quinta-feira, 1 de maio de 2014

LEITURA DIGESTIVA



O GLOBO - 01/05
Quem melhor definiu a situação em que se encontra o PT e partidos da base aliada foi o ministro Ricardo Berzoini, um membro destacado da burocracia partidária: a campanha pela volta de Lula não tem sentido prático, disse ele, à guisa de defender a candidatura da presidente Dilma à reeleição.
Sintomático que a melhor coisa que ele pudesse dizer fosse isso, apelando para o pragmatismo de seus correligionários. Nenhum elogio ao governo Dilma, nem mesmo um comentário sobre eventuais qualidades. "Ela tem o direito de se candidatar", disse Berzoini, e cabe ao PT lidar com essa realidade. Mesmo que esteja coberto de razão, a fala do ministro de Relações Institucionais demonstra como estão se estreitando as chances de Dilma na campanha. Para aliados circunstanciais, a maioria dos partidos que fazem parte da coalizão, esse argumento prático não encerra o assunto, ao contrário, reforça a sensação de que é preciso procurar uma alternativa longe do PT.

Mesmo que a maioria dos petistas não queira Dilma, não há outra escolha a não ser seguir com ela até o fim, mesmo para perder (e ela tem boas chances de vencer: com a caneta cheia de tinta, abriu ontem seu saco de bondades, que ajudará sua popularidade e aumentará mais ainda os problemas econômicos do país). Se a alternativa for Lula, dificilmente se tornará realidade. Em primeiro lugar, existe a necessidade de Dilma aprovar a troca, o que parece improvável. Ao anunciar que será candidata mesmo sem apoio da base, Dilma pode ter cometido um erro político, revelando fragilidade, mas mostrou que tirá-la do páreo não será fácil.

Dilma também, espertamente, ressaltou a lealdade que existiria entre ela e Lula, o que coloca uma outra barreira ao golpe partidário que pretendem dar. Lula teria que assumir uma traição à sua criatura, o que, convenhamos, não seria bom para sua imagem. Uma solução de ruptura tampouco seria uma boa saída para o PT, pois teria de passar a campanha inteira justificando o golpe em Dilma, que, por sinal, estará no Planalto com a caneta na mão e cheia de ressentimento.

A substituição por motivos de saúde seria a única saída, mas nada indica que Dilma tenha problemas, e seria impossível conseguir o aval de médicos respeitados do hospital Sírio-Libanês para encobrir a manobra golpista.

Falta sentido prático ao "Volta, Lula", além de faltar vontade ao principal personagem desse "golpe branco", o próprio ex-presidente. Não diria que, se pudesse voltar à Presidência sem passar por eleições, que ele não gostaria. Mas disputar uma eleição difícil, em condições anormais como as criadas pelo afastamento de Dilma, seria mais que um risco.

Só a substituição de candidatos já seria uma admissão de fracasso, e uma tendência de derrota que teria de ser superada pelo "craque" do time, tirado do banco de reservas. Mesmo para um "craque" como Lula, seria difícil reverter uma derrota iminente. Longe dos melhores dias, seja pela idade ou pelos problemas de saúde que superou, Lula dificilmente teria condições de enfrentar uma campanha estafante como a que se avizinha. Teria de confiar em seu magnetismo e no tempo de TV, mas levar em conta que hoje está mais vulnerável a críticas do que esteve.

Superar a crise do mensalão foi possível, em especial, pela situação econômica em 2006. Hoje temos uma economia debilitada e perspectiva de um 2015 difícil, que exigirá do eleito esforço para restabelecer o equilíbrio às contas públicas e controlar a inflação. Tarefa que Lula enfrentou 12 anos atrás. Estará disposto a arriscar duplamente seu prestígio e sua história, disputando uma eleição difícil e depois encarando um mandato que tem tudo para impedir que repita o sucesso dos 8 anos em que governou? Como sempre quando improvisa, Dilma fez uma declaração entre a obviedade e o enigmático: "Sempre, por trás de todas as coisas, existem outras explicações".

Referia-se às traições que se desenham às suas costas, no PT e na base. O que quer dizer a presidente? Certamente o que não pode aprofundar por falta de condições políticas, que os que a estão abandonando o fazem por interesses fisiológicos, que ela rejeita. Esta seria boa linha de atuação, se Dilma tivesse condições de romper com aliados de circunstâncias e anunciar um 2º mandato livre de interesses subalternos. Foi o que ensaiou com a "faxina ética", e teve de voltar atrás.

O Estado de S.Paulo - 01/05

Certa vez, em conversa com o economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do País, ele me falou desse imenso número de pessoas no que chamou de "a grande folha" de pagamentos do governo federal. Grandes números não surpreendem neste enorme país, mas esse é de levantar sobrancelhas e contrair o rosto. O Brasil tem enorme território, população já na casa dos 200 milhões e é recordista de carga tributária na segunda divisão do campeonato mundial de desenvolvimento, a dos times com renda per capita insuficiente para levá-los à primeira.

Chega lá jogando com os pés da tal "pátria de chuteiras", mas sem cabeça para se aproximar mais dos efetivamente ricos. Nosso governo federal vende como lema a ilusão de que "país rico é país sem miséria". Mas, com o perdão da tautologia, país rico é o que tem mais riqueza acumulada, inclusive para lidar com seus menores bolsões de pobreza muitíssimo melhor que o Brasil. Aqui são "bolsoezões" e mal cuidados.

Com a carga tributária mais empréstimos, nosso governo como um todo toma perto de 40% do produto interno bruto (PIB), e esse total tem que ver com a folhona de que fala Velloso, pois é alta a pressão que coloca mais gente nela e há também aumentos dos valores que o governo paga, em particular com propósitos eleitoreiros.

Velloso apresentou seus números na última reunião mensal de conjuntura que a Fipe-USP realiza há anos, sob a competente condução do professor Fernando Homem de Mello. Ao iniciar, Velloso gentilmente disse que, entre outras razões, estava lá para me entregar os números que me prometera na citada conversa, e lhe sou muito grato. Ele falou das cifras do Orçamento de 2012 e de suas perspectivas atuais, mas, quanto aos números da folhona da União, os que tinha eram de 2008. Muito úteis, mais adiante mostrarei que os atuais já são bem maiores.

O total naquele ano era de 49.179.214 (!) pessoas, com todos os algarismos para realçar sua enorme dimensão, que então equivalia a cerca de 1/4 da população do País. Sem contar os dependentes, que, se dois por pessoa, dobrariam esses números. Prosseguirei com o tamanho de cada subgrupo em 2008 e, entre parênteses, a porcentagem que representou dos gastos da União em 2012 - e o total alcançou 73,7%(!) desses gastos.

Em ordem decrescente dessa porcentagem, os números são: 7.316.041 de beneficiários do INSS recebendo mais de um salário mínimo (23,7%); 16.291.706 de beneficiários do INSS que ganhavam um salário mínimo (15,9%); 1.146.828 de funcionários ativos (13,2%); 980.337 funcionários inativos e pensionistas (9,9%); 7.784.154 recebendo seguro-desemprego e o abono salarial anual (4,9%); 3.489.233 de pagamentos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e de sua antecessora, a da Renda Mensal Vitalícia, para idosos e inválidos sem outra fonte de renda (3,3%); e 12.370.915 (2,8%) de benefícios do programa Bolsa Família, pagos às pessoas responsáveis pelas famílias.

Dados mais recentes apontam um aumento do número dos incluídos na folhona. Em 2013, o número de famílias nesse programa passou a 14,1 milhões e, neste ano, a meta da presidente Dilma é incluir nele mais 500 mil, com o que, relativamente a 2008, a ampliação deve alcançar 2,2 milhões. No INSS a listona também cresceu de 2008 a 2012, ano do último anuário do INSS, com mais 3.907.793 beneficiários. Levando em conta apenas os dados deste parágrafo, mais o fato de que os benefícios do INSS cresceram em cerca de 1 milhão ao ano entre 2008 e 2012, e continuam aumentando, a folhona já está mais perto de 60 milhões que de 50 milhões!

O quadro pintado por todos esses dados é o de um Brasil que buscou precocemente o caminho de um enorme Estado do bem-estar, o Welfare State da literatura internacional. A velocidade recebeu forte impulso com a Constituição de 1988 e, mais recentemente, dos governos federais petistas. Quanto a estes, Mansueto Almeida, outro entre os maiores especialistas em finanças públicas do Brasil, mostrou que, numa comparação dos gastos de 2012 com os de 2002, os do INSS aumentaram em 1,2% do PIB, enquanto os demais gastos sociais tiveram acréscimo de 1,1% do PIB e os investimentos, um mísero aumento de 0,1% (!) do PIB. E sei que esse aumento dos gastos sociais foi custeado principalmente com maior carga tributária. Tudo isso inibiu investimentos públicos e privados e, entre outros efeitos, agravou as condições da infraestrutura econômica, como a de transportes, e da social, como a de mobilidade urbana e saneamento básico.

A opção da Constituição de 1988 pode ser vista como da sociedade, por meio dos constituintes que escolheu. A dos governos petistas, entretanto, tem forte conotação eleitoreira. O que os move é o poder a qualquer custo, num processo em que cativar eleitores com benesses é tido como fundamental.

Houve época em que no Brasil se criticava muito a ideia de que antes de distribuir o bolo do PIB seria preciso fazê-lo crescer. Agora chegamos ao outro extremo, em que o caminho de distribuí-lo por meio desse enorme Estado do bem-estar social nos conduziu a outro Estado, o das taxinhas do Pibão.

Cabe encontrar um caminho intermediário, que combine crescimento mais acelerado com avanços sociais. Propor e explicar como seria feito esse caminho é tarefa dos candidatos da oposição, já que da candidata da situação a perspectiva é de mais do mesmo. E não se pode ficar apenas na discussão entre candidatos, até porque essa candidata foge de debates, em razão das suas evidentes dificuldades de enfrentá-los.

Mais importante ainda é que a própria sociedade se empenhe em levá-los adiante, em lugar de apenas protestar contra isto ou aquilo, nas ruas ou fora delas. Como encontrar o referido equilíbrio? Econômica e socialmente, essa é a questão fundamental.

terça-feira, abril 29, 2014
O GLOBO - 29/04
Talvez não seja coincidência que Lula, neste momento de extrema pressão sobre si, tenha sido diagnosticado com labirintite no hospital Sírio-Libanês, em SP. Em psicanálise, o labirinto é um modo de circular, andar, expressar-se sem finalidade marcada. Mas de não perder a cinética, o movimento, sair da apatia. 
Lula em seu labirinto talvez seja uma imagem perfeita para explicar a situação atual do ex-presidente, pressionado para assumir o lugar de Dilma na campanha presidencial, mas resistindo com receio de colocar em risco sua lenda. 

Na estranha entrevista que deu em Portugal, disse que o julgamento do mensalão foi 80% político, numa peculiar dosimetria que já foi classificada pelo ministro Marco Aurélio Mello de "coisa de doido". Não haveria grandes novidades nessa fala, a não ser a medição do que foi política e do que foi jurídico na opinião de Lula. Mas o ex-presidente mostrou mesmo o desencontro de seus pensamentos quando, confrontado com o fato de que as pessoas condenadas eram líderes do PT, disse ao entrevistador que eram pessoas que não mereciam a sua confiança. 

Não é possível deixar de ser solidário a José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e José Genoino neste momento em que, mais uma vez, Lula tenta tirar o corpo fora dos malfeitos em que seu partido vem se metendo. 

Dias antes dessa entrevista, ele se escusou de comentar o escândalo da Petrobras, alegando para os jornalistas estar "por fora". Como ficou muito feio dizer que estava "por fora" da compra polêmica da refinaria de Pasadena realizada no seu governo, Lula consertou a declaração dizendo, como sempre, que a culpa era da imprensa, os jornalistas entenderam errado. Ele dissera, na verdade, que estava fora (do país) e por isso não falaria sobre o assunto. 

Mas dias depois aceitou falar mal do STF para uma televisão portuguesa? Qual a coerência? Na mesma entrevista, Lula exercitou sua incoerência, uma hora dizendo que não estava ali para criticar o Supremo, e em seguida dizer que o julgamento fora político. Exigir coerência de Lula parece ser demais. 

A História mostra, no entanto, que os encarcerados do PT são todos de alta confiança de Lula em sua caminhada do sindicalismo à política partidária, e, daí, para a Presidência. Vejamos o caso de Dirceu. Fundador do partido ao lado de Lula, os dois sempre estiveram juntos dominando a direção do partido. 

Quando se distanciaram, perderam o controle do PT e permaneceram no ostracismo um bom período. Só retornaram ao controle partidário quando se uniram novamente, para ficarem juntos até a chegada ao Planalto. 

O julgamento do mensalão os separou, Lula brilhando pelo mundo, Dirceu na cadeia. Pode ser que, em relação a Dirceu, Lula tenha tido um "ato falho", revelando sua desconfiança da lealdade de Dirceu. 

Já Delúbio era o homem de confiança de Lula na estrutura partidária e companheiro de bar, o que estreitou muito a relação. Nos bons tempos do poder, Delúbio trocou a cachaça pelos bons vinhos e os botequins pelos restaurantes caros, mas a lealdade a Lula se manteve, tanto que aceitou calado a expulsão do PT depois do mensalão. 

Genoino foi a pessoa de confiança posta na presidência do PT quando Dirceu foi para a Casa Civil coordenar o 1º governo Lula, ser o "capitão" do time, como Lula certa vez definiu. Por tudo isso, as declarações de Lula, sempre afirmando que um dia provará a verdade, provocam reações como a de Marco Aurélio, que ontem diagnosticou um "distanciamento da realidade" nas atitudes do ex-presidente. Interessante é que o autismo é comumente ligado ao labirinto. 

O ministro do STF admite que, "na dosimetria, pode até se discutir alguma coisa; agora a culpabilidade, não. A culpa foi demonstrada pelo estado acusador". Também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificou o julgamento do mensalão como "um processo jurídico com um julgamento jurídico". 

O fato de que apenas três dos ministros que terminaram o julgamento não foram nomeados nem por Lula nem por Dilma é um argumento definitivo para falar da lisura do julgamento, e Marco Aurélio Mello fez um bom resumo da situação: "A nomeação é técnico-política e se demonstrou institucional. Como eu sempre digo: não se agradece com a toga". 

Mas, como diz um psiquiatra amigo meu, a vida e a política são labirintos.

O GLOBO - 29/04

Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres


Se ontem eu usava carroça como meio de transporte, e hoje posso dirigir meu próprio carro, eu piorei ou melhorei minha situação? Se eu não tinha acesso a computadores e internet, e hoje tenho, minha qualidade de vida melhorou ou piorou? Se consumo hoje bem mais proteína, e tenho acesso a muito mais remédios, devo ficar feliz ou triste?

Essas parecem perguntas bobas, até sem sentido, pois as respostas são óbvias. Ou nem tanto. Há um grupo enorme de pessoas na esquerda que não valoriza tais conquistas, pois ignora os avanços dos mais pobres em relação ao seu passado, focando apenas no hiato entre eles e os mais ricos.

Ou seja, se antes eu tinha que usar carroça e hoje posso curtir meu próprio carro, isso não importa, caso meu vizinho tenha um carrão mais luxuoso. As esquerdas são obcecadas com a questão da desigualdade material, com o gap entre ricos e pobres, sem levar em conta o avanço na condição de vida dos mais pobres sob o capitalismo, que é impressionante.

Pensemos por um minuto na vida de um trabalhador americano de classe média hoje. Ele possui um carro com segurança e conforto, ar-condicionado em sua casa, computador e internet, inúmeros tratamentos modernos para todo tipo de doença, fartura de alimentos frescos etc. Compare-se isso ao estilo de vida de um nobre medieval, e ficará claro o incrível progresso capitalista.

Mas os socialistas só se importam com a distância entre ricos e pobres, não com a distância entre os pobres de hoje e os pobres de ontem, ou os pobres dos países mais capitalistas e os pobres de países menos capitalistas. Por que tanta obsessão com a desigualdade em si, em vez de se preocupar com o nível absoluto de miséria?

Parte da explicação é a premissa absurda de que a economia é um jogo de soma zero, que a riqueza é estática. Assumem que José é rico porque João é pobre, ignorando que ambos podem ter ficado bem mais ricos com o passar do tempo. Enxergando apenas um bolo fixo, focam somente em sua divisão mais igualitária. Já os liberais sabem que o capitalismo é o fermento que faz o bolo como um todo crescer sem parar, graças aos ganhos de produtividade.

Outra parte da explicação tem caráter mais psicológico. A inveja é a mais mesquinha das paixões humanas, disse John Stuart Mill. Infelizmente, ela está enraizada em nossa natureza. Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres. Acham que podem correr mais se o vizinho quebrar as pernas.

Partindo desse pressuposto, podemos concluir que o socialismo é a idealização da inveja. Basta notar que sempre atacam mais os ricos do que qualquer outra coisa. Não desejam efetivamente melhorar a vida dos pobres, pois isso se faz com mais capitalismo. Querem resultados iguais porque não suportam as diferenças, não toleram o fato de que alguns conseguem acumular fortunas, ainda que oferecendo bens e serviços que melhoram a vida de todos nós.

Thatcher dizia que a Inglaterra precisava de mais milionários e mais bancarrotas. Ela sabia que quem cria riqueza são os empreendedores, aqueles que arriscam o próprio capital ou o de terceiros em empreitadas inovadoras, que nem sempre vingam. E condenava a esquerda socialista justamente por preferir reduzir a diferença entre ricos e pobres mesmo que tornando os pobres mais pobres.

O novo guru das esquerdas, o francês Thomas Piketty, virou sensação simplesmente porque resgatou o velho marxismo sob nova embalagem. Sua proposta de taxar em até 80% os mais ricos é apenas o antigo ranço igualitário mascarado de altruísmo. Punir os mais ricos nunca ajudou de verdade os mais pobres. Mas bandeiras demagógicas como essa tocam fundo nos corações mais invejosos, ansiosos por destruir as diferenças materiais no mundo.

Seres humanos não são insetos gregários. Felizmente, somos diferentes. Cada um tem sua habilidade, sua vocação, sua inteligência e sua própria sorte. Sem falar do mérito e do esforço totalmente desiguais. É claro, portanto, que os resultados serão também muito diferentes.

Não existem milhões de jogadores com o talento de Neymar, ou milhões de modelos com a beleza e o carisma de Gisele Bunchen. Tampouco existem milhões de empresários como Jorge Paulo Lemann. É injusto que ganhe muito mais com seu talento específico?

Confiscar o patrimônio dos mais ricos vai apenas afugentar aqueles com mais capacidade de criar riqueza. A França já está sofrendo com isso. Mas a esquerda não liga, pois seu objetivo não é gerar mais riqueza para todos, e sim tirá-la dos que têm mais. Pura inveja.

FOLHA DE SP - 29/04

BRASÍLIA - É assim que começa. Quando 20 dos 32 deputados do PR lançam o "volta Lula", não pense que é uma bobagem, coisa dos 20 ou só do PR. Não é. Reflete o temor crescente sobre as chances de Dilma e pode ser o fio da meada.

Para amenizar o impacto, os deputados dizem que, se não tem tu, vão de tu mesmo. Ou seja, se Lula não ceder --apesar de cada vez mais assanhado--, eles engolem Dilma. Não é exatamente estimulante...

A isso se somam vários outros sinais de rejeição à reeleição. O próprio PMDB, principal partido da base aliada, inclusive com a Vice-Presidência da República, tem se rebelado --ou tem rebelados-- no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro, na Bahia, no Ceará...

Em Minas, a desistência do senador Clésio Andrade de concorrer ao governo foi comemorada como apoio certo às candidaturas do PT, mas, ontem, ele disse em nota que só vai decidir "mais à frente" quem apoiará ao governo do Estado e ao Senado.

Assim como o retrato de Lula subiu à parede da liderança do PR na Câmara, o de Dilma sumiu do gabinete de Clésio Andrade no Senado. E ele é presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).

E o que dizer do ex-prefeito Gilberto Kassab, que está com Dilma, mas janta daqui com Aécio Neves, reúne-se dali com Eduardo Campos?

Há, portanto, um recuo em relação a Dilma, um compasso de espera, como se a turma estivesse esperando para ver no que vai dar --ou para onde as pesquisas sopram.

A única sorte de Dilma é que todas essas crises, éticas, políticas, econômicas, ocorrem com muita antecedência. Em 2006, por exemplo, Lula foi ao fundo do poço com mensalão e aloprados, mas se reelegeu no final.

Há, porém, uma diferença fundamental: em 2006, a economia estava bem. Em 2014, há a soma de escândalos, descontrole político e economia devagar, quase parando. O cenário eleitoral é de dúvidas. E só piora a cada fala estapafúrdia de Lula.

O Estado de S.Paulo - 29/04

Nas comemorações do Dia do Trabalho, que ocorrem esta semana, sempre se costuma reclamar, com razão, do desemprego. Na economia agrária, porém, esse problema desapareceu da agenda. Ao contrário de antes, quando sobrava gente na roça e não havia faina para todos, atualmente o campo se esvaziou. Procura-se trabalhador.

"Apagão de mão de obra" foi destaque da Bienal da Agricultura, encontro recentemente promovido, em Cuiabá, pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato). Especialmente no Centro-Oeste, nas fronteiras de expansão da agricultura nacional, depara-se com forte escassez de pessoal. Segundo Alexandre Mendonça de Barros, consultor presente no evento, o grande desafio hoje é "encontrar, qualificar e reter o profissional" na fazenda. Nada fácil.

Nas novas regiões agropecuárias do Brasil central impera o mundo da moderna tecnologia. E a oferta de trabalho local não mostra tarimba capaz de operar os sistemas tecnológicos, mecanizados e computadorizados que funcionam na linha de produção rural. A "agricultura de precisão", conectada aos satélites de posicionamento global (GPS), avança maximizando a produtividade e minimizando o uso de insumos. Maravilha tecnológica da lavoura nacional, o plantio direto, que permite realizar duas ou três safras sucessivas na mesma área, ou ainda a integração entre a lavoura e a pecuária - sai a soja entra a boiada - são sistemas que exigem elevada qualificação profissional. Tudo mudou desde quando a enxada carpia o mato do milharal e as galinhas caipiras botavam ovos no ninho do curral.

Onde ocorreu a ocupação agrícola tradicional, como nas zonas cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo, próximas das montanhas da Mantiqueira, o gargalo anda apertando na hora da colheita. No passado, sobrava gente para a apanha do café; hoje, é cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a subir os morros, derriçar os grãos, varrer o chão, ensacar o produto. Fora a qualidade. O que se fala, por aí afora, é que sumiram os trabalhadores dedicados, e os que se recrutam agora fazem meros bicos, sem gosto pelo serviço. Desejam ocupações mais "nobres" do que sofrer debaixo do sol escaldante. A escassez e a baixa qualificação da mão de obra afetam igualmente a colheita manual na citricultura. Pior, volta e meia se descamba para o litígio na Justiça. Em vários setores de produção no campo, a outrora alegria da colheita se transformou no desgosto da encrenca trabalhista.

Nesse contexto, a mecanização da colheita continua se impondo. Há meio século as primeiras colheitadeiras, mais simples, começaram a chegar às lavouras de milho e de arroz. Depois, mais elaboradas, avançaram para o feijão e o algodão. O progresso tecnológico nunca cessou. Complexas e eficientes máquinas dominaram também fases jamais imaginadas escaparem do processo manual, por serem difíceis, tais como o arranquio de batatas ou de amendoim. O último degrau da sofisticação da colheita chegou aos cafezais. Poucos conseguem imaginar como uma supercolheitadeira consegue, com seus múltiplos bastões, qual dedos vibratórios, derrubar os grãos de café por dentro da planta, derrubando-os automaticamente sem quebrar a galharia. Simplesmente sensacional.

Há tempos os economistas agrários discutem sobre este dilema histórico: a falta de trabalhadores estimulou a mecanização da colheita ou foi a introdução da colheita mecânica que expulsou os operários rurais? A difícil resposta, semelhante ao enigma do ovo e da galinha - quem veio primeiro? -, pouco importa aqui. Fundamental é mostrar que, na realidade da agricultura brasileira atual, existe falta de mão de obra generalizada, nas tarefas simples ou qualificadas, lacuna que em alguns lugares já está causando a desistência da produção rural. Nem se encontram mais facilmente trabalhadores permanentes dispostos a residir nas propriedades rurais. Desamparadas, cresce nelas o roubo vulgar.

Soma-se a esse cenário socioeconômico um terrível fenômeno demográfico: o envelhecimento dos agricultores. Não apenas os operários progressivamente se distanciam do campo, em busca das oportunidades e do modo de vida oferecidos na cidade grande, como poucos filhos permanecem ao lado dos pais, suportando sua trajetória, atavicamente apaixonados pelo ambiente agrícola. Os jovens saem para estudar e buscam fazer brilhar sua carreira longe da poeira do estradão. Nada segura a força de atração dos aglomerados urbanos.

Não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o envelhecimento dos produtores rurais vem sendo analisado há muito tempo. No relatório (2013) do Parlamento Europeu para a aprovação da atual Política Agrícola Comum (PAC), lamenta-se que apenas 7% dos agricultores europeus apresentam menos de 40 anos e que daqui a cerca de 10 anos 4,5 milhões de produtores rurais irão se aposentar. Esse drama agrário atrapalha a inovação, empaca a produtividade, reduz a ousadia. A notória perda de competitividade agrícola foi compensada com fartos subsídios, que seguram a renda familiar e confortam os agricultores, mas, ao mesmo tempo, os acomoda.

Nos EUA também se discute, nestes dias, a alteração nos vistos de entrada para trabalhadores estrangeiros, incluindo o programa H2-A, destinado aos assalariados temporários na agricultura. A Califórnia, especialmente, ressente-se da falta de mão de obra rural. Segundo a Western Growers Association, 80 mil acres de frutas e vegetais deixaram de ser cultivados no Estado em decorrência da falta de braços nas lavouras.

Como atrair gente para o trabalho na agricultura? Como estimular os jovens a permanecerem no campo? As respostas indicarão o Brasil que será construído no futuro.

O GLOBO - 29/04

O governo está usando a política cambial como parte da estratégia anti-inflacionária. Ao contrário do que o Ministério da Fazenda sempre disse — que um dólar alto era bom para a economia —, em menos de um ano, o Banco Central injetou US$ 88 bilhões no mercado de câmbio em operações de swap cambial. O objetivo é impedir a desvalorização do real, que pressiona ainda mais a inflação.

Os exportadores acham que estão sendo prejudicados com essa política. Se o real se valoriza, há estímulo às importações e perda de competitividade das empresas exportadoras. Se, ao contrário, a moeda brasileira perde valor, a inflação, que já está alta, fica ainda mais pressionada, porque sobe tudo: os produtos importados, os componentes usados pela indústria brasileira, a energia de Itaipu e as commodities, porque têm cotação em dólar. Outro efeito negativo é o aumento do prejuízo da Petrobras na importação de gasolina e diesel.

Ao iniciar essa política de intervenção no câmbio, o Banco Central queria evitar a volatilidade provocada pela ameaça da retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos. Mas o estresse com essa retirada já foi reduzido, e a política de intervenção no mercado de câmbio permaneceu. As operações do BC foram anunciadas em meados do ano passado para vigorar até dezembro. Mas depois continuaram. Os exportadores estão achando que ficaram em segundo plano.

— O governo considera hoje que a exportação é algo secundário. A prioridade é o combate à inflação, porque este é um ano de eleição e preços altos vão tirar votos nas urnas. Aumento de vendas para o exterior não vai garantir voto nenhum — disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

O diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, faz a mesma avaliação. Ele é que fez o cálculo que conclui que o BC já ofereceu US$ 88 bilhões em liquidez ao mercado, por meio de operações de swap cambial, desde agosto de 2013.

— O governo tem um problema maior para resolver que é a inflação. Com isso, o setor exportador ficou em segundo plano. São três forças atuando sobre o câmbio. As operações do BC; a vinda de capital especulativo, atrás de juros altos; e também a captação de empresas no exterior. Elas estão antecipando esse movimento, por medo de uma piora de cenário à frente, com o calendário eleitoral — disse.

A alta do real, segundo José Augusto de Castro, retarda investimentos por parte dos exportadores. Durante muito tempo, os empresários ouviram das principais autoridade que o objetivo do governo era que o real ficasse mais fraco. Diante da mudança brusca de política, cresce a incerteza, o que reduz a propensão para investir.

O presidente da AEB já admite que sua projeção para a balança comercial este ano está defasada. Em janeiro, previa superávit de US$ 7 bilhões. Em junho, vai refazer as contas para uma estimativa próxima de zero.

— Ninguém esperava essa virada no câmbio, nem exportadores, nem economistas. Os juros altos do Banco Central já trazem capital especulativo para o país, e, ainda assim, o BC continua oferecendo dólares em operações de swap — disse.

A balança comercial está com déficit acumulado de US$ 6,4 bilhões até a terceira semana de abril. Esse é um dos motivos para o resultado negativo no balanço de transações correntes registrado até março, um déficit de 4,71% do PIB, no primeiro trimestre. A expectativa era de que o real mais fraco pudesse dar um fôlego às exportações e inibir não só as importações mas também o gasto de turistas brasileiros no exterior.

Ninguém quer inflação alta, e a taxa tem estado alta demais. Os exportadores brasileiros têm que ser competitivos mesmo quando a moeda brasileira está valorizada. O câmbio não pode ser nem instrumento de garantir competitividade de exportador, mas também não pode ser uma parte do arsenal anti-inflacionário. As intervenções do BC se justificam para evitar a volatilidade excessiva dos momentos de crise, mas não podem ser uma forma de buscar um dólar mais barato. Um dos pés do tripé que tem mantido o país com a economia estabilizada é que o câmbio precisa flutuar e o BC só entra para evitar os excessos. Não parece ser isso o que está acontecendo agora.

O Estado de S.Paulo - 29/04

Os ministros da Guerra e da Marinha deram seu aval ao golpe de 1937 e, em 1945, decidiram depor Getúlio Vargas. Generais de exército pediram a renúncia de Getúlio em 1945. O ministro da Guerra levou o Congresso a depor dois presidentes da República. Mas foi um general de divisão quem comandou a tropa que saiu de Minas Gerais em 1964 e permitiu a derrocada do regime. Poucos se dão conta da complexidade do processo que se iniciou em 31 de março de 1964.

O general Mourão Filho, chefe militar da revolução, bateu continência a Costa e Silva, general de exército e o mais antigo, que assumiu por ato próprio o Ministério da Guerra. Mourão rendeu-se à hierarquia.

O respeito à hierarquia presidirá todo o processo - embora houvesse momentos em que os generais em comando agiam sob pressão de seus comandados, os que, especialmente em dezembro de 1968, formavam no que chamei, em vários escritos, de Partido Fardado. O Partido Fardado é mais estado de espírito que organização. Um pequeno grupo que existiu até o governo Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.

Foi, contudo, a hierarquia o que impediu que o Brasil se transformasse num Egito do coronel Nasser. Este foi o drama do Partido Fardado desde sempre: os que nele formam rompem a hierarquia e a disciplina e forçam os generais a agir, sabendo, porém, que sem o totem, a mole militar (Oliveira Viana) não se moverá. Para que o totem decida romper o respeito à Constituição, é preciso que considere que o Estado bem ordenado e os valores que o Exército cultua correm risco. Só então ele se move - e leva com ele os generais e todo o Partido Fardado.

Isso posto, é importante perceber que há um dramatis persona neste doloroso processo. Para muitos, será Vargas. Para esses, João Goulart seria a imagem refletida de Getúlio, o "fronteiriço" que não conhece a Nação. Para o Exército, porém, é João Goulart, não o estancieiro do Sul, mas o político, que tem poder e poderá fazer alianças que afrontem a ordenação do Estado, cuja estrutura assenta na hierarquia, e os valores castrenses.

São os coronéis, em 1954, com seu Memorial, quem primeiro constroem a persona Jango. Os generais se calam - mas Vargas demite Jango e o ministro da Guerra. Em 1955, na "Novembrada", Goulart é apenas vice-presidente e, para os generais, é preciso manter a ordem e dar posse a JK. Em 1961, o respeito à Constituição fará dele presidente, comandante em chefe das Forças Armadas. Heck, Denys e Moss, ministros, exigem sua renúncia. Veem na persona Jango que se construiu depois da Novembrada, no seu vínculo com sindicatos operários agressivos e o Partido Comunista, um perigo para o Estado. Afastados, Denys e Heck iniciam a conspiração, isolados ou cercados de poucos oficiais. O que veio depois é história nos anais das Armas: a revolta dos Sargentos (1963), o comício do dia 13 de Março, a revolta na Esquadra e a dos fuzileiros que aclamam Anselmo e, sendo presos, são anistiados por ato presidencial que viola a Constituição, o discurso de Goulart aos sargentos. A persona Jango ganhou vida. Mourão, em Juiz de Fora, subleva sua tropa para deter o golpe Jango-comunista, que vê em marcha.

O Partido Fardado segue os generais - mas pretende ultrapassá-los na "limpeza" geral, assumindo o controle das comissões de investigação criadas para punir corruptos. A política do presidente Castelo Branco é posta em xeque. Com o AI-2, Castelo recupera o controle da situação e ganha para sempre a hostilidade do Partido Fardado, que, cego para a realidade política que se criara, vê em Costa e Silva - seu candidato e o do mundo empresarial - o homem para fazer a sua revolução, que até então ninguém soubera definir qual seria. Contra comunistas e políticos, com certeza; contra empresários, talvez.

Castelo Branco sabe que sucessivos pronunciamentos militares denegrirão a imagem do País no exterior. Se cede à pressão em favor de Costa e Silva, criará condições para que não haja mais totens nas Armas. A reforma que faz na lei das promoções impedirá que um general permaneça na ativa tempo suficiente para construir a coorte de seguidores de sua visão do Brasil e de seu futuro. A percepção da ameaça da subversão armada e o ato do Congresso recusando que Moreira Alves fosse julgado pelo Supremo Tribunal Federal levam ao AI-5, com suas consequências dramáticas. A junta militar, depondo o civil vice-presidente da República, só pode ser compreendida como indicadora de que os ministros que a integram não têm como conduzir o processo e vencer a agitação que, surda, lavra nos quartéis. Convocarão eleições e definem o corpo eleitoral: as Armas. Antes de passar o poder ao general Médici, liquidam, por decreto-lei, o Partido Fardado: os ministros militares terão poder discricionário para transferir para a reserva - "expulsar", diriam seus adversários - os oficiais de qualquer patente que possam representar ameaça à hierarquia. Antes, com o Ato-17, haviam deixado claro aos oficiais fiéis à revolução que o poder era deles.

A lei de Castelo sobre as promoções, o AI-17 e o decreto-lei da "expulsória" (sempre em vigor) consagraram o Princípio do Chefe. Os governos civis que vieram depois não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem nem com a preservação dos valores castrenses. Os chefes militares que dirigiram o País depois do 31 de março de 1964 criaram as condições para que as Armas fossem afastadas dos conselhos que definem a grande política do Estado e celebraram o réquiem do Partido Fardado.

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