sexta-feira, 28 de março de 2014

LEITURA DIGESTIVA




quinta-feira, março 27, 2014
Está bom ou ruim? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 27/03

Assim como leva anos para se merecer o grau de investimento, é preciso uma série de equívocos para estragar a coisa


E então: está bom ou está ruim? Ser rebaixado por uma agência de classificação de risco é certamente ruim. Mas o mundo não acabou. Nem a bolsa despencou, nem o dólar disparou. Logo, qual o problema de uma nota mais baixa?

O problema maior está justamente na formulação dessa pergunta. Assim como leva anos para se arrumar a economia de um país — e merecer o grau de investimento — também é preciso uma série longa de equívocos para estragar a coisa. Como isso acontece devagarzinho, a gente corre o risco de se acostumar com o errado. É o que está acontecendo por aqui.

A agência Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil a grau de investimento, retirando-o do grupo dos caloteiros, só em 2008, nada menos que 14 anos depois da introdução do Real e após uma série de reformas que levaram à estabilidade. O país estava então no segundo mandato de Lula, que celebrou ruidosamente a novidade. Disse que era um momento mágico e que o Brasil recebera o carimbo de país sério.

Era por aí: o prêmio pela manutenção de uma mesma política econômica ao longo de quatro mandatos presidenciais, comandados por partidos diferentes. Em 2011, já no governo Dilma, o Brasil teve uma outra promoção, passando para o nível dois de grau de investimento. Era uma recompensa pela boa sobrevivência à crise financeira global. Desta vez, o Brasil acompanhou os principais emergentes: todos reagiram bem.

Na última segunda-feira, portanto, o Brasil retrocedeu três anos. Voltou à nota de 2008, que ainda é grau de investimento, mas apenas no primeiro nível. Mais uma bobeada — ou um conjunto de bobeadas — e o país volta ao grupo dos caloteiros conhecidos.

Mas esse fato — ter a economia brasileira permanecido como investiment grade — foi o mais acentuado por muita gente. Por exemplo: a bolsa brasileira continuou no ritmo positivo — no day after do rebaixamento emplacou sete dias úteis de alta. E o dólar continuou acomodado na casa dos R$ 2 e trinta e poucos. Os juros subiram, mas só um pouco.

Mas olhem mais para trás. Nos últimos 12 meses, a bolsa brasileira sai do positivo e se mostra como tem sido: 12% de queda. Foi um dos piores desempenhos entre as principais bolsas internacionais.

Todas as medidas do risco Brasil vêm mostrando alta desde 2012. Hoje, esse risco — medido pela taxa de juros que o governo paga por empréstimos externos ou pelo seguro contra calote — é maior do que a média da América Latina e da Ásia emergente.

Isso reflete a deterioração da política econômica especialmente nos últimos três anos. Mas o que significa deterioração?

Significa que os fundamentos — aqueles que levaram ao grau de investimento — não foram jogados no lixo, mas têm sido maltratados.

Por exemplo: ainda estamos sob o regime de metas de inflação com Banco Central independente. O BC segue os rituais desse sistema praticado por quase todos os países sérios, mas... não segue. Ficou evidente que o BC reduziu a taxa básica para 7,25%, lá atrás, para cumprir uma meta política da presidente Dilma. Tanto foi um movimento sem base técnica que hoje, com a volta da inflação, o BC colocou a taxa de juros no mesmo lugar em que estava quando a presidente Dilma assumiu, em 2011. Ou seja, esse movimento do BC só causou confusão e deixou a inflação perto e até acima do teto da meta.

É tudo assim, por um lado, por outro. A meta de inflação continua sendo de 4,5%, mas qualquer coisa abaixo dos 6,5% está bom para o governo.

O governo continua colocando no orçamento as metas de superávit primário, como manda a lei de responsabilidade fiscal, um dos pilares do grau de investimento. Mas, na execução, o governo manipula os números, inventa operações para esconder a alta da dívida, faz novas promessas — e acha que todo mundo vai acreditar.

Contou com isso por um bom tempo. Só agora a S&P resolveu reduzir a nota brasileira. As outras duas agências importantes ainda não se moveram.

Resumo da ópera: a gestão da política econômica é bastante ruim, em praticamente todas as áreas, do combate à inflação à gerência do setor elétrico e da Petrobras. Por isso o risco Brasil e a S&P derrubaram a nota brasileira. Mas, como as bases institucionais da estabilidade continuam aí, entende-se que os desvios podem ser corrigidos a tempo. Daí, a manutenção do grau de investimento.

Desse ponto de vista, o rebaixamento deve ser visto como um sinal de que, antes de mais nada, a política econômica precisa voltar aos fundamentos.

CUSTO LULA

Procurem no Google “Lula e a refinaria de Pernambuco”. Logo verão que o ex-presidente considerava (e comemorava) como sua a decisão de fazer a Refinaria Abreu e Lima, em associação e com o petróleo da PDVSA de Chávez. Era parte de sua diplomacia Sul-Sul.

O cheiro de queimado do Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 27/03

'Mercado' sentiu o cheiro de queimado em maio de 2013; 'nota' baixa é só registro em cartório

É ENGRAÇADO, quando não ridículo, ouvir que o "mercado" não esperava para já o rebaixamento do crédito do governo do Brasil por uma dessas agências de avaliação de risco. Uma variante desse humor involuntário dizia: "Apesar do rebaixamento", a Bolsa subiu, o dólar caiu etc.

"Mercado", quando não nomeia algo inefavelmente irrelevante, por costume e algum vício acabou por denominar o conjunto dos donos do dinheiro grosso na praça financeira, investidores e nossos credores. Pois então. O nosso crédito nos "mercados" está em baixa aguda pelo menos desde meados de maio do ano passado, é óbvio.

Foi então, maio de 2013, que começou a rodada mais recente de liquidação de ativos financeiros brasileiros. Venderam-se papéis da dívida pública (os juros subiram), reais (a moeda se depreciou), ações da Bolsa etc.

Em junho de 2013, essa agência rebaixante de agora, a Standard & Poor's, sentiu o cheiro de queimado, sensível para quem quer que tivesse nariz financeiro ou lesse jornais, e deu "ponto negativo" para o Brasil (risco de baixar a nota).

Claro, nota de crédito não se deduz de saracoteios e chiliques do mercado, mas com base na avaliação da capacidade de geração de recursos (crescimento e receita),
de usá-los com prudência (consumo comedido, investimento sábio e capacidade de poupar) e da propensão a pagar dívidas. Nada de novo, decerto. O povo dos "mercados" presta atenção às mesmas coisas. Mas sabe antes das agências, sente antes o cheiro de queimado, de lucro pequeno e de devedor em apuros.

Algum bancão global, fundos ditos de "hedge" ou qualquer investidor desses que movem montanhas, de dinheiro, vai esperar uma agência de classificação de risco para decidir o que vai fazer com seu dinheiro no Brasil ou qualquer ou outro país grande e relevante? Francamente. Se fizer besteira monumental, e fazem, vão fazer sem essa assessoria.

Sim, agências de classificação tem sua utilidade: prestar o serviço de avaliar negócios menos conhecidos, em tese reduzindo custos e riscos vários para os investidores.

No entanto, até no lixo da Berrini ou da Paulista (centros financeiros paulistanos) há informação bastante para rebaixar (ou elevar) o crédito do governo do Brasil. De resto, como já se escreveu nestas colunas a esse respeito, da crise da Ásia de 1997 ao desastre de 2008, essas agências foram negligentes, ineptas ou cúmplices da lambança.

No mínimo, chegam atrasadas, vão atrás do trio elétrico dos "mercados" (só não vai quem já morreu), compram o abadá pelo preço do Carnaval das euforias e não raro perdem a hora de avisar que a catástrofe está na próxima esquina. Muitas vezes, aparecem apenas para dar o atestado de óbito, nota "zero" de crédito, quando um calote ou quebra histórica já aconteceu.

Faz diferença receber "nota baixa"? Claro. Como se sabe, certos fundos não podem investir em empresas e países com "nota vermelha" (ainda não voltamos para lá), o que afeta em especial empresas. Pega mal, atesta em cartório e relembra, para o grande público mundial, besteiras elementares que temos feito em matéria de política econômica.

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