapa, é uma solução para que os eleitores marinistas não se sintam desprestigiados e possam trabalhar para a transferência de votos de Marina para a chapa que o ex-governador de Pernambuco encabeça.

Campos, em entrevista prévia ao lançamento da chapa pura - Marina filiou-se ao PSB depois de ter sido negado o registro da Rede e repetiu ontem as críticas ao governo por tentar inviabilizá-la -, teve uma boa saída para explicar sua dissidência, depois de ter participado dos dois governos Lula e dos primeiros anos do de Dilma: Esse governo decepcionou não só a mim, mas a muitos dos outros milhões que nele votaram .

A outra postura que marcará a campanha da dupla foi definida pelo economista Eduardo Gianetti: essa chapa é a terceira via, uma alternativa para os eleitores que já estariam cansados da polarização entre PT e PSDB que vem marcando as disputas para a Presidência desde 1994. Seguindo a linha de seus líderes, Gianetti disse que os avanços construídos tanto por FHC quanto Lula não foram seguidos por Dilma, frustrando assim o eleitorado.

Caberia agora a Campos e Marina dar prosseguimento a esses legados, com uma visão nova que incorporaria o melhor dos dois partidos. Essa postura, se levada ao pé da letra, pode isolar a chapa Campos e Marina, que ficaria sem apoios políticos para o segundo turno. Como pedir o apoio dos tucanos se eles forem alvos de ataques no primeiro turno?

Na carta de princípios esboçada está o compromisso de não fazer ataques pessoais aos adversários, o que poderá levar a que tanto Campos quanto Marina façam suas críticas no campo programático, o que seria uma novidade em eleições presidenciais recentes.

Foi esse estilo, porém, que levou Marina a ter grande votação em 2010, sem atacar mesmo a então candidata Dilma, com quem se desentendeu no governo Lula. O próprio Lula comentou recentemente que compreendia a dissidência de Marina, pois acompanhou suas desavenças com Dilma.

Colocada como de oposição, a candidatura de Campos caminha para tentar receber a maioria possível de votos dos eleitores de Marina e terá na vice uma candidata atuante, que poderá ocupar palanques alternativos durante a campanha.

Há na política a definição de que vice não dá voto a ninguém, mas pode tirar. Marina está desafiada pelas circunstâncias eleitorais a provar o contrário quanto à transferência de votos. Mas terá de ter cuidados para não tirar votos de Campos em setores delicados na relação dos dois, que, segundo ela, ainda está sendo construída.

O agronegócio é um desses temas delicados que podem provocar desavenças na campanha, assim como a relação com os evangélicos. Marina citou ontem o fato de ser uma mulher de fé , mas garantiu que não faz do púlpito palanque. Tem a seu favor a campanha de 2010, em que não usou a religião para se promover, mas mesmo assim recebeu uma votação maciça dos evangélicos.

O problema para ela nesta eleição é que o pastor Everaldo (PSC) está em campanha assumidamente como candidato evangélico, e, quando um irmão é candidato, a maioria dos votos vai para ele, como demonstram as pesquisas do professor Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, que lançou o e-book Religião e Território no Brasil: 1991/2010 , da Editora PUC.

Ao analisar as transformações no perfil religioso da população, com o crescimento do número de evangélicos no país, esse trabalho é útil para o entendimento do cenário eleitoral. Marina não fez campanha como evangélica, mas as igrejas evangélicas fizeram campanha para ela, o que significou boa parte de seus votos, que agora serão disputados pelo pastor Everaldo.

O Estado de S.Paulo - 15/04

Se é verdade que a presidente Dilma Rousseff procurou antecipar-se a uma eventual acusação de gestão temerária ao declarar no mês passado que apoiara a compra da Refinaria de Pasadena quando dirigia o Conselho de Administração da Petrobrás, em 2006, com base apenas em um resumo executivo que se revelaria "técnica e juridicamente falho" - e que se conhecesse as cláusulas do contrato que o texto omitia "seguramente" objetaria à transação -, o estratagema parece não ter funcionado.

Um relatório da Procuradoria de Contas, a representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), recomendou ao órgão que os responsáveis pela aquisição da refinaria respondam por eventuais prejuízos que o negócio tenha causado à empresa. Ao longo de seis anos, ela desembolsou cerca de US$ 1,2 bilhão pela instalação cujo valor atual de mercado não alcança US$ 200 mil.

O parecer ao qual o Estado teve acesso e do qual publicou os trechos mais importantes na edição de domingo é incisivo.

Pede ao tribunal que a cúpula da Petrobrás - "incluindo os membros do Conselho de Administração" - responda por "danos aos cofres públicos, ato antieconômico e gestão temerária" caso se confirmem os indícios de irregularidades que o documento aponta.

Desde logo, a Procuradoria sustenta que as falhas dos gestores da estatal, no caso, foram "acima do razoável". Elas incluem o veto de Dilma, em 2008, à compra da metade da refinaria que ainda era de propriedade da companhia belga Astra Oil, à qual a Petrobrás se associara.

Essa aquisição estava prevista no contrato cuja íntegra nem Dilma nem, aparentemente, os outros membros do Conselho leram antes de aprovar a parceria com a Astra, dois anos antes. O acordo, na cláusula chamada "Put Option", estipulava que, em caso de desentendimento entre os sócios, um teria de vender a sua parte ao outro. A recusa de Dilma a acatar o "direito líquido e certo" da associada, argumenta o Ministério Público, arrastou a Petrobrás a um litígio que começou com uma arbitragem e terminou em 2009 com a Justiça americana dando ganho de causa aos belgas.

Com isso, a estatal não só teve que fazer o que Dilma não queria, mas foi também obrigada a arcar com multas, juros, honorários e despesas processuais que encareceram a compra da segunda metade da refinaria em US$ 173 milhões. "Caso se constate que não havia razões suficientes para o descumprimento da decisão arbitral", recomenda a Procuradoria, "deve-se apurar a responsabilidade dos gestores e membros do Conselho de Administração". Eles teriam errado, portanto, duas vezes. A primeira, ao aceitar um contrato em que "tudo era possível" para a Astra. A segunda, ao tentar reverter o irreversível.

Como não se sabe como exatamente transcorreu a fatídica reunião do Conselho de 2006 - a Procuradoria, por sinal, pede que a respectiva ata seja verificada, assim como as das decisões subsequentes -, não se pode afirmar se a presidente do colegiado foi quem teve a iniciativa de aprovar o negócio ou se apenas se limitou a acompanhar os votos favoráveis dos demais conselheiros. Seja como for, dada a função que exercia - e a sua condição correlata de ministra da Casa Civil da Presidência da República -, a sua responsabilidade era maior.

Nessa ordem de ideias, é de perguntar por que Dilma não adiou a decisão do Conselho até o recebimento das informações adicionais necessárias à avaliação circunstanciada da operação. Isso partindo da premissa de que tudo o que conhecia objetivamente do contrato era o que constava do resumo executivo de um par de páginas que ela viria a considerar "técnica e juridicamente falho".

A ressalva se impõe porque a primeira reação do ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli à alegação de Dilma foi dizer que a documentação completa esteve à disposição dos conselheiros.

Tivesse zelado pelos interesses da maior empresa brasileira, no mínimo faria jus à fama de gestora minuciosa que a acompanhava desde o Ministério de Minas e Energia. Mais do que isso, teria agido de acordo com a legislação que impõe ao administrador público o dever estrito do cuidado e da diligência.

O GLOBO - 15/04

O caso da atuação do ex-diretor Paulo Roberto Costa na Petrobras é oportunidade especial para se conhecer as ligações espúrias entre a corrupção e grupos políticos


Numa dessas trapaças do destino, a rede da Operação Lava-Jato, investigação da Polícia Federal sobre lavagem de dinheiro, capturou o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, mancomunado com o doleiro Alberto Yousseff, tudo em meio à grande repercussão do reconhecimento formal pela presidente Dilma de que, na condição de responsável pelo conselho de administração da estatal, em 2006, fora mal assessorada ao aprovar a compra de uma refinaria no Texas, por um preço na estratosfera. Negócio do qual Paulo Roberto Costa participara.

A trapaça ficaria ainda maior quando o destemido deputado petista André Vargas (PR), vice-presidente da Câmara, surgiu nas investigações da PF com ligações muito próximas ao conterrâneo Yousseff, também com impressões digitais no escândalo do mensalão. Este script tragicômico, quase tema para um samba-enredo no estilo do Crioulo Doido, de Sérgio Porto, expõe, na verdade, os malefícios do aparelhamento do Estado por interesses privados, uma faceta histórica do patrimonialismo brasileiro, mas radicalizado pelo lulopetismo na execução do seu projeto de hegemonia política. Informações que a imprensa tem publicado, levantadas nesta fase de apuração de delitos pela PF, mostram indícios fortes da montagem de um esquema ardiloso, e extenso, de dragagem de dinheiro público (da Petrobras) junto a empreiteiras e outros prestadores de serviços à empresa, gerado pelo superfaturamento de contratos. Coincidência ou não, o estouro exponencial de gastos tem sido a norma na Petrobras, ou pelo menos foi na fase em que o sindicalismo petista e o fisiologismo do Planalto mais atuaram na empresa.

O caso de Paulo Roberto Costa parece emblemático: funcionário de carreira, obteve apoio do PP e PMDB (sem o PT também não iria longe) na ascensão como diretor. É impossível, pela lógica, não se estabelecer relação entre este suporte e a atuação deletéria do diretor. A PF precisará provar esta ligação. Talvez não consiga, e Paulo Roberto chegue aos tribunais apenas como mais um finório interessado em fazer a “independência financeira", termo usado em correspondência eletrônica entre o doleiro e o petista André Vargas. Mas ficará registrada a descoberta de uma usina de processamento de dinheiro ilícito por meio de “consultorias”, empresas laranjas e o trânsito de numerário pelo mercado negro de divisas.

A oportunidade para se fazer uma autópsia do aparelhamento do Estado é especial. Mas como tudo está contaminado pela campanha eleitoral, talvez não seja possível acionar o melhor instrumento para isto, a CPI exclusiva. Restará, então, confiar na ação dos instrumentos de Estado (MP, PF, Justiça). Não se pode é deixar passar esta história em branco, quanto mais não seja porque é preciso defender um padrão aceitável de moralidade na condução dos negócios públicos, como estabelece a Constituição.

ZERO HORA - 15/04

Ampliam-se os indícios de que a Petrobras deve ser investigada logo, sem manobras protelatórias, por uma CPI do Senado.



Nem bem o país sepultou um grande escândalo de corrupção, com a condenação e prisão de políticos envolvidos no mensalão, e já surge outro de proporções igualmente alarmantes. Documentos aprendidos pela Polícia Federal na casa do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa registram um esquema de financiamento de campanhas eleitorais detalhado, que beneficiou predominantemente partidos da base aliada do governo. As doações de empresas que tinham e têm contratos com a Petrobras, conforme as planilhas apreendidas, iam para políticos e partidos contemplados no aparelhamento da estatal, fechando-se um ciclo de benefícios mútuos com recursos que pertencem aos contribuintes e acionistas.
Costa era arrecadador de comissões, como dono de uma empresa de consultoria, desde 2012, quando deixou a direção de Abastecimento e Refino da estatal. Claramente sustentava os contatos e os negócios suspeitos no histórico de influências que teve e ainda deve ter na empresa em que atuou por oito anos. Se o tráfico de influência, com danos para uma empresa controlada pelo governo, não é motivo para a instalação de uma CPI, o que deve ser decidido nesta terça-feira, nada mais é.
O problema é que muitos dos parlamentares envolvidos na decisão de criar ou não a comissão têm vínculo direto com os partidos beneficiados e com o próprio governo. Basta observar, por exemplo, que um dos maiores beneficiários das doações suspeitas, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), foi quem convocou a presidente da Petrobras, Graça Foster, para depor no Senado nesta terça, com o propósito claro de barrar a CPI. Graça Foster vai à Comissão de Assuntos Econômicos com a missão, determinada pelo Planalto, de dizer que tudo que se passa na estatal está dentro da normalidade.
Teria sido normal a controversa compra da refinaria de Pasadena, que custou mais de US$ 1 bilhão, sem garantia de retorno do investimento. Também é encarado normalmente o envolvimento do já citado Costa com a mesma negociação e com um doleiro que está preso. E não haveria nada de estranho no fato de que, com sérios problemas de gestão, a empresa perdeu, nos últimos quatro anos, metade do valor de mercado.
Há na Petrobras uma combinação de gestão temerária com indícios de delitos graves. O esforço de todos deve ser pela preservação de um patrimônio do país. Nesse sentido, tem razão a presidente Dilma Rousseff, quando afirmou ontem que a estatal não pode ter sua imagem arranhada. Mas há um reparo a fazer. A presidente entende que o prestígio da Petrobras está sendo ameaçado pelas denúncias feitas sobre sua situação econômica e financeira. Na verdade, a administração errática, e não os que apontam tal situação, é a responsável pelo desalento de acionistas e cidadãos em geral. O esclarecimento da situação da empresa passa pelas investigações já em andamento, pelas sindicâncias que o Senado tem o direito de realizar e pelo fim das manobras protelatórias e diversionistas articuladas pelo governo.

GAZETA DO POVO - 15/04

Em todas as tentativas de combater a inflação pelo controle de preços, eles explodem mais adiante e o processo retorna


A inflação do mês de março, anunciada pelo IBGE, fechou em 0,92%. Se essa taxa se repetisse em todos os meses, a inflação anual seria de 11,6%, o que representaria o fracasso total da política econômica. A meta prevista em resolução do Banco Central (BC) é de 4,5% e, se chegasse próxima dos 12% ao ano, produziria um estrago econômico e social de graves proporções.

Além de desorganizar o sistema de preços, acabar com a previsibilidade dos orçamentos e inibir os investimentos privados nacionais e estrangeiros no país, eventual inflação na faixa dos 12% ao ano funcionaria como o estopim para greves e movimentos de trabalhadores contra a perda do poder de compra e o empobrecimento social. Porém, o efeito mais perverso da inflação é sempre o de provocar queda no Produto Interno Bruto (PIB) e aumento do desemprego.

Um cenário com tal configuração é suficiente para exigir que governo e sociedade adotem como prioridade número um o combate sem trégua à inflação. A maior conquista nacional no campo da economia nos últimos 30 anos foi a derrubada da inflação, em 1994, com o Plano Real. Se não tivesse vencido a guerra contra a hiperinflação, que teimava em não ir embora mesmo depois de cinco planos econômicos, o Brasil não teria conseguido qualquer progresso econômico ou ganho social, pois não se conhece exemplo no mundo de país que prosperou sob inflação elevada.

A taxa de elevação dos preços em 0,92% em março pode ser vista como um ponto fora da curva e não significa perda do controle das autoridades em relação ao problema. Mas não deixa de ser um quadro preocupante, em especial porque a trajetória dos preços nos últimos anos aconteceu mesmo com alguns preços submetidos a represamento pelo governo. É o caso da energia, dos combustíveis e das tarifas de transporte público. Além de impor prejuízos nos balanços e perda no valor das empresas do setor, o controle de preços puxa a inflação para baixo artificialmente e termina como todas as tentativas de combater o mal por esse caminho: mais adiante, os preços explodem e o processo retorna, muito mais grave.

A definição mais comum de inflação é a de um processo de aumento generalizado e contínuo de preços. Para muitos economistas, esse processo é o efeito da verdadeira inflação, que seria a emissão de moeda acima do crescimento do PIB, em geral para cobrir déficits nominais das contas do governo. Desse ponto de vista, a inflação é um fenômeno essencialmente estatal e, na base de suas causas, está sempre o mau comportamento do governo ao gastar mais do que arrecada.

Por coincidência ou não, a elevação da taxa de inflação brasileira ocorre logo após o governo passar três anos não cumprindo as metas de superávit primário (receitas tributárias menos gastos públicos antes do pagamento dos juros da dívida). Quando computados os juros da dívida, o balanço fiscal apresenta déficit que, em alguns momentos, chega a 3% do PIB, exigindo do governo que aumente impostos e/ou busque tomar mais dinheiro emprestado da população. Mais dívida pública significa simplesmente forçar a subida dos juros e, logo à frente, a subida da inflação.

A presidente Dilma cometeu três erros simultâneos. O primeiro foi aumentar os gastos públicos, reduzir o superávit primário e elevar o déficit nominal. O segundo foi forçar o BC a reduzir os juros. O terceiro foi tentar segurar a inflação represando alguns dos preços administrados pelo governo. Essa combinação não tem consistência e acaba sempre estourando em mais inflação e perda da capacidade das autoridades de agir. Se fizer um movimento rápido, voltar à ortodoxia econômica e impuser um rigoroso programa de austeridade, o governo pode salvar a grande causa nacional, que é ter inflação aceitável para os padrões dos países emergentes.

Uma pedra no sapato da presidente Dilma é o fato de essa situação exigir urgência justamente em ano eleitoral, quando o impulso natural dos governos é gastar mais, sobretudo sendo ela própria candidata à reeleição. Porém, se perder tempo e jogar o ano de 2014 fora em termos de gestão macroeconômica, Dilma deixará para o próximo presidente (que pode ser ela mesma) uma bomba armada difícil de ser desativada. Inflação alta não interessa a ninguém, nem mesmo à oposição política, pois o tamanho do prejuízo social é grande demais para sequer ser admitido por qualquer segmento da sociedade.

CORREIO BRAZILIENSE - 15/04
Causa preocupação o anúncio de que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística suspendeu a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua). A apreensão cresce quando se descobre a razão: dois senadores - o pernambucano Armando Monteiro e a paranaense Gleisi Hoffmann, ex-chefe da Casa Civil do Planalto - sugeriram a medida por considerarem grande a margem de erro do levantamento.
O desvio, segundo eles, prejudicaria a distribuição de recursos por meio do Fundo de Participação dos Estados. Tomada sem consulta aos técnicos, a decisão provocou rebelião no órgão. A diretora de Pesquisas, Márcia Quintslr, e a coordenadora geral da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), Denise Briotz, se exoneraram. Não só: 18 coordenadores de área puseram os cargos à disposição.

De um lado, alegam ter sido surpreendidos com a reprogramação do calendário. De outro, rebelam-se contra possíveis dúvidas sobre a eficiência do IBGE. Muitos acusam a presidente do instituto, Wasmália Bivar, de se submeter a pressões do Palácio do Planalto para adequar informações à Lei Complementar nº 143/2013. A rebelião levanta dúvidas sobre a instituição, que construiu sólida reputação de independência e profissionalismo técnico ao longo de 80 anos de história.

É assustador. Um dos grandes desafios dos países emergentes é contar com estatísticas confiáveis. Elas servem de norte para planejamento do governo, escolha e avaliação de políticas públicas. É com elas que os organismos internacionais, entre os quais a Organização das Nações Unidas, analisa indicadores para fazer comparações e analisar avanços e retrocessos em diferentes setores.

 A divulgação de pesquisas, ao jogar luz sobre pontos obscuros, esquecidos ou negligenciados, balança zonas de conforto, origina reportagens e estimula respostas. Graças à liberdade de ação e ao apuro técnico, o Brasil conquistou credibilidade no levantamento de dados sobre a realidade nacional. Ao divulgá-los, não sofre questionamentos nem do público interno nem do externo.

Conquistar é, sem dúvida, o verbo mais adequado para traduzir o esforço e a seriedade das instituições brasileiras no trabalho realizado. O respeito não se compra em supermercado nem se impõe por decreto. É fruto de técnica e empenho de profissionais sérios e qualificados, que põem a ciência acima de interesses particulares ou partidários. Deixar que sombras pairem sobre as pesquisas é jogar o país no descrédito. A Argentina serve de exemplo do que não fazer.

FOLHA DE SP - 15/04
Datafolha detecta queda de 39 pontos no otimismo com país e economia; Dilma enfrenta uma convergência de fatores eleitorais negativos
Numa nação apaixonada por futebol a 58 dias de receber a Copa do Mundo, a acentuada retração no otimismo dos brasileiros assume ares preocupantes. Em ano eleitoral, sobretudo para o Planalto.
O instantâneo perturbador foi colhido pelo Datafolha. O instituto criou o Índice Datafolha de Confiança (IDC) e, já na primeira comparação anual, detectou variação significativa de humor --para pior.

O índice se compõe de sete quesitos: avaliação do Brasil como lugar para viver, orgulho de ser brasileiro e cinco expectativas econômicas --sobre a situação do próprio entrevistado, a do país, poder de compra, desemprego e inflação.

Cada um dos itens recebe pontuação de 0 a 200, após pesquisa representativa da população brasileira (ouvida em 162 municípios). Acima de 100 o IDC é considerado positivo, e abaixo disso, negativo.

Em março de 2013, a média estava em 148, claro indicador de confiança no futuro. Na pesquisa dos últimos dias 2 e 3, contudo, o índice desceu à média de 109.

A consideração dos itens individuais dá mais motivos para apreensão com os rumos da economia nacional. Só três deles recebem pontuação acima de 100, dois dos quais se referem mais à percepção do país do que à sua realidade: Brasil como lugar para viver (179 pontos, nove abaixo dos 188 de 2013) e orgulho de ser brasileiro (159, diante de 178 no ano passado).

O único quesito econômico com valor positivo (159) é a expectativa com a situação econômica do próprio entrevistado pelo Datafolha, mesmo assim 25 pontos abaixo da de 2013. Todos os outros quatro ficaram abaixo da linha divisória.

Francamente ruim é a expectativa quanto ao futuro da inflação, com índice 17. Um recuo de 40 pontos com relação a um ano atrás.

Dito de outra maneira, a inflação alta está "na boca do povo", como se fala, e não em supostas conspirações "da elite" ou "da mídia" com que tentam justificar-se setores do PT e ventríloquos do Planalto. O brasileiro normal sabe o quanto dói perder poder de compra em razão do descuido governamental com a saúde da moeda.

A erosão geral da confiança captada no IDC faz eco, assim, à crescente insatisfação dos contribuintes com a deficiência dos serviços públicos --mote das manifestações de junho-- e com o desgaste do governo Dilma Rousseff aos olhos de boa parte do empresariado.

A confluência de fatores negativos não configura nenhum pesadelo eleitoral para a presidente, pois nem mesmo começou a campanha. Mas já reúne potencial suficiente para perturbar-lhe o sono e os sonhos de reeleição tranquila.

“Não é para dividir, é para unir”
Marina Silva ao definir a candidatura de Eduardo Campos (PSB) para presidente


GREVISTAS EXIGEM OS ‘LUCROS’ DE ESTATAL QUEBRADA

Funcionários do Sistema Eletrobras marcaram para 24 e 25 deste mês “paralisações de advertência” em todo o País. Os sindicalistas exigem pagamento de “participação nos lucros” relativos a 2013, ano em que o balanço da Eletrobras, para desespero dos acionistas minoritários, registrou prejuízo R$ 6,2 bilhões. Os grevistas, que ameaçam greve geral no sistema, não mencionam “participação nos prejuízos”.

PREJUÍZO HISTÓRICO

Em 2012, a Eletrobras já havia registrado prejuízo de R$ 6,8 bilhões. Somando 2013, já são R$ 13,1 bilhões perdidos em apenas dois anos.

ORIGEM DO CAOS

Dilma fez a Eletrobras aderir à medida provisória 579, reduzindo-lhe a receita de geração e transmissão, para forçar redução na conta de luz.

SISTEMA QUEBRADO

Integram o Sistema Eletrobras empresas geradoras e distribuidoras de energia como Eletronorte, Eletrosul, Eletronuclear e Chesf.

PINDAÍBA

Rebaixada pela Standard & Poor’s, a Eletrobras trocou a sede por um anexo no prédio de Furnas, também no Rio, para economizar o aluguel.

SAQUE ‘CASH’ NOS CARTÕES JÁ SOMAM R$ 1 MILHÃO

Os saques em espécie para as famosas despesas de pequeno vulto nos cartões corporativos do governo federal somaram mais de R$ 1 milhão nos primeiros dois meses do ano. Com sete dos dez maiores gastadores, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o que mais recorre aos saques para despesas totalizando quase sempre o limite permitido pelo Banco Central (R$ 1 mil) em vários dias.

CADA UM TEM SEU VULTO

Os saques nos cartões são para despesas de pequeno vulto, mas um servidor do IBGE torrou R$ 32 mil com saques seguidos de R$ 1 mil.

FALA IBGE

IBGE diz que os gastos são com despesas “onde não é possível usar o cartão de crédito”, mas não explica os valores sempre “redondos”.

BRIGA ELEITORAL

O governador Beto Richa (PSDB) trabalhou para impedir liberação de empréstimos do Proinveste ao governo do Paraná. Ele quer continuar jogando desgaste no colo da adversária eleitoral Gleisi Hoffmann (PT).

PR DA QUESTÃO

A Polícia Federal investiga se o “PR” nos bilhetes ao doleiro Alberto Youssef é o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. São também as iniciais de Partido da República e... Presidente da República.

OPÇÃO JÁ FEITA

Dilma recebeu empresários no Alvorada, há dias, e pediu apoio. Ouviu a franqueza do ex-deputado Flávio Rocha, dono das lojas Riachuelo: “Sou nordestino, presidenta, estou fechado com Eduardo Campos”.

AUSENTES

Em aliança com PT para reeleição, os governadores Camilo Capiberibe (AP) e Renato Casagrande (ES) ignoraram ontem o lançamento da pré-candidatura do correligionário Eduardo Campos (PSB) à Presidência.

A PEDIDO

Apesar do apelo por candidatura própria, Cristovam Buarque afirmou que o PDT-DF decidiu apoiar Rodrigo Rollemberg (PSB) ao governo, atendendo proposta de Antonio Reguffe, que deverá sair ao Senado.

RUMOS DISTINTOS

O PSD de Minas já avisou ao prefeito Gilberto Kassab que fará aliança com o tucano Pimenta da Veiga ao governo, apesar de o partido caminhar, nacionalmente, para apoiar o PT de Dilma.

CABO DE GUERRA

O encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, João Luiz Pereira, disse ao jornal La Razón, que senadores do PT travam a nomeação do embaixador Raimundo Magno por “pressão interna” contra Dilma.

BANCO RESERVA

Com o palco lotado de autoridades, o deputado Romário (PSB-RJ) acompanhou da plateia ontem o lançamento da pré-candidatura de Eduardo Campos (PSB-PE) à Presidência e Marina Silva a vice.

SELFIES

Presentes na pré-candidatura do pai a presidente, os filhos de Eduardo Campos (PSB) fizeram uma sessão de fotografias e vídeos no celular.

PENSANDO BEM..

...nada como um mensalão atrás do outro com uma Petrobras no meio.


PODER SEM PUDOR

ERA SÓ DESPEDIDA

O ex-deputado cearense Alfredo de Abreu Pereira Marques (MDB), que foi interventor em Maracanaú (CE), só dirigia em alta velocidade. Pior: tinha o hábito de ler jornal ao volante. Certa feita, Alfredo Marques deu carona a um eleitor, entre a sede do município e o distrito de Tabatinga. Lá para as tantas, observou que o eleitor dava com a mão para todo mundo, no caminho:

- Meu caro, você tem muitos amigos. Deveria ser candidato a vereador.

- Não, dr. Alfredo, eu estou é me despedindo do povo, porque do jeito que o senhor dirige não sei se chegaremos vivos a Tabatinga...

Os eleitos de Deus só têm problemas; a solidão os assola, o sofrimento os persegue

O Deus de Israel não gosta de covardes. Homem, mulher, criança, todos são chamados à coragem, à dor e a tomar decisões difíceis.

Noé (Nôach), foi um desses heróis. Erich Auerbach, no seu "Mímesis", afirma que Deus testa seus heróis e heroínas, levando-os ao limite do insuportável, para que, sobrevivendo ao teste, descubram por que foram eleitos. Deus funda, assim, a ideia de autoconhecimento na literatura ocidental.

"E os que vieram, macho e fêmea, de toda criatura vieram, como Deus lhe havia ordenado; e o Eterno o fechou para protegê-lo. E foi o dilúvio quarenta dias sobre a terra, e multiplicaram-se as águas, e alcançaram a arca, e levantou-se de sobre a terra" (Gênesis, 7; 16-17, edição hebraica).

O filme "Noé", de Darren Aronofsky, é sobre eleição. "Eleição" é um conceito, muitas vezes, pouco compreendido pelo mundo contemporâneo, maníaco por felicidade "projetos do self" e sucesso.

Os eleitos pelo Deus de Israel só têm problemas; a solidão os assola, o medo e o sofrimento os persegue. Erich Auerbach entende muito mais de "eleição" na literatura israelita do que muito rabino, pastor e padre por aí, obcecados por vender autoajuda espiritual. "Dificilmente, um deles não sofre, como Adão, a mais profunda humilhação...", afirma Auerbach.

O diretor do filme, faz licenças poéticas, e algumas delas (não tenho como saber o quão consciente ele estava quando as fez) muito sofisticadas, levando em conta a "dramaturgia" do Velho Testamento, como falam os cristãos quando se referem à Bíblia hebraica.

Uma delas, muito pontual, é o uso da pequena tira de couro que o pai de Noé, e depois o próprio, enrola no braço: uma referência direta ao "tefilin" (filactério). A palavra hebraica tem sua raiz em "tefilá", que significa prece. Hoje, ela "virou" um cordão de couro ligado a duas caixinhas que o judeu amarra daquele jeito e também na cabeça (é bem maior do que mostra o filme).

Uma das preces ali contidas é o famoso "Shemá Israel", a qual lembra aos judeus que Deus é um só: "Shemá Israel, Adonai eloheinu, Adonai echad" (Ouve Israel, Adonai é nosso D'us, Adonai é Um"), na tradução feita pelo movimento religioso judaico Chabab.

Outra liberdade de roteiro está na longa discussão acerca das mulheres e da infertilidade da personagem que casará com Sem, filho mais velho de Noé. Na narrativa bíblica sobre o dilúvio não existe esta controvérsia que domina o filme. Sem, Cam e Jafé, filhos de Noé, já entram na arca com suas mulheres.

Mas, se para o homem bíblico o drama é o coração reto que serve a Deus, para a mulher, o drama é a fertilidade. Muitos criticam esse enfoque porque entendem que o homem tem um drama moral acerca da liberdade da vontade (tema muito bem trabalhado no filme) e a mulher tem um drama "fisiológico", portanto, alheio à liberdade.

Mas, ao enfrentar o mal da infertilidade e ao ser objeto de milagre (como no filme e em vários casos na Bíblia), a mulher revela sua vocação de ser a (desesperada) terra (in)fértil onde Deus deixa sua marca.

O medo da infertilidade no mundo semítico antigo acompanha muitas heroínas, como Sara, mulher de Abraão, e Rachel, mulher preferida de Jacó (mais tarde, chamado Israel, pai das 12 tribos).

O profeta Isaías, 54:1-55:5, compara as agonias e posteriores alegrias da mulher infértil (ou desamparada ou solitária) às águas de Noé: "Canta, ó estéril que não deste à luz; rompe em cânticos, e clama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais serão os filhos da mulher solitária do que os da casada, diz o Eterno".

Adiante, o profeta compara a promessa de Deus a Noé, de que não mais lançará águas sobre a face da terra, com a promessa feita à infeliz de que Ele não terá mais ira contra sua revolta nem a repreenderá.

Sabe-se que Deus escolhe Rachel como a que "amolece" Seu coração, quando Ele fica irritado com o povo israelita. Está aí o mistério da dor feminina que encanta até o Eterno.

Quando você ouvir alguém dizer que a Bíblia é um livro bobo, saiba que você está diante de um ignorante. Boa semana.

O GLOBO - 14/04

Quase todos são contra a ‘gastança’, mas muita gente acha natural se aposentar perto dos 50, ter amigo que ‘arrumou um cargo no governo’ ou ter um primo ‘encostado no INSS’


Há algo de errado com o Brasil. Eduardo Giannetti, que há alguns anos me honrou escrevendo a “orelha” de um dos meus livros, utilizou nela a expressão “Leviatã anêmico” para se referir ao Estado brasileiro. Trata-se de uma síntese feliz da situação do Governo em nosso país. Não o Governo FH, Lula ou Dilma Rousseff, e sim o Governo como instituição. De fato, ainda no ensino médio, o aluno e futuro cidadão aprende as funções de cada um dos Três Poderes, seguindo as boas normas do que recomenda a teoria, mas quando já adulto observa e avalia o mundo em que ele se encontra imerso, descobre que na vida real, no Brasil, o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. A falta de funcionalidade do Estado brasileiro pode ser sintetizada nessa única frase. E, não obstante, o contribuinte tem gastado cada vez mais recursos para sustentar esse Estado.

Vamos aos números: em 1991 — primeiro ano para o qual se dispõe de estatísticas fiscais arrumadas com os conceitos e a desagregação atuais — o governo federal gastava 13,7 % do PIB com as chamadas “despesas primárias”, ou seja, o gasto público exceto os juros da dívida. Em 2013, isso chegou a 22,8 % do PIB. Em 22 anos, tivemos uma expansão da despesa, como proporção do PIB, de nada menos que 9,1 % do PIB — ou 0,41 % do PIB a mais a cada ano. O Brasil está na pole position do expansionismo fiscal mundial. Ao mesmo tempo, permitimos aberrações como as seguintes, apenas para citar três das mais flagrantes dentre elas:

- Em 2003, a taxa de desemprego foi de 12,3 % e, em 2013, de 5,4 %. Não obstante isso, a despesa real com seguro-desemprego no Brasil teve um aumento real no período de inacreditáveis 158%. Que o governo se vanglorie de, supostamente, melhorar a gestão pública, quando esse disparate continua acontecendo, seria motivo de riso — se não fosse razão, como diria Nelson Rodrigues, para “chorar lágrimas de esguicho” pelo desperdício de recursos públicos. E não se faz nada;

- A despesa com benefícios previdenciários e assistenciais de um salário-mínimo, entre 1997 e 2013, passou de 1,4 % para 3,7 % do PIB, supostamente para combater a miséria, quando pelos dados da PNAD, de cada cem aposentados e pensionistas que recebem exatamente um salário-mínimo, apenas 1 (leu corretamente, leitor, eu não disse 10: disse 1) encontra-se entre os 10% mais pobres da população, onde se concentra a extrema pobreza. O aumento dos benefícios de um salário-mínimo é, de longe, o programa de combate à pobreza mais ineficiente do mundo. E ninguém fala nada;

- No Brasil, as mulheres se aposentam pelo INSS por tempo de contribuição, em média, com 52 anos, algo que deixa atônito qualquer observador externo que se debruce sobre nossa Previdência Social, benefício esse que em 1994 — ano do Plano Real — afetava 300 mil pessoas e que hoje é usufruído por mais de 1,5 milhão de pessoas. E la nave va, no país do carnaval.

O governo se mete em tudo e, como raras vezes atua bem, justifica a frase do sempre sarcástico Delfim Netto, que ferinamente costuma lembrar que, “se o governo compra um circo, o anão começa a crescer”. O fato é que o governo só faz aumentar e, entretanto, qualquer que seja a função pública ligada a algum serviço que cabe ao Estado prestar, as razões para insatisfação do cidadão comum são óbvias: a nossa educação é precária; a saúde é sempre “top” em todas as avaliações da opinião pública acerca das queixas da população; o cidadão se sente inseguro ao sair na rua etc.

É preciso repensar o Estado brasileiro. Um dos problemas é que a demanda por mais gasto público é parte da cultura nacional. Quase todos os brasileiros são contra a “gastança”, mas muita gente acha natural se aposentar perto dos 50 anos, ter um amigo que “arrumou um cargo no Governo” ou ter um primo “encostado no INSS”. É necessário que esse tema entre na agenda nacional. O ponto de partida é criticar esse processo. Para isso, nossa oposição faria bem em lembrar a velha frase do ex-ministro Gustavo Capanema, de que “pouco importa que a oposição não tenha fundamento ou seja injusta; importante mesmo é que ela ponha o Governo em apuros”. Está na hora de alguém questionar seriamente esse processo contínuo de aumento do gasto público.

O GLOBO - 14/04
O excesso de impostos deflagrou a bem-sucedida rebelião das colônias americanas e inspirou a malograda conspiração mineira
"Esta é a história de um livro. É a história de uma malograda rebelião republicana e anticolonialista em Minas Gerais. É a história de como os conspiradores de Minas se inspiraram na bem-sucedida guerra de independência americana contra a Grã-Bretanha e nos primeiros documentos constitucionais dos Estados Unidos da América. É a história do fracasso da tentativa, por parte dos conspiradores, de acabar com o domínio português no Brasil. É uma história da complexa interação transatlântica entre representantes intelectuais do Brasil, da América do Norte e da Europa entre 1776 e 1792", registra Kenneth Maxwell na introdução de "O livro de Tiradentes: transmissão atlântica de ideias políticas no século XVIII" (2013).
"Os conspiradores viram a bem-sucedida revolução americana e os textos constitucionais americanos como modelos do que eles queriam realizar no Brasil. Foi essa conexão que enervou as autoridade portuguesas quando essa conspiração foi descoberta em 1789", prossegue Maxwell. Como relata, pouco antes de ser preso, em 10 de maio de 1789 no Rio de Janeiro, ciente de que estava sendo seguido, Tiradentes entregou a um portador seu exemplar de uma coletânea das leis constitutivas das colônias inglesas confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América Setentrional, tendo como anexos os atos de independência da confederação, o recenseamento das 13 colônias e as constituições de seis dessas colônias. Foi esse exemplar, publicado com a ajuda do governo francês e dedicado a promover as experiências constitucionais americanas na Europa, que se tornou conhecido como "O livro de Tiradentes".

Um tema central, que ainda assombra a economia brasileira contemporânea, era o excesso de impostos. "Os conspiradores de Minas reconheciam a pertinência e a importância da revolução americana porque consideravam os impostos que Portugal lhes cobrava semelhantes aos que os britânicos tentavam impor a suas colônias na América. A quinta parte da produção de ouro era devida à Coroa." Joaquim Silvério dos Reis, acusado de "doloso, fraudulento e falsificador" pela "Junta da Fazenda" de Minas, "um dos maiores contratadores e também um dos mais endividados, resolveu livrar-se de suas dívidas denunciando a conspiração da qual fora um dos líderes", fulmina Maxwell.


O GLOBO - 14/04

Política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade


A tentativa de impor tarifas artificialmente baixas e o excesso de interferência estatal vêm provocando um preocupante desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado de energia elétrica. Daí até o pibinho é apenas um passo, agravando a difícil situação em que nos encontramos há quase três anos e meio. Breve disponibilizarei em minha página eletrônica (raulvelloso.com.br) livro sobre a crise, que vou apresentar no dia 12 de maio, no Fórum Nacional, abordando uma das principais facetas do modelo intervencionista em vigor no Brasil.

Há cerca de um ano e meio, seduzido pela possibilidade de pôr em prática uma redução média de 20% na tarifa paga pelo consumidor final no mercado regulado, o governo ofereceu às usinas hidrelétricas a renovação antecipada de suas concessões, em troca de uma redução média de 70% em seus preços. A presunção era que, tratando-se de usinas mais antigas, as despesas de capital já estariam praticamente amortizadas, mas da teoria à prática há uma grande distância.

Diante de condições consideradas inaceitáveis, três concessionárias de peso decidiram recusar a proposta. Além disso, alguns empreendimentos que deveriam estar gerando energia desde 2012 nunca saíram do papel. Some-se também a falta de chuvas em 2013, que levou à necessidade de acionar geradoras de origem térmica, provocando significativo aumento de custos. Para cobrir o buraco resultante, o governo teria emprestado, em 2013, cerca de R$ 10 bilhões às distribuidoras, segundo a consultoria PSR, a serem pagos pelo consumidor em cinco anos, a partir de 2014. Só que o início do pagamento dessa fatura foi adiado para 2015, provavelmente pelo temor de desgaste político num ano de eleições.

Para completar o quadro, ao fim de 2013, as distribuidoras teriam de recontratar energia em função do vencimento de contratos firmados em 2004. Tratava-se, pois, de um problema com data certa para ser resolvido. No entanto, o governo não conseguiu viabilizar leilões em quantidade suficiente para garantir a recontratação da energia vincenda. A consequência foi a expressiva descontratação de 3.700 MW de energia, que as distribuidoras tiveram (e ainda têm) de ir buscar no mercado spot diariamente, a um custo que, atualmente, é de R$ 822/MWh, muito acima dos cerca de R$ 100 que vigiam nos contratos.

É óbvio que as distribuidoras não têm condições de suportar essa dupla adversidade — falta de contratos de energia para suprir seu mercado e preço spot nas alturas. Ou seja, o governo deixou de atacar o cerne do problema, permitindo um reajuste realista de tarifas, para buscar soluções heterodoxas, que não só não resolvem o problema (exceto no curtíssimo prazo) como o amplificam.

A ideia “criativa” divulgada mais recentemente consiste na formação de um pool de bancos públicos e privados para financiar o rombo das distribuidoras, hoje previsto em R$ 10,8 bilhões, mas que pode chegar, segundo consta, a R$ 25 bilhões. Na essência, essa proposta obriga os consumidores de energia a se endividarem, pagando juros que, mais cedo ou mais tarde, serão incorporados à conta de energia, a fim de evitar um desgaste inconveniente a um governo que busca freneticamente sua reeleição. Em adição, com a negativa do reajuste de tarifas de acordo com o aumento de custos, deixam de ser gerados os incentivos corretos para a indispensável redução da demanda no montante necessário para o reequilíbrio com a oferta, aumentando a probabilidade de um cenário com racionamento.

O fato é que as autoridades não parecem acreditar nas sinalizações que o sistema de preços proporciona, contrariando séculos de experiência e a consolidação do mercado como a melhor solução para reger as relações econômicas de qualquer país. Por isso, ou pela mera busca de ganhos eleitorais, as recentes intervenções no domínio econômico podem conduzir o Brasil a uma situação de permanente baixo crescimento. A verdade é que a política econômica praticada nos últimos tempos perdeu funcionalidade, fixando-se em tentar resolver problemas por ela mesma criados.

A lista não é exaustiva, mas, em vez de usar os tradicionais instrumentos da política monetária, o governo optou por controlar a inflação via preços administrados, como os da gasolina e da própria energia elétrica, deixando que a bomba estoure depois. Daí a brutal redução na capacidade de investimento da Petrobras, da Eletrobras e das demais empresas do setor elétrico, além da piora das expectativas dos agentes econômicos em relação à atuação da política monetária.

Em vez de reduzir o excesso de demanda doméstica para impedir a apreciação do câmbio real, o governo tenta garantir a competitividade de nossa indústria. Elege alguns setores para se beneficiarem de desonerações tributárias e de crédito subsidiado do BNDES, e assim contribui para deteriorar a situação fiscal e gerar incertezas na condução da política macroeconômica. Em vez de estabelecer uma política que estimule a formação de poupança doméstica, amplifica os programas de transferência de renda e estimula o crédito ao consumidor.

GAZETA DO POVO - 14/04

As anexações do Uruguai, no começo do século 19, e a do Acre, 100 anos depois, inspiram reflexões talvez pertinentes à anacrônica incorporação da Crimeia pela Rússia. Os paralelos históricos mancam sempre de uma ou duas pernas, mas algo se pode extrair de analogias, ainda que imperfeitas.

A exploração oportunista de ocasião favorável é idêntica no caso uruguaio e da Crimeia. A diferença, essencial, residiu na pretensão luso-brasileira de absorver o povo da Cisplatina, de língua e cultura distintas. O resultado foi a desastrosa guerra contra a Argentina e a independência do Uruguai.

O Brasil abandonou de vez o objetivo português de expansão até o Rio da Prata. Contudo, o envolvimento nas querelas uruguaias acabaria por gerar as intervenções armadas que culminaram com a de 1864, causa imediata da Guerra do Paraguai, a mais mortífera da história sul-americana. O preço em sangue e dinheiro, ressentimento e atraso econômico se mostrou absolutamente desproporcional aos objetivos originais.

O Acre se presta melhor à comparação. Embora pertencente à Bolívia, sua população era quase exclusivamente brasileira, mais até que a russa, que partilha a Crimeia com minorias significativas de outras nacionalidades. Dizia-se no passado que ele havia sido o nosso Texas: rebelião vitoriosa contra o governo nominalmente soberano e, em seguida, anexação ao vizinho de onde provinha a população revoltada.

Nesse ponto termina o paralelo. No Texas, a anexação provocou a guerra mexicano-americana (1846-1848), com perda de mais de um terço do território do México para os EUA. No Acre, sem guerra, negociou-se até conseguir, pelo Tratado de Petrópolis (1903), a transferência do território ao Brasil mediante compensações financeiras (o equivalente hoje a cerca de US$ 250 milhões), concessões territoriais menores e compromisso de construção da Ferrovia Madeira-Mamoré e outras facilidades.

Ao rejeitar como “conquista disfarçada” a anexação pura e simples, o barão do Rio Branco considerou-a como “procedimento em contraste com a lealdade que o governo brasileiro nunca deixou de guardar (...) com as outras nações (...) aventura perigosa, sem precedentes na nossa história diplomática”.

Preferia “transigir que ir à guerra”, pois “o recurso à guerra é sempre desgraçado”. Acreditava que “as combinações em que nenhuma das partes perde e, mais ainda, aquelas em que todas ganham serão sempre as melhores”.

É óbvio que a Bolívia só cedeu devido à vitoriosa rebelião dos habitantes e ao uso pelo Brasil de meios legítimos de poder, isto é, sem imposição da guerra e mediante compensações relativas. Pode parecer pouco, mas em diplomacia essa diferença com a Crimeia é incomensurável.

Do Uruguai ao Acre, o Brasil aprendeu e evoluiu. A Rússia continua refém da tradição imperial que presidiu à conquista de seu território. Dentro dele há mais de cem povos diferentes, alguns em franca revolta, como os do Cáucaso, aos quais não pode oferecer a autodeterminação que exigiu para a Crimeia. Ocupamos nos Brics as duas primeiras letras; fora disso, nossas tradições diplomáticas são antípodas.

Valor Econômico - 14/04/2014

#naovaitercopa pegou fogo no país do futebol


Pão e circo, diziam os romanos. Talvez esteja aí a essência da política, em todos os tempos. Por um lado, proporcionar ganhos materiais - pelo menos, a sobrevivência. Por outro, inventar fantasias, desejos, essa esfera da vida que não é objetiva, que não se mede, mas compete em importância com o interesse econômico. As pessoas não são loucas, não votarão sistematicamente contra suas vantagens. Por isso, quem quer arrochá-las sempre busca um pretexto, um tema nacionalista, religioso ou moralista. Aqui entra o circo, geralmente alegre, até exultante, mas às vezes sinistro. Quase tudo o que apela à imaginação humana pode dar em circo.

Lula pensou coroar três mandatos sucessivos do PT, marcados pela inclusão social em larga escala, inicialmente denominada "Fome Zero," com duas enormes festas, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Sem maldade nenhuma: depois do pão, o circo. Depois da fome saciada, a festa.

Deu errado. Deu? Ninguém poderia imaginar, um ano atrás, que a hashtag #naovaitercopa pegasse fogo no país do futebol. OK, até penso que a maioria dos brasileiros prefira os jogos da Copa às manifestações. Pode ser que estas últimas estejam sendo superdimensionadas. Mas mesmo assim é triste a esquerda (ou centro-esquerda, como considero mais exato) reagir aos gritos nas ruas evocando os que falam mais em jogos do que em política - os que ficam em casa, os que não soltam a voz, os que veem TV, em vez dos que protestam. "Maioria silenciosa" sempre foi um termo de direita, convém mal à esquerda.

A expressão "pão e circo" costuma ter sentido pejorativo. Entende-se: numa certa altura da história de Roma, quando a grande cidade já dominava praticamente todo o Mediterrâneo, a cidade - ou melhor, seus ricos, os patrícios, os que mandavam - dispôs de recursos para aplacar uma plebe que, no passado, várias vezes ameaçara sua dominação. Isso se obtinha distribuindo-se comida (o "pão") e promovendo-se espetáculos, entre os quais lutas de gladiadores. Aqui está a essência do populismo, que seus atuais críticos conservadores esquecem: ele é uma forma de privar o povo, os pobres, do poder que desejaria ter. O populismo é conservador. Chavez, Lula ou mesmo Vargas não são populistas no sentido de dar pão e circo no lugar de uma coisa maior - porque eles efetivamente melhoraram a condição dos pobres. Já em Roma, distribuir pão e circo foi um meio de não fazer a reforma agrária e de preservar o poder em mãos das velhas classes dominantes.

A rigor, não há sociedade política sem pão e sem circo, sem a satisfação material e a midiática - que substituiu, faz tempo, a espiritual, a tal ponto que várias religiões hoje são tributárias da mídia. Em princípio, é positivo que se preste maior atenção ao pão, porque ele diz respeito ao real interesse das pessoas. Cinquenta ou cem anos atrás, teríamos pregadores dizendo que não, que deveríamos priorizar a alma; hoje, esse tipo de discurso, nas democracias, só tem sucesso nas regiões culturalmente atrasadas dos Estados Unidos. Bill Clinton falava de pão quando adotou o mote "É a economia, estúpido!" Já seu sucessor, o segundo Bush, fez das guerras com os muçulmanos o seu circo, rapidamente perdendo o capital de simpatia obtido com o 11 de setembro.

Não é fácil dizer onde está o interesse real das pessoas, onde estará o seu pão, com os "upgrades" que pode ter numa sociedade desenvolvida. Políticas sociais, que a esquerda aplaude, a direita contesta. O circo também nem sempre é fácil. Até porque em nossa sociedade ambos, pão e circo, foram privatizados. A renda da maioria hoje vem da economia privada - ainda que os governos, com suas políticas, cumpram o papel crucial de estimular ou travar a economia. Já o circo pertence à mídia. O Big Brother, que recém terminou sua 14ª edição anual, é o exemplo mais escarrado. Mas ele embota o sentido crítico das pessoas? Atende a interesses políticos? Favorece a dominação?

As pessoas cultas dirão sim à primeira pergunta, independentemente de sua preferência partidária, mas se dividirão nas outras. Para a esquerda, reduzir o senso crítico da maioria favorece o controle da sociedade pelas classes proprietárias. Já os liberais não verão assim. Mas provavelmente enxergarão a Copa do Mundo como o grande circo do PT e, por isso, só por isso, não porque torçam contra a seleção canarinho, não verterão lágrimas se o circo não for um sucesso de audiência.

Melhor não mentir a si próprio. Qualquer partido que dispute a hegemonia no País adoraria sediar aqui a Copa. Mas quem fez isso foi o PT. Só que esse episódio coincide com a crise dos circos, pelo menos os flagrantes, em nossa política. Essa queda do circo talvez seja sinal de um certo amadurecimento dos costumes. Lamento que o declínio do papel político positivo da festa prejudique um partido que promoveu a inclusão social em escala inédita, um trabalho inconcluso, não por demérito do PT, mas pela dificuldade de uma tarefa que é demandada no Brasil pelo menos desde 1580 (eu dato a luta pela justiça social dos inícios do quilombo dos Palmares). Mas isso aconteceria, cedo ou tarde. Cobrar padrão FIFA para a saúde, a educação, a segurança e o transporte públicos hoje é um slogan contra o PT - pondo-se de lado a culpa dos Estados e municípios em temas que, na maior parte, são de sua responsabilidade constitucional - mas é também uma mudança cultural de monta, que veio para ficar. Isso, só podemos saudar - mesmo aqueles que irão aos estádios e torcerão pelo Brasil e pela festa. O povo quer mais pão, com manteiga ou mesmo convertido em brioche, e menos circo.

O Estado de S.Paulo - 14/04

O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, é um livro sobre a inutilidade da espera. Giovanni Drogo, o protagonista, passa a vida se preparando para uma batalha decisiva, que dará sentido a tudo, mas que não acontece. Aqui também, à nossa maneira, esperamos por um grande acontecimento. O ano de 2014, pelo menos na economia, parece já ter terminado. Viveu pouco, coitado, menos de um trimestre. Nada de importante acontecerá daqui em diante.

A inflação anualizada deve estourar o teto da meta nos próximos meses, caindo um pouco a partir de então. Fechará acima do ano passado (5,9%), mas abaixo de 2011 (6,5%). O crescimento será pífio, mais uma vez abaixo de 2%, bem menos que os 3,6% previstos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o aumento do PIB global. Nos quatro anos de mandato da presidente Dilma Rousseff, o produto terá crescido menos de 8%, ante 14,4% de crescimento mundial. Estamos ficando para trás.

Aguardamos a redenção para 2015. Os mais animados imaginam que, sem o constrangimento imposto pelas eleições, o novo governo - principalmente se houver alternância no poder - terá disposição para pôr em marcha um amplo programa de reformas capaz de lançar o País numa rota de crescimento acelerado. Será mesmo?

São de duas naturezas os embaraços que o novo governo terá de deslindar no próximo ano. Há, em primeiro lugar, o legado do governo Dilma. A atual administração já não tem mais pejo em admitir que manobra para segurar os preços da energia elétrica e da gasolina até o próximo ano. Apenas esses dois itens pesam quase 8% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a correção da sua defasagem poderá custar, considerando os efeitos indiretos, quase dois pontos porcentuais na inflação. A correção desse atraso exigirá juros mais elevados, que pressionam o déficit nominal, o que demandará um esforço genuíno de contenção de gastos - já que as promessas esgotaram seu poder de iludir. Não será simples desarmar essa armadilha. Mas isso apenas corrige distorções recentes. Impede o desmantelamento da economia, mas não nos coloca na rota do crescimento. Se quisermos ir adiante e crescer em compasso com os países emergentes, é necessário mais, muito mais.

É aqui que nos defrontamos com o segundo "imbróglio": não mais os equívocos do governo Dilma, mas os gargalos estruturais que impedem que o País decole, já que as condições internacionais favoráveis que prevaleceram no governo Lula não mais se repetirão.

É consensual hoje a ideia de que, sem capacidade ociosa e com baixo nível de desemprego, a aceleração do PIB nos próximos anos dependerá do aumento da produtividade. Isso implica recuperar a capacidade de investimento do Estado. É aqui que a coisa pega. Em tese, do ponto de vista de um marciano, existiria a alternativa de aumento da carga tributária. Mas isso não tem sentido nem viabilidade, já que trabalhamos mais de quatro meses por ano apenas para pagar impostos. Em 2012, a carga tributária brasileira já era 17 pontos porcentuais acima da média da América Latina e também superior à dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Há quem pense, alternativamente, num choque de gestão que reduza o desperdício e recomponha a capacidade de gasto. Melhoria da eficiência é sempre bom, mas o resultado será marginal e a conta não fecha. Corte dos juros também é lembrado por alguns nefelibatas. Gastando menos com juros pode-se gastar mais com coisas úteis, pensam. Mas essa aventura é tola. A experiência com os cortes iniciados em 2011 mostrou que os juros não são altos por maldade do Banco Central e que uma redução injustificada cobra alto custo em termos de inflação.

Um avanço significativo na produtividade geral da economia está na dependência de reformas estruturais que reflitam um projeto nacional voltado ao crescimento. Isso, por sua vez, não será possível sem uma discussão ampla que avance na direção de uma mudança no pacto social que contratamos há tempos, o que implica, entre vários outros exemplos, a reforma na Previdência Social, a desindexação da economia, a modernização da legislação trabalhista, a mudança nas regras de reajuste do salário mínimo e a adoção incondicional da meritocracia no sistema educacional.

Entre 2003 e 2013, pelas contas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), para uma inflação acumulada de 87%, as despesas do INSS subiram 711% e o custeio de programas sociais teve aumento de 995%. Ao mesmo tempo, o superávit primário necessário para garantir a solvência de longo prazo da dívida pública aumentou para 2,5% do PIB. É preciso economizar mais, mas o disparate é que também é preciso gastar mais e melhor.

Nem quem acredita em duendes imagina que temas espinhosos como este poderão frequentar os debates eleitorais. Também é questionável se um novo governo terá audácia e liderança para conduzir este projeto, até porque nosso presidencialismo de coalizão lhe corta as asas. Daí decorre que qualquer alteração de fundo que crie condições para o crescimento acelerado também pressupõe mudanças no acerto político que transforma o exercício de poder num mero leilão de cargos e favores em troca de apoios circunstanciais e efêmeros.

A conclusão é simples e desagradável: estamos empacados e nada acontecerá em 2014. Mas, se não iniciarmos agora uma discussão profunda que redefina prioridades para o uso dos recursos públicos, nada também acontecerá nos próximos anos. Não estamos fazendo piquenique à beira de um vulcão. O que nos ameaça não é uma crise, mas uma pegajosa mediocridade. Ou seremos capazes de engendrar um novo pacto social que sustente um vigoroso crescimento ou ficaremos presos por longo período na armadilha que combina baixo crescimento e inflação alta. Como Giovanni Drogo, esperaremos em vão.

FOLHA DE SP - 14/04

SÃO PAULO - Os governantes culpam os céus. Falta chuva, a lavoura padece, a comida encarece, a inflação perturba, e as represas das águas de beber e de energizar se esvaziam, dizem. Mas a história não é bem essa. Muita areia e pouco caminhãozinho, os males do Brasil são.

Quando o mau clima restringe a oferta de alimentos, eles ficam mais caros e empurram o custo de vida, certo? Nem sempre. Depende da reação do consumidor.

O salário estagnado, a escassez de crédito na praça e a perspectiva de ficar desempregado promovem um certo tipo de comportamento. Se o tomate encareceu, evito o tomate. Se gastei mais no supermercado, deixo de ir ao cabeleireiro. O somatório desses ajustes domésticos inibe a escalada inflacionária.

A conduta selecionada, contudo, é diferente em momentos de baixo desemprego, acesso fácil aos empréstimos e alta dos vencimentos. Não deixo de comprar tomate nem de cortar o cabelo e coloco lenha na fogueira da inflação. O Brasil ainda está mais próximo desta situação hipotética que da descrita no parágrafo anterior.

O apetite pelo consumo também influencia o nível dos reservatórios, que é a diferença entre a água que entra e a que sai. Falta chuva, mas o quadro preocuparia menos se o consumo de água e energia não tivesse avançado rapidamente nos últimos anos, como efeito da alta na renda e no crédito dos brasileiros.

No caso da eletricidade e da água, entretanto, os preços ao consumidor não refletem o progressivo gargalo na oferta. Governos estaduais e o federal se endividam e arrocham empresas estatais para mascarar o efeito da cavalgada de custos. O cidadão não recebe estímulo para reduzir o consumo, e a situação piora.

O remédio, dizem os economistas mais informados, passa por anos de crescimento baixo, mas dificilmente por uma recessão. Será? Começo a ter dúvidas.

 VALOR ECONÔMICO -14/04

A China deve ser, mais uma vez, o alvo principal das medidas

Governo e empresas brasileiras preparam-se para uma nova etapa em matéria de defesa comercial, dispostos a usar com maior empenho um instrumento ainda pouco conhecido no país. Mais uma vez, a China deve ser o alvo principal - embora não o único - das medidas que têm como objetivo impedir que mercadorias e matérias-primas entrem no mercado brasileiro com preços artificialmente baixos. A novidade são as chamadas "medidas compensatórias", para punir importados beneficiados por subsídios ilegais em seus países de origem. O Ministério do Desenvolvimento vai editar, ainda neste ano, um decreto para regular o tema.

Essas medidas, em geral, tomam a forma de aumento de tarifas para produtos específicos, beneficiados por subsídios na origem. No fim da década de 90, o coco ralado vindo da Ásia e da África foi sujeito a tarifas de 55% como punição e proteção aos produtores brasileiros ameaçados por concorrência desleal. A China, parceiro do Brasil no grupo Brics (que reúne, além dos dois, Índia, Rússia e África do Sul) está no radar das indústrias interessadas em obter medidas compensatórias contra a concorrência. Os chineses já são afetados por medidas compensatórias nos EUA, União Europeia, Canadá e Austrália.

Papel especial de impressão, sais de fosfato, manufaturados de ferro como tubos, pias de aço, células fotovoltaicas e torres de energia eólica, alguns já submetidos a elevadas taxas de importação, estão entre os produtos com taxação punitiva imposta pelos americanos contra a China. Pagam alíquotas que chegam a 374%. Os EUA são responsáveis por mais da metade das medidas compensatórias hoje aplicadas no mundo. São 32 medidas, 30 delas contra a China. O Canadá aplica contra os chineses 10 das 13 medidas que têm em vigor.

Dos instrumentos de defesa comercial aplicados entre 1995 a 2008 pelo G-20, o grupo das economias mais influentes, apenas 6% eram de medidas compensatórias. Esse número aumentou para 9% no período entre 2008 e 2013. Há um crescimento claro no uso desse tipo de mecanismo, constata o especialista da Confederação Nacional da Indústria, Fabrizio Panzini. E a China é uma das razões dessa tendência.

Com o reconhecimento obrigatório da China como economia de mercado a partir de 2016, em acordo na Organização Mundial do Comércio, os países perderão facilidades que têm hoje para aplicar, sobre produtos chineses, medidas antidumping. Hoje, as investigações para constatar dumping (preço abaixo do normal) em importações chinesas podem usar como comparação preços em outros mercados.

O secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, confirmou ao Valor a intenção de editar até o fim do ano o decreto com as medidas compensatórias e iniciar, em breve, consultas para aperfeiçoar outro mecanismo de defesa, as salvaguardas (usadas em caso de forte onda de importações que ameacem o produtor local). Ele afirma que um dos objetivos da regulamentação é facilitar e simplificar o acesso ao mecanismo.

Os importadores também terão medidas que os beneficiem, adianta ele: o governo quer acabar com a exigência de que as petições e respostas dos exportadores estrangeiros sejam obrigatoriamente em português, e poderá aceitar documentos em inglês, língua franca do comércio internacional. "Temos obrigação de tornar os processos mais fáceis para todos", garante Godinho. "Vamos simplificar ao máximo."

A CNI e pelo menos mais 20 associações de indústria pressionam o governo para que as mudanças tragam medidas preventivas capazes de brecar importações suspeitas antes mesmo do fim das investigações. Como já acontece no caso das atuais investigações antidumping, os empresários querem a possibilidade de medidas preventivas, em caso de fortes indícios de irregularidade. Godinho indica que esse pedido deve ser atendido no novo decreto.

"A medida preventiva é prevista na OMC; é preciso no mínimo seis meses para adotar medida provisória e ela pode valer por até quatro meses", lembra ele. "No caso das medidas compensatórias, as regras são um pouco mais complicadas", ressalva. É necessário criar um depósito ou fiança para o importador.

Godinho alerta para outras dificuldades no uso das medidas compensatórias, como a complexidade na verificação dos subsídios e seus efeitos sobre o comércio de produtos determinados. Desde 2011, houve, no país, pedidos para abertura de nove investigações. Seis foram abertas e três afetam importações asiáticas e africanas de matérias-primas petroquímicas.

A indústria brasileira quer que o decreto traga menos exigências para abertura de investigações, em caso de setores com grande número de empresas afetadas, onde é mais difícil verificar os efeitos das importações desleais. Quer também regras que facilitem a definição do que é subsídio punível com as medidas, explicitando, por exemplo, que o apoio conferido pelos países a suas estatais exportadoras as sujeitam a medidas compensatórias.

Poder aplicar medidas para compensar movimentos acentuados da taxa de câmbio faz parte dos desejos do setor privado brasileiro. Também se pede que a compensação seja calculada, como na Europa, com base na "margem cheia", o valor total da vantagem conferida pelo subsídio, e não só pela perda verificada nos competidores nacionais.

A modernização das medidas de defesa comercial tem elementos para agradar até os potenciais prejudicados, países estrangeiros, caso seja cumprida a promessa de mais agilidade e transparência nos processos. Ela não pode, porém, servir para abrigar anseios meramente protecionistas, que, em longo prazo, só contribuem para preservar a lamentável falta de competitividade do país.


FOLHA DE SP - 14/04

BRASÍLIA - A valentia demonstrada em público por muitos nos últimos dias não passa de fachada. O sentimento que predomina em Brasília, salvo algumas exceções, é de temor em relação ao que pode vir por aí de uma CPI da Petrobras e, principalmente, da Polícia Federal.

O medo só fez aumentar na última sexta-feira, depois que a PF iniciou a segunda fase da operação Lava Jato, focada em operações da petroleira. Naquele dia e no fim de semana, as conversas entre atores políticos e empresariais versavam sobre o risco de perda de controle.

Sinal de que há muita coisa arquitetada de forma nada republicana em negócios com a estatal que, se vier a público, pode complicar a vida de muita gente tida como boa nos gabinetes da capital federal.

Não é de hoje que o corpo técnico da estatal, aquele não se mete em relações políticas para galgar cargos, reclamava do uso político da Petrobras e dos consequentes negócios feitos por essa turma na empresa.

Lembro de ter ouvido, de um deles, que as negociatas ganharam proporções insuportáveis. Pedi informações para levantar algumas delas. Resposta: coisa de profissional, não deixam rastros. Mas um dia a casa cai, desabafou ele. Talvez tenha chegado tal momento.

Daí o medo que toma conta de Brasília, principalmente daqueles que, nos últimos anos, apadrinharam diretores na estatal. Daí que, em nome da sobrevivência, tudo indica que deve ser acionada a tropa de choque governista para sufocar qualquer tipo de investigação. Ainda mais em ano eleitoral.

A politicalha diz que a presidente Dilma não havia compreendido que, mesmo livre de qualquer conexão com malfeito na estatal, seu governo corre o risco de ser uma das vítimas de uma devassa na Petrobras.

Como explicar, por exemplo, o apoio em sua campanha de aliados que se lambuzaram na estatal. Daí que, em nome da eleição, o medo deve vencer a valentia. A conferir.

O Estado de S.Paulo - 14/04

A eleição presidencial de 2014 é boa de perder. Nada indica que o eleito este ano terá quatro anos fáceis pela frente. Muito ao contrário. A crise de energia ainda não chegou ao auge. Tampouco a crise de abastecimento de água. E há um El Niño nascendo no Oceano Pacífico, pronto para alterar o regime de chuvas no Brasil, com secas no Norte e Nordeste e mais calor no Sudeste.

Somem-se todos os desarranjos da economia: inflação mal resolvida, juros em alta, capital especulativo entrando e saindo de uma hora para outra, gastos públicos, mas investimento em baixa. A lista é grande, e sugere a necessidade de um freio de arrumação. Se a freada vier em 2015, quanto tempo será preciso para reacelerar?

Fernando Henrique Cardoso ganhou uma eleição assim em 1998. A freada, na forma de desvalorização do real, veio logo no começo do segundo mandato. Quatro anos não foram suficientes para a economia engatar nem uma terceira marcha, quanto mais deslanchar. O resultado foi 12 anos de governos do PT - alimentados pelo contraste econômico entre os últimos quatro anos de governo tucano com os primeiros oito do governo petista.

Essa mágica está perdendo a graça, porém. A comparação que o eleitor faz hoje é do PT com o PT, de Dilma Rousseff com Luiz Inácio Lula da Silva. Do presente com o passado imediato, não com o remoto. Lula é e continuará sendo a grande assombração da campanha pela reeleição da presidente. Cada aparição, cada entrevista do padrinho reforçará no eleitor dúvidas sobre a afilhada.

O "volta, Lula" prevalecerá, então? Não, se os instintos de sobrevivência política do ex-presidente estiverem intactos. O roque de Dilma por Lula implica admitir o fracasso de ambos - dela como gestora, dele como responsável por sua eleição. Mesmo que venha embrulhado em alguma razão de saúde, o risco de parecer uma manobra aos eleitores não é nada desprezível.

Mais arriscado ainda é se a chicana der certo. Lula estaria disposto a sacrificar o começo de um eventual novo governo com medidas impopulares na esperança de recobrar o crescimento econômico em tempo de buscar o quinto mandato seguido do PT? Arriscaria o status de mito político por quatro anos no poder sob condições bem menos favoráveis do que as que teve?

Uma aventura assim só se encara se a alternativa for pior. Será o caso? Todos os sinais detectáveis nas pesquisas indicam que 2014 é uma eleição mudancista em todos os níveis de governo. Dois em cada três eleitores querem mudanças profundas. Dilma lidera a corrida presidencial porque de 25% a 30% dos que querem mudança ainda acreditam que ela é a mais apta a fazê-las.

Essas estatísticas enchem a oposição de esperança, mas, ao mesmo tempo, mantêm Dilma como favorita. Se a presidente conseguir convencer os mudancistas simpáticos a ela de que pretende mudar, terá boas chances de se reeleger. Seria o quarto mandato seguido do PT - feito inédito no Brasil. Nada mal.

A outra opção é a oposição ganhar a eleição e herdar a crise energética, o desarranjo econômico e a necessidade de ser impopular - pelo menos no começo do mandato. O PT pularia para a oposição e faria tudo o que acusa os opositores de fazerem hoje - mas, provavelmente, com mais competência. Numa campanha em 2018 Lula teria 72 anos. FHC tinha 71 ao lhe passar o poder.

O mesmo vale para Eduardo Campos (PSB). Se perder e sobreviver ao relento político, o pernambucano poderá voltar em 2018 como alternativa ao dualismo PT-PSDB. Com a diferença de que terá só 53 anos.

Essas divagações vão além dos quatro anos, que é o horizonte da maioria dos cálculos políticos e eleitorais no Brasil. São, portanto, para o padrão nacional, de longo prazo. E, como disse John Maynard Keynes, no longo prazo estaremos todos mortos.

GAZETA DO POVO - PR - 14/04

Em entrevista a blogueiros, o ex-presidente defendeu controle da imprensa e disse querer “reescrever a história” do mensalão



Na terça-feira passada, o ex-presidente Lula repetiu um gesto de 2010, quando ainda ocupava o Planalto, e concedeu uma entrevista a uma série de blogueiros escolhidos a dedo: todos assumidamente de esquerda, vários recebendo verba de publicidade governamental (as prefeituras petistas de São Paulo e Guarulhos são as presenças mais comuns), e que só não são completamente chapa-branca porque fazem, sim, suas críticas ao governo: quando avaliam que as ações do Planalto não estão levando o país ao socialismo com a rapidez que esses blogueiros gostariam de ver. Enfim, uma trupe responsável por fazer propaganda política travestida de “jornalismo” ou “análise da grande imprensa”. Com uma plateia tão simpática, Lula deitou e rolou, sem a menor vergonha de deixar claro qual o seu projeto para o Brasil – e o que disse deveria deixar de cabelos em pé todo brasileiro comprometido com a democracia.

A imprensa livre foi o maior alvo de Lula ao longo de toda a entrevista. Enquanto estava no Planalto, ele até tratava do tema, mas deixou para seu ministro Franklin Martins o papel de desferir os ataques mais diretos à liberdade de imprensa, levando não poucos a imaginar que se tratava de uma briga particular de Martins, plataforma da qual Lula manteria certa distância. Mas o ex-presidente desfez na terça-feira qualquer ilusão que pudesse haver a respeito de sua posição pessoal sobre o assunto. “Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país (...) Temos de retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade”, afirmou o ex-presidente.

Para Lula, são os blogs chapa-branca, e não a imprensa livre, que mostram a verdade ao leitor. “Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade, e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm de começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça”. Difícil imaginar que tipo de “neutralidade” ofereceriam os entrevistadores de Lula.

Como prova da “manipulação” provocada pela imprensa, Lula não podia deixar de citar o mensalão. “A imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento”, disse o ex-presidente, achando “indescritível” que “uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [no caso, os Correios], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT”. Insistindo, contra toda a evidência, que não houve mensalão, Lula diz que a história do escândalo precisa ser reescrita “e, se eu puder, vou ajudar a recontá-la”. De reescrever a história o ex-presidente entende bem, já que, durante seus oito anos de mandato, fez parecer que seu partido havia fundado o Brasil em 2003, ignorando que boa parte dos bons resultados socioeconômicos que colheu foi plantada por seus predecessores na Presidência.

Lula ainda defendeu uma ruptura institucional, ressuscitando a ideia de Constituinte exclusiva para a reforma política, uma aberração que Dilma Rousseff lançou no auge dos protestos de 2013 e que, felizmente, foi abortada. “Sou favorável à Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Não tem outro jeito”, defendeu o ex-presidente, cuja agressividade atual contrasta fortemente com o Lula “paz e amor” de 2002 – e não é difícil descobrir qual deles é o verdadeiro.

“Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”, disse Dilma Rousseff em um dos trechos mais felizes do seu discurso de posse, em 2011. Por mais críticas que tenhamos à presidente, este é um ponto no qual ela se mostra muito mais comprometida com a democracia que seu antecessor e criador. Mas, como bem mostrou a reunião de emergência entre ambos no dia 4 para discutir a crise na Petrobras, é impossível saber quem realmente manda. Que Dilma tenha força para se manter fiel ao discurso e impedir que prevaleça a visão lulista, sem compromisso com os valores da democracia.


CORREIO BRAZILIENSE - 14/04
Preocupado com o calendário eleitoral e vendo a inflação disparar, apesar do aperto na política monetária (aumento dos juros), o governo recebeu como presente a sugestão de usineiros para aumentar o percentual de etanol anidro na gasolina. Um ano depois de ter sido aumentada de 20% para 25%, a participação do combustível na mistura pode passar nas próxima semanas para 27,5%. Os entendimentos entre os ministros da Agricultura, Neri Geller, e de Minas e Energia, Edison Lobão, estão avançados, com o aplauso da equipe econômica, para a qual é um alívio qualquer medida que retarde a corrida dos preços.
É mais uma demonstração de como tratar com desprezo e visão de curtíssimo prazo programa que tinha tudo para ser um orgulho e uma bandeira do Brasil. Desde que passou a praticar uma política de preço político para a gasolina - com prejuízos para a Petrobras e o país -, o governo acabou inviabilizando a progressão do etanol da cana e de outras origens. O hidratado (aquele que vai da bomba para o tanque dos carros) é rejeitado pelo consumidor quando o preço passa de 70% do da gasolina. Nos últimos anos, os usineiros ficaram com o biocombustível encalhado, incapaz de concorrer com o preço subsidiado do derivado do petróleo.

Por isso, recolheram os projetos de investimentos em novas usinas e destinaram a maioria da cana colhida à produção de açúcar. Afinal, é assim que funciona uma empresa privada que, diferentemente da Petrobras ou de qualquer estatal, não tem o dinheiro do povo para cobrir prejuízos. Enquanto a produção de etanol decaiu, o crédito a perder de vista e a redução localizada de impostos inundaram as ruas do país de carros. A maioria (62%) dotada de mais um milagre brasileiro: o motor flex, capaz de usar álcool, gasolina ou os dois em qualquer proporção.

Do lado dos usineiros, o aumento do percentual do etanol anidro na gasolina faz sentido, pois trata-se de venda sob contrato com as distribuidoras. Isso dá a eles uma das coisas que mais tem faltado no negócio do etanol: segurança (a outra é lucratividade para bancar novos investimentos). Mas, assim como o adiamento forçado do reajuste da gasolina para evitar impacto inflacionário, essa é, também, uma motivação de curto prazo.

São medidas assim que explicam por que, depois de criar, em 1975, o Pró-Álcool - uma das raras e brilhantes soluções para a crise do petróleo que abalava a economia mundial naquela época -, o Brasil chegou à vergonhosa situação atual. Não apenas continuamos a tratar mal o programa do qual deveríamos ter orgulho, como estamos pagando o mico por não conseguirmos atender a demanda interna e ter de importar etanol dos Estados Unidos, a quem criticamos por produzi-lo a partir do milho (mais caro).

Não é só o país que perde com essa falta de visão e de planejamento de longo prazo. Mais dia, menos dia, o consumidor também paga o pato. De saída, os proprietários de 38% da frota nacional, cerca de 14,5 milhões de automóveis e comerciais leves movidos só a gasolina, terão problemas para ligar e acelerar o motor de seus carros. E todos os demais deixam de contar com a alternativa confiável, mais barata e menos poluente do etanol, fazendo do motor flex uma inutilidade sob o capô da incompetência.

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