quarta-feira, 16 de abril de 2014

LEITURA DIGESTIVA



O GLOBO - 16/04
O depoimento da presidente da Petrobras, Graça Foster, serviu para reforçar a necessidade da CPI pedida pela oposição, em vez de desanuviar o ambiente político, como pretendia o Palácio do Planalto. Ela confirmou que um mau negócio foi autorizado pelo conselho da empresa sem que seus membros tivessem os dados completos para analisar.
Ao admitir que o prejuízo da compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, foi de US$ 500 milhões, Graça só complementou com números o sincericídio da presidente Dilma, que havia admitido semanas antes que desconhecia duas cláusulas contratuais que considerou danosas aos interesses da Petrobras: a que obrigava uma das partes a comprar os demais 50% da companhia em caso de litígio, e a que garantia à vendedora um rendimento fixo ao ano próximo a 7%, independentemente dos resultados.

Não foi à toa que as ações da Petrobras começaram a cair na Bolsa de SP durante o depoimento no Senado. É preciso saber por que um mau negócio foi feito com documentos falhos, e a quem interessou no momento levar o conselho da Petrobras a tomar decisão errada.

É preciso esclarecer também por que diretores nomeados por pressões políticas foram responsáveis por decisões tão delicadas. O governo Dilma tenta se livrar de culpa, mas leva à suspeição de que pelo menos em gestões anteriores, no governo Lula, a política dominou as ações dentro da Petrobras.

Graça garantiu que em sua gestão não há diretores nomeados por critérios políticos, que todos são técnicos reconhecidos na empresa e no mercado profissional. Que assim seja. Mas é preciso que a CPI investigue desde quando, e até quando, as decisões políticas prevaleceram na empresa, e suas consequências.

O ex-diretor Paulo Roberto Costa, por exemplo, está preso e será indiciado por diversos crimes: lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraudes em licitações, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha. É preciso investigar com independência para saber desde quando ele atuava nesses ramos, e que outros prejuízos causou à Petrobras.

Sabe-se que o indigitado diretor estava anteriormente em situação peculiar na empresa, encostado em cargo desimportante justamente porque era reconhecido no meio em que trabalhava como não confiável.

Por que o presidente José Gabrielli, ao assumir, saído de uma escolha petista, retirou-o do limbo para colocá-lo na importante Diretoria de Operações?

Outro caso intrigante, para dizer o mínimo, é o de outro diretor, Nestor Cerveró, demitido nada menos que oito anos depois dos fatos ocorridos. Ele foi o autor do relatório tecnicamente falho que levou o conselho da Petrobras, presidido pela então ministra Dilma Rousseff, e composto por empresários do porte de Jorge Gerdau e Fabio Barbosa, a tomar a decisão errada.

Quando se descobriu, dois anos depois, que a cláusula de obrigatoriedade de compra da outra metade da refinaria seria prejudicial à Petrobras, Cerveró foi punido, segundo explicou ontem Graça: foi transferido para a Diretoria Financeira da Petrobras Distribuidora.

Que poderes tinha Cerveró, ou seu padrinho, para protegê-lo dessa maneira, contra todas as evidências? Como se vê, a necessidade de uma CPI independente só fez aumentar depois que a presidente da Petrobras esteve no Senado tentando acalmar os ânimos.

A renúncia da renúncia

Não é a primeira vez em que alguém do PT renuncia a uma renúncia anunciada. Depois de ter renunciado irrevogavelmente à liderança do partido no Senado, pelo apoio do Planalto ao então presidente do Senado, José Sarney, que respondia a um processo, o hoje ministro Aloizio Mercadante deu o dito por não dito após uma conversa com o presidente Lula.

Ontem foi a vez do ainda deputado federal André Vargas, mas sua renúncia atende a seus interesses próprios, e não aos do PT. Acontece que a Constituição determina que a renúncia de um parlamentar não encerra o processo de cassação de mandato a que ele responde.

Essa emenda, de 1994, foi aprovada para impedir que o sujeito escapasse da cassação e pudesse se candidatar de novo na eleição seguinte. Com a Lei da Ficha Limpa, de 2010, essa decisão tornou-se inócua, pois o parlamentar nessa condição fica inelegível por oito anos.

Como sua renúncia não traria benefício, Vargas resolveu tentar a sorte e permanecer no posto, lutando por sua absolvição, mesmo que pareça impossível.

Pior para o PT, que sangrará junto com o ex-vice-presidente da Câmara por mais tempo.

O GLOBO - 16/04

Seria inaceitável a entidade seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar índices de inflação



A experiência desaconselha misturar interesses político-partidários com instituições públicas de pesquisa, entre outras. Como prova, aí está o problema criado pela senadora petista Gleisi Hoffmann (PR) — aguerrida defensora do governo Dilma, de quem foi ministra-chefe da Casa Civil — com o corpo técnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade respeitável do Estado brasileiro. A polêmica trata de parte da nova pesquisa por amostra de domicílios, a “Pnad Contínua", importante aperfeiçoamento na apuração de indicadores sócio-econômicos no Brasil, por ser aplicada num universo bem mais amplo que a conhecida Pnad. Ao abranger 3.500 dos 5.700 municípios, ela garante informações mais precisas.

A questão é que sairão da nova Pnad os dados regionais de renda para efeito de cálculo dos novos parâmetros aos quais se subordinará a distribuição dos recursos do fundo de participação de estados e municípios — um assunto crucial para governadores e prefeitos.

O problema começou quando a senadora colocou sob suspeita a capacidade de o IBGE fornecer informações de qualidade para a recalibragem do fundo de participações, e nos prazos legais. O conselho diretor do IBGE suspendeu a Pnad Contínua, jogando sua retomada para 2015 — depois das eleições. De maneira compreensível, a diretora do IBGE Marcia Quintslr se exonerou, sendo acompanhada por técnicos. Entende-se o gesto como pertinente ação cautelar diante de precedentes de interferência político-partidária. O exemplo mais conhecido é a ingerência de frações petistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também estatal, durante um certo período, quando chegou a haver uma caça ideológica às bruxas. Seu presidente à época, o economista Márcio Pochmann, depois candidatou-se pelo partido, sem êxito, à prefeitura de Campinas.

Foi lógico relacionar a ação da senadora ao fato de a Pnad Contínua, por características técnicas, mostrar um índice de desemprego diferente daquele que é divulgado mensalmente. Mesmo que os números não possam ser comparados, os 7% de desemprego da nova pesquisa desagradam os marqueteiros da campanha de Dilma, já certamente com peças de propaganda nas gavetas para exaltar o índice de 5% apurado pelo indicador velho, em apenas seis regiões metropolitanas.

O clima ontem à tarde era de desanuviamento. Os técnicos tratam de reformular o esquema de trabalho, para a Pnad Contínua fornecer os dados de renda regionais nos prazos legais, enquanto a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, considera tudo um mal-entendido e reafirma que o instituto tem total autonomia operacional.

Melhor assim. Seria inaceitável o IBGE seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar as taxas oficiais de inflação. Como Casa Rosada e Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante.

O Estado de S.Paulo - 16/04

É velho como a linguagem humana o ardil de pôr na boca do outro palavras que ele jamais disse, para abafar aquelas, de fato proferidas, que não se conseguem contestar. A falsificação dos argumentos alheios visa a virar o fio do debate a fim de que o falsário se desvencilhe de sua posição claramente insustentável, na esperança de empurrar o adversário para a defensiva. Em ambientes polidos, chama-se a isso desonestidade intelectual. No léxico da atualidade política brasileira, o nome da manobra é mais rombudo: ir para cima.

Foi o que o ex-presidente Lula ordenou ao PT e à sucessora Dilma Rousseff para exorcizar as turbulências que se acumulam ao seu redor, ameaçando estilhaçar a fantasia de que a reeleição eram favas contadas. Já não bastassem a inflação, o desempenho capenga da economia e o desejo de mudança em geral compartilhado, segundo as pesquisas, por 7 em cada 10 eleitores, as entranhas entrevistas da compra da Refinaria de Pasadena, envolvendo pessoalmente a chefe do governo em momentos distintos, terminaram por desencadear a chamada tempestade perfeita sobre o Planalto petista.

A primeira ida para cima da presidente foi a declaração de que não recuaria um milímetro da "disputa política" - como aludiu à iniciativa da oposição de criar uma CPI sobre Pasadena e outras histórias mal contadas que forram a caixa-preta da Petrobrás. A "disputa política" foi parar no STF. O problema, para o governo, é que três dias depois de tudo começar, com Dilma dando a sua versão sobre o que a fez apoiar, em 2006, a compra da refinaria, a Polícia Federal prendeu um ex-funcionário graduado da estatal, Paulo Roberto Costa, suspeito de ligações com um amplo esquema de lavagem de dinheiro.

A partir daí a imprensa começou a desembaraçar o novelo de suas relações com a empresa onde ainda conservava suficiente influência para beneficiar fornecedoras que contribuiriam para os partidos que ele indicasse. O noticiário e sua ampla repercussão levaram Dilma a ir de novo para cima - e para baixo. Na segunda-feira, em um evento no Porto de Suape, em Pernambuco, ela denunciou o que seria uma "campanha negativa" contra a Petrobrás, motivada pelo alegado intento oposicionista de destruí-la para promover a sua privatização. A teoria conspiratória não tem fundamento.

É fato que, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique - mas não com o seu endosso, ao que se saiba - setores do PSDB flertaram com a eventualidade de incluir a petroleira no programa de desestatização da economia. Embora a ideia não tivesse prosperado, o PT a usou como cavalo de batalha na campanha de 2006 contra o candidato tucano Geraldo Alckmin. Agora, ao atribuir à oposição o que nenhum de seus líderes nem sequer insinua, Dilma não apenas tenta situá-la na contramão do sentimento nacional, mas, principalmente, acobertar o descalabro em que o PT mergulhou a maior empresa do País.

A derrocada inclui, mas está longe de se limitar às "ações individuais e pontuais, mesmo que graves", a que a presidente quer confinar a crise na Petrobrás. De má-fé, por sinal, acusou os adversários de "esconder" que em 2003, quando Lula assumiu, a petroleira valia US$ 15 bilhões, e hoje vale US$ 98 bilhões. Ela, sim, escondeu que, em 2010, a empresa chegou a valer US$ 228 bilhões. Nenhuma palavra, tampouco, sobre o fato de ter mandado a Petrobrás vender gasolina por menos do que pagou por ela no exterior, porque, a exemplo do que se fez no regime militar, o governo manipula o preço do combustível para segurar a inflação.

Pelo mesmo motivo, está destruindo o setor do etanol, sem condições de competir na bomba com a gasolina subsidiada. Em nada se distinguindo de Lula, a começar do macacão alaranjado que ela e a presidente da estatal, Graça Foster, envergavam, Dilma dispensou-se, na sua diatribe, de falar da queda do ritmo da exploração e da extração de petróleo no País porque, com o caixa no osso, a Petrobrás não consegue bancar os 30% do custo das operações que a lei passou a lhe impor, para assegurar a sua prevalência nas parcerias que viesse a formar.

Não foi a oposição, mas o governo que levou ao buraco a empresa "que nosso povo construiu com tanto suor e lágrimas".

FOLHA DE SP - 16/04
Não é só com a conclusão de estádios e obras de infraestrutura para a Copa do Mundo que o brasileiro tem razão de preocupar-se, uma vez que a abertura se dará em 12 de junho num estádio ainda inacabado. Há motivo também para inquietar-se com a letárgica preparação dos primeiros Jogos Olímpicos na América do Sul.
O prazo dado ao Rio de Janeiro é menos premente, por certo. A competição só ocorrerá em meados de 2016. Mas para preparar a Copa havia quase sete anos disponíveis, e mesmo assim o país vai entregar tudo --em verdade, menos que o previsto-- em cima da hora.

Na semana passada, a maior parte dos 28 diretores de federações de modalidades olímpicas reunidos na Turquia criticou o andamento das obras e manifestou preocupação com os Jogos do Rio. Houve até quem pedisse um plano de sede alternativa, para o caso de as instalações cariocas não serem entregues a tempo.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou em seguida uma espécie de intervenção nos trabalhos de organização do evento. Além de contratar um gerente local para acompanhar de perto as obras, a entidade aumentará a frequência de visitas do diretor-executivo ao Rio, criará um grupo para decisões de alto nível e ampliará o envolvimento das federações internacionais nos preparativos dos brasileiros.

A manobra é algo mais sutil que o "cartão amarelo" dado em 2000 a Atenas, cidade-sede dos Jogos em 2004, pelo então presidente do COI, Juan Samaranch. Espera-se que, com maior supervisão e interferência internacionais, as construções olímpicas no Rio enfim ganhem ritmo.

Embora anunciada como anfitriã da competição em 2009, a capital fluminense nem mesmo deu a largada nos trabalhos do complexo de Deodoro, onde serão disputadas competições de oito modalidades. No Parque Olímpico da Barra da Tijuca, as obras avançam de maneira lenta e enfrentaram greves nos últimos dias.

Lamenta-se que a matriz de responsabilidades --documento que oficializa as obrigações do comitê organizador e dos governos federal, estadual e municipal-- e o orçamento final da competição continuem em aberto.

Não é preciso recorrer a exemplos estrangeiros para precaver-se contra desvios de verbas e corrupção propiciados pelos atrasos. O grande legado do Pan-Americano do Rio, em 2007, foi um sem-fim de irregularidades. Que o saldo da Olimpíada, agora sob supervisão internacional, seja outro.

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