quarta-feira, 23 de abril de 2014

Artistas perdem vergonha de "vaquinha" e lançam CDs com a ajuda do público


Tiago Dias
Do UOL, em São Paulo
  • Patrick Grosner/Divulgação
    Marquim, Caio Cunha, Digão e Canisso comemoram o oitavo disco do Raimundos -- o primeiro financiado pelos fãs Marquim, Caio Cunha, Digão e Canisso comemoram o oitavo disco do Raimundos -- o primeiro financiado pelos fãs
A essa altura talvez pareça desnecessário explicar o que é crowdfunding. Desde que o financiamento coletivo se popularizou no país, por volta de 2010, o brasileiro doou e aderiu a projetos de festas, arte, shows internacionais, jornais independentes e até bloco de Carnaval.
Mas, embora a música seja o assunto de maior interesse e uma das áreas que mais crescem entre as "vaquinhas" online, somente agora artistas brasileiros de renome internacional ou com anos de carreira aderiram à prática.
 
"Tínhamos um medo danado de não alcançar a meta", revela Canisso, baixista do Raimundos, ao UOL. Com mais de 20 anos de estrada, a banda lançou recentemente o oitavo trabalho, "Cantigas de Roda", o primeiro de estúdio em mais de 10 anos e o primeiro sem o auxílio e dinheiro de uma gravadora. "Hoje em dia somos nossa gravadora, e nossos fãs são os donos dela", avalia.
 
O Raimundos não foi a primeira banda a conseguir tal feito no "crowdfunding". Desde 2011, as bandas Autoramas e Forfun já haviam conquistado mais do que a verba necessária para lançar seus trabalhos. Mas o grupo de Brasília, um dos mais significativos do rock nacional na década de 90, jogou luz na ferramenta.
 
"O que está acontecendo é que rompemos a barreira do 'crowdfunding'", explica Bernardo Palmeira, sócio e diretor artístico do site Embolacha, que promove esse tipo de financiamento. "Havia resistência por parte dos músicos para pedir dinheiro. Se isso era realmente bem visto."
 
"Hoje em dia somos nossa gravadora e nossos fãs são os donos dela" Canisso, do Raimundos
 
A indústria musical, viva aos trôpegos, também ajudou na descoberta. Bernardo já trabalhou em grandes gravadoras, como Universal e Sony, e, após criar um selo independente, o Bolacha Discos, investiu em 2011 na criação do site, com foco exclusivo na música.
 
"As gravadoras antigamente ofereciam um valor antecipado, e aquilo se convertia em produto. Mas tudo isso já foi por água abaixo. Os artistas viram que o 'crowndfunding' nada mais é do que compartilhar um trabalho direto com o fã, o único que nunca sai do seu lado."
 
Divulgação
Capa do disco "Cantigas de Roda" (2013), do Raimundos: mimo exclusivo dos doadores
 
O Raimundos que o diga. Com a ajuda de 1,6 mil fãs, a banda ficou surpresa ao arrecadar R$ 123 mil para a gravação do álbum, mais que o dobro do valor solicitado: R$ 55 mil. Os fãs recebem ingressos, autógrafos, encontros e nome nos agradecimentos como contrapartidas, além do mimo maior: o próprio disco físico, exclusivo dos doadores. Quem não colaborou só consegue ouvir o trabalho na versão digital.
 
Canisso conta que chegou a sondar gravadoras para gravar "Cantigas de Roda", mas que, na ponta do lápis, eles descobriram que o financiamento dos fãs daria mais liberdade artística e financeira.
 
"O valor para produzir um disco não muda, mas as propostas que a gente recebia queriam uma mordida nos ganhos dos shows. Eles agora querem seu sangue. Fizemos uma estimativa do que eles poderiam oferecer para a gente. Divulgação? Distribuição? Vamos pagar o escritório de divulgação. É a mesma que as gravadoras estão usando. É mais vantagem você pagar tudo sozinho", afirma.
 
Foi Canisso que explicou, no papel de um professor de cursinho, as fórmulas básicas do "crowdfunding" no vídeo de apresentação do projeto, a grande arma para que a campanha ganhe notoriedade e participação. Agora o músico relembra a primeira fase da banda, quando não apenas tocava baixo, mas trabalhava nos bastidores para fazer o Raimundos acontecer. "Minha casa está cheia de pilhas de discos. Eu e a patroa aqui estamos distribuindo-os por correio para os colaboradores".
 
Andre Muzell / AgNews
Gabriel Thomaz, vocalista da banda Autoramas: dois trabalhos financiados via crowdfunding
 
"Seus pais sabem?"
 
Com prestígio internacional, o baiano Lucas Santtana já estava com um disco pronto quando pensou em alternativas para lançá-lo de maneira rápida e menos nociva ao próprio bolso. Para pagar mixagem, masterização, projeto gráfico e fabricação das mídias, pediu R$ 21 mil. Faltando 45 dias para a meta ser alcançada, já tem R$ 9 mil no caixa. Para tal, lançou mão de um vídeo cômico, com a participação do ator Felipe Rocha, no qual explica o projeto sem deixar de caçoar da própria condição. "Seus pais sabem que você está pedindo dinheiro?", questiona o amigo ao cantor.
 
Lucas, que já participou de editais para lançar os últimos trabalhos, vê o "crowdfunding" como mais uma opção para os artistas. "A questão é que são poucos editais e todos eles têm uma curadoria. É algo bem legal, mas uma roleta russa", revela o compositor.
 
Quem optar pelos pacotes mais caros do projeto -- de R$ 2 mil a 10 mil -- ganha uma discotecagem de Santtana ou um show acústico na casa do doador.
 
Já o cantor e compositor Daniel Belleza foi pelo mesmo caminho ao financiar seu "Canções para Crianças de Todas as Idades" em 2013. Para arrecadar R$ 10 mil, chegou a oferecer um curso de truco "avançado", uma serenata e uma canção dedicada ao fã que doasse R$ 350.
 
"A música já foi feita, só falta gravá-la. O que mais me surpreendeu foi a aceitação das pessoas em relação à minha campanha bem-humorada. Achei que metade das pessoas iria acabar me deletando das redes sociais", conta Daniel ao UOL, aos risos.
 
Andre Muzell / AgNews
Gabriel Thomaz, vocalista da banda Autoramas: dois trabalhos financiados via crowdfunding
 
No múltiplo papel de artista e divulgador de próprio trabalho,  Gabriel Thomaz, vocalista e guitarrista do Autoramas,  afirma que o processo pode ser revelador. "A gente se organiza e restabelece as regras antidemocráticas impostas. Estamos passando por cima de tudo", defende. "Internacional", o primeiro DVD da carreira, é o segundo trabalho da banda a nascer de parto coletivo. O primeiro foi o disco "Música Crocante" (2012). "Sempre tiramos [dinheiro para gravar um disco] do nosso bolso, do nosso cachê. Mas tendo o recurso antes, é muito melhor. É algo que dá trabalho. Seria muito melhor só tocar, gravar e viajar, mas estamos aí realizando."
 
O Catarse, um dos sites de "crowdfunding" mais populares no país, estuda lançar um canal exclusivo para projetos musicais. Cerca de 22% do total de 1.756 projetos que já passaram pela plataforma são da área. O maior arrecadador da história do site, entre todos os projetos concluídos, foi a banda carioca Forfun, em 2012, no lançamento do DVD "Ao Vivo no Circo".  Foram R$ 187 mil arrecadados. O Raimundos aparece em 4° lugar. 
 
Em quatro meses, os projetos musicais do Catarse já chegam próximo a toda a produção de 2011. Estão incluídos aí os próximos álbuns da banda Ludov e do ex-Planet Hemp Black Alien, com o segundo volume de "Babylon By Gus" (2004). 
 
Rodrigo Santos, do Barão Vermelho, planeja engrossar a lista com seu segundo projeto solo por "crowndfunding", após o DVD "Ao Vivo em Ipanema". "A gente sofre para apresentar um trabalho nas cenas independentes. Acho que isso pode ser maior no futuro. É a vaquinha da época da faculdade", explica.
 
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Ney Matogrosso x Gerson Conrad x Secos e Molhados - separados desde 1974 :: A banda teve uma carreira meteórica. Surgiu, se tornou um fenômeno e acabou em pouco mais de 1 ano, sem dispensar muita briga envolvendo problemas financeiros e desacordos no comando empresarial da banda. João Ricardo e Ney Matogrosso, desde então, nunca mais se falaram. Gerson Conrad, o terceiro elemento, afirmou em entrevista ao UOL que anos atrás ofereceram R$ 5 milhões para a volta da formação original, mas as rusgas ainda são muito profundas para que isso ocorra Leia mais Reprodução

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