sexta-feira, 26 de setembro de 2014

LEITURA DIGESTIVA

sexta-feira, setembro 26, 2014

Custos da diplomacia eleitoreira - EDITORIAL O GLOBO






O GLOBO - 26/09


Entre os danos causados pelo uso partidário da assembleia da ONU está o fim do sonho do assento no Conselho de Segurança e mais uma rusga com os Estados Unidos



Entre as marcas fortes destes 12 anos de administração petista, inclui-se a partidarização da política externa. Assim, tão logo Lula assumiu, a nova diplomacia brasileira começou a trabalhar contra as negociações com os americanos em torno da Alca, Aliança de Livre Comércio das Américas, sob aplausos do nacional-populismo já reinstalado no continente — Venezuela e Argentina, seus representantes mais proeminentes. De fato soterrou-se aquele projeto de integração Norte-Sul, e a diplomacia companheira fez o país mergulhar em outra direção, na política Sul-Sul, equivocada, como sabido.

A patética participação da candidata-presidente Dilma Rousseff na 69º Assembleia Geral da ONU mostrou outra faceta preocupante da “petização” da diplomacia brasileira: seu uso eleitoreiro, apenas para afeito da campanha da reeleição de Dilma. Neste caso, dizer que o Barão do Rio Branco enrubesce na tumba não é um bordão surrado.

Antes de representar o Brasil no discurso de abertura da assembleia, Dilma participou da Cúpula do Clima, com um providencial vestido vermelho, em óbvia obediência aos marqueteiros da campanha. Da tribuna da ONU, Dilma continuou no script eleitoreiro, ao fazer um discurso de prestação de contas de seu governo e dos oito demais anos de PT no Planalto, sem qualquer interesse para os representantes dos países.

Teve o mesmo objetivo a desastrada crítica, feita de forma mais clara em entrevistas, à ação militar da coalizão liderada pelos americanos contra o Estado Islâmico, grupo sectário tão radical e violento que foi desligado da al-Qaeda. Inspirada no antiamericanismo, agora com fins eleitoreiros, Dilma fez a inaceitável defesa dos jihadistas assassinos do EI, com base no conhecido discurso já usado sobre a guerra no Iraque — correto em si —, de que é necessário “dialogar”, em vez de sacar armas.

Fez uma inacreditável confusão. O EI não é um Estado, mas um bando armado, fanático, já conhecido por degolar jornalistas e, agora, um turista, filmar as atrocidades e colocá-las na internet como peça de propaganda. Esqueceu-se a diplomacia companheira que da coalização participam países árabes, o que aumenta a legitimidade da operação.

Da desastrosa passagem por Nova York sobram danos para o Brasil. Além do descrédito semeado por Dilma, há um novo distanciamento em relação aos Estados Unidos, cuja economia se recupera e pode compensar as perdas nas exportações nacionais causadas pela debacle Argentina. Outro dano é o virtual fim do projeto de obtenção do assento no Conselho de Segurança, elevando o status político brasileiro ao peso que o país já tem na economia mundial. Não se pode mesmo dar poder de veto no CS a quem protege sectários.

É uma imagem emblemática a cena do assessor especial da presidência Marco Aurélio Garcia, liderança petista, aboletado na bancada brasileira na assembleia geral. Simbolizava a tutela da política externa pelo partido.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Quem fez ilícito responde por aquilo que fez”
Ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) ao afirmar que o governo não teme delações



PROJETOS DE DELCÍDIO E MENTOR AGORA SOB SUSPEITA

Dois projetos propondo facilidades e até anistia para “repatriar” dinheiro não declarado (em geral, sujo) de brasileiros no exterior, agora estão sob suspeita, após a Operação Lava Jato. São do senador Delcídio Amaral (PT-MS), citado na delação premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e do deputado José Mentor (PT-SP), citado no escândalo do Banestado, protagonizado pelo doleiro Alberto Youssef.

CONTAS NO EXTERIOR

Em seus depoimentos, Paulo Roberto Costa detalhou pagamentos de propina a autoridades, inclusive parlamentares, em contas no exterior.

‘CIDADANIA FISCAL’

A ementa do projeto de Mentor (2005), copiada por Delcídio em 2009, é um primor de caradurismo: chama isso de “cidadania fiscal”.

COINCIDÊNCIA?

Procuradores agora querem saber se é coincidência que esses projetos tenham sido propostos no auge da atuação da quadrilha na Petrobras.

ESTRANHA GENEROSIDADE

Os projetos sob suspeita anistiam o dono do dinheiro “repatriado” e fixam apenas 5% de imposto. Trabalhador paga até 27,5% de imposto.

NÃO FOI ‘INTIMIDAÇÃO’: PF INVESTIGAVA DENÚNCIA

A Polícia Federal não tentava “intimidar” o senador Lobão Filho (PMDB), candidato do clã Sarney ao governo do Maranhão, quando realizou buscas no seu avião, em São Luís. A PF apenas cumpria seu papel legal de averiguar grave denúncia. Há informações de que se tratava de suspeita de transporte de grande quantia de dinheiro. O Maranhão está no centro das atenções da PF desde que prendeu em São Luís o megadoleiro Alberto Youssef, na Operação Lava Jato.

MISSÃO ABORTADA

Há denúncia de que, antes de ser preso, Youssef recebeu em São Luís a missão de “repatriar” US$ 5 milhões para uma campanha majoritária.

PROXIMIDADE

Youssef foi preso quando se hospedava em hotel próximo à casa de veraneio do governo do Maranhão na praia de São Marcos.

CAUTELA, SENHORES

Michel Temer e Renan Calheiros podem se arrepender de acusar a PF, apressadamente, de “tentativa de intimidação” contra Lobão Filho.

TEIA

A oposição identificou três telefonemas da EBX, de Eike Batista, para Humberto Sampaio Mesquita, que é genro do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, operador de esquema paralelo de corrupção.

O REVOLUCIONÁRIO

Sérgio Moro, jovem juiz de 41 anos, competente e incorruptível, tem nas mãos a chance de promover uma revolução no Brasil pela via da Justiça, a partir dos processos abertos com a Operação Lava Jato.

BRIGA INTERNA

O PSB-PE está em campanha para eleger presidente nacional do partido o prefeito de Recife, Geraldo Júlio, na convenção que Roberto Amaral, presidente interino, com a sensibilidade de hipopótamos em loja de cristais, marcou para segunda (29), às vésperas das eleições.

OOOPS

Há dias, ao visitar hospitais de Minas, mulher do tucano Pimenta da Veiga, Ana Paola, achava que falava para instituições de caridade. Mas eram hospitais responsáveis pela maior parte do atendimento do SUS.

LONGE DE SKAF

Na tentativa de engajar o PMDB na campanha à reeleição de Dilma, o vice Michel Temer participa, segunda (29), de ato em Ribeirão Preto, terra de Baleia Rossi, presidente estadual do PMDB de São Paulo.

TUCANO CORUJA

O candidato a presidente Aécio Neves (PSDB), todo orgulhoso, não se cansa de mostrar fotos dos filhos gêmeos com sua mulher, Letícia. Fez isso ontem durante escala do avião no Rio Grande do Sul.

PÉ-FRIO EM AÇÃO

O deputado Felipe Maia (DEM) ironiza a presença de Lula ao lado de adversários do pai, Robinson Faria (PSD), ao governo potiguar: “Nas últimas eleições no Rio Grande do Norte, todos que receberam apoio de Lula foram derrotados no 1º turno”.

PREÇO ELEVADO

O deputado Danilo Forte (CE) está em campanha para eleger Eduardo Cunha (RJ) à presidência da Câmara. Ninguém merece. Preço muito alto para viabilizar a candidatura de Forte à liderança do PMDB.

PERGUNTA NO PALANQUE

A presidente Dilma desistiu de ir ao comício do PT em Brasília por que, depois de defender o indefensável na ONU, decidiu não repetir a dose?



PODER SEM PUDOR

O MATA-MOSQUITOS

O médico sanitarista Mário Pinotti, ministro da Saúde de JK, não apenas era parecido com Villa-Lôbos como cultivava uma cabeleira no estilo dos grandes regentes do passado, à moda Carlos Gomes.

Durante os aperitivos que precederam o banquete na Escola Doméstica, quando de sua visita ao Rio Grande do Norte, o deputado estadual (e grande gozador) Nei Marinho perguntou-lhe à queima-roupa:

- O senhor é maestro?

- Não, sou mata-mosquito... - devolveu Pinotti, sem perder a esportiva.

quinta-feira, setembro 25, 2014

O mundo encantado de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 25/09


Um turista francês de 55 anos, chamado Hervé Goudel, foi decapitado na Argélia por um grupo extremista que disse estar sob as ordens do Estado Islâmico (EI), a organização terrorista que controla atualmente parte da Síria e do Iraque e lá estabeleceu o que chama de "califado". Um vídeo que mostra a decapitação de Goudel foi divulgado ontem, para servir como peça de propaganda do EI - cujos militantes já decapitaram em frente às câmeras dois jornalistas americanos e um agente humanitário britânico e estarreceram o mundo ao fazer circular as imagens de sua desumanidade.

Pois é com essa gente que a presidente Dilma Rousseff disse que é preciso "dialogar".

A petista deu essa inacreditável declaração a propósito da ofensiva militar deflagrada pelos Estados Unidos contra o EI na Síria. Numa entrevista coletiva em Nova York, na véspera de seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, Dilma afirmou lamentar "enormemente" os ataques americanos contra os terroristas. "O Brasil sempre vai acreditar que a melhor forma é o diálogo, o acordo e a intermediação da ONU", disse a presidente - partindo do princípio, absolutamente equivocado, de que o EI tem alguma legitimidade para que se lhe ofereça alguma forma de "acordo".

É urgente que algum dos assessores diplomáticos de Dilma a informe sobre o que é o EI, pois sua fala revela profunda ignorância a respeito do assunto, descredenciando-a como estadista capaz de portar a mensagem do Brasil sobre temas tão importantes quanto este.

O EI surgiu no Iraque em 2006 por iniciativa da Al-Qaeda, para defender a minoria sunita contra os xiitas que chegaram ao poder depois da invasão americana. Sua brutalidade inaudita fez com que até mesmo a Al-Qaeda renegasse o grupo, que acabou expulso do Iraque pelos sunitas. A partir de 2011, o EI passou a lutar na Síria contra o regime de Bashar al-Assad. Mas os jihadistas sírios que estão na órbita da Al-Qaeda também rejeitaram o grupo, dando início a um conflito que já matou mais de 6 mil pessoas.

Com grande velocidade, o EI ganhou territórios na Síria e, no início deste ano, ocupou parte do Iraque, ameaçando a própria integridade do país. No caminho dessas conquistas, o EI deixou um rastro de terror. Além de decapitar ocidentais para fins de propaganda, seus métodos incluem crucificações, estupros, flagelações e apedrejamento de mulheres.

"A brutalidade dos terroristas na Síria e no Iraque nos força a olhar para o coração das trevas", discursou o presidente americano, Barack Obama, na Assembleia-Geral da ONU, ao justificar a ação dos Estados Unidos contra o EI - tomada sem o aval do Conselho de Segurança da ONU. Em busca de apoio internacional mais amplo - na coalizão liderada por Washington se destacam cinco países árabes que se dispuseram a ajudar diretamente na operação -, Obama fez um apelo para que "o mundo se some a esse empenho", pois "a única linguagem que os assassinos entendem é a força".

Pode-se questionar se a estratégia de Obama vai ou não funcionar, ou então se a ação atual é uma forma de tentar remendar os erros do governo americano no Iraque e na Síria (ver o editorial A aventura de Obama, abaixo). Pode-se mesmo indagar se a operação militar, em si, carece de legitimidade. Mas o fato incontornável é que falar em "diálogo" com o EI, como sugeriu Dilma, é insultar a inteligência alheia - e, como tem sido habitual na gestão petista, fazer a diplomacia brasileira apequenar-se.

Em sua linguagem peculiar, Dilma caprichou nas platitudes ao declarar que "todos os grandes conflitos que se armaram (sic) tiveram uma consequência: perda de vidas humanas dos dois lados". E foi adiante, professoral: "Agressões sem sustentação, aparentemente, podem dar ganhos imediatos. Depois, causam enormes prejuízos e turbulências. É o caso, por exemplo, do Iraque. Tá lá, provadinho, no caso do Iraque". Por fim, Dilma disse que o Brasil "é contra todas as agressões" e, por essa razão, faz jus a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU - para, num passe de mágica, "impedir essa paralisia do Conselho diante do aumento dos conflitos em todas as regiões do mundo".

quarta-feira, setembro 24, 2014

GOSTOSAS




"Pessidilma" - ALEXANDRE SCHWARTSMAN





FOLHA DE SP - 24/09

A culpa é sempre dos outros: a seca, a chuva, a safra, os EUA, a China, o câmbio ou o "Pessimildo"


Por que não conseguimos trazer a inflação de volta à meta? Simplesmente porque o governo federal não quer, fato aparente em suas repetidas mostras de satisfação com uma taxa que não ultrapasse o limite superior permitido, 6,5%.

Há pouco, por exemplo, a presidente afirmou que "a inflação tenderá para o centro da meta a partir de novembro ou dezembro", mesmo reconhecendo que fechará o ano apenas pouco abaixo do nível crítico. Essa fala isoladamente não significa muito, mas afirmações como essa abundam, não apenas no discurso presidencial, mas também no que se refere a praticamente todas as autoridades econômicas.

O próprio Banco Central, supostamente o responsável pela manutenção da inflação próxima à meta, comemorou acintosamente até quando a inflação ficou exatamente em 6,5% (em 2011).

Como de hábito, a culpa é sempre dos outros: a seca, a chuva, a safra, os Estados Unidos, a China, o câmbio ou o "Pessimildo"; jamais resultado do manejo inadequado de política econômica, manifesto na visível piora das contas públicas, assim como de uma política monetária temerária, que reduziu a taxa de juros mesmo em face de inflação alta e crescente.

E, como sempre, a promessa é de queda da inflação no ano que vem, ou no próximo. A convergência lenta, às vezes "não linear", e nunca verdadeira, é geralmente justificada como uma tentativa de preservar o nível de atividade.

Na prática, porém, independentemente de termos registrado inflação média superior a 6% ao ano nos últimos quatro anos, o país chega ao fim deste período com crescimento medíocre, inferior a 2% ao ano e muito próximo de zero em 2014.

E nem adianta argumentar que as coisas teriam sido ainda piores caso houvesse um esforço para conter a inflação.

Como se sabe, a relação negativa entre crescimento e inflação só existe em prazos curtos; ao longo de quatro anos teria sido possível trazer a inflação de volta à meta a tempo de retomar o crescimento e compensar qualquer perda de produto, ainda mais porque, até 2011, o BC ainda dispunha da credibilidade herdada de gestões anteriores.

A verdade é que o descaso com o problema tem agravado a questão do crescimento. Nem tanto porque uma taxa de inflação na casa de 6% produza, por si só, um estrago muito maior do que uma taxa de 4,5%, mas, sim, por causa das tentativas desastradas de lidar com a alta de preços por meio de intervenções diretas na economia.

O congelamento do preço da gasolina, por exemplo, teve forte impacto negativo na capacidade de investimento da Petrobras. Adicionalmente, "amassou" o setor de açúcar e álcool, dando uma lição inesquecível àqueles que acreditaram nas palavras do governo acerca do futuro de biocombustíveis.

Já a intervenção no setor elétrico deve ter liquidado qualquer fiapo de confiança acerca do respeito às regras do jogo.

Não é por outro motivo que o investimento, como já destacado neste espaço, apresenta quatro trimestres consecutivos de queda, recuando a níveis observados pela última vez em 2007.

Da mesma forma, para evitar que a inflação se cristalize acima do limite permitido, o BC tem feito pesadas intervenções no mercado de câmbio, afetando negativamente nossas exportações.

Em outras palavras, a falta de disposição para combater a inflação e a aceitação tácita que bastaria mantê-la levemente abaixo do limite superior para poder decretar vitória nos colocaram numa situação delicada. Para evitar chegar a patamares superiores ao permitido no fim deste ano, o governo recorreu a controles de preços e câmbio, com consequências adversas para nosso crescimento.

A culpa, portanto, não é do "Pessimildo", mas da "Pessidilma", a gestora iluminada que, por sua conta e risco, abandonou o bem-sucedido regime macroeconômico que nos assegurava a estabilidade, obtendo em troca inflação alta e crescimento risível, uma combinação verdadeiramente inigualável. Vai para o trono ou não vai?

Autoritarismo - ROBERTO DAMATTA





O GLOBO - 24/09


No Brasil, o crime hediondo e depravado é feito por quem não conhecemos; já o crime cometido por quem faz parte do nosso círculo de relações é erro de cálculo



Talvez a palavra “autoritarismo” seja a mais adequada para caracterizar a nossa índole política. Veja bem: eu falo em caracterizar, e não em definir. Somos também anárquicos, malandros e lenientes — portanto, antiautoritários em certas situações, e tais comportamentos dependem de ideologias, partidos e pessoas. Sobretudo dos amigos, e daí vem, paradoxalmente, o problema da impunidade que impede castigar delitos flagrantes precisamente porque não julgamos os crimes, mas quem os praticou. Se o autor é um desconhecido, somos implacáveis e fascistas, mas, se é um amigo, ele tem a nossa condescendência e a nossa compaixão.

Afinal, falamos autoritariamente, mas sem perceber: “Este eu conheço! É pessoa de bem, tinha suas razões!”. O crime, como disse um dia o presidente Lula, foi cometido por meros (e inocentes) “aloprados”; e o mensalão foi uma trivialidade num sistema político recheado de corruptos. O problema é que a trama dos favores que une os poderosos é muito densa para não ser descoberta por algum maldito jornalista investigativo ou revelada por alguma rede ou câmara de televisão.

No Brasil, o crime hediondo e depravado é feito por quem não conhecemos; já o crime cometido por quem faz parte do nosso círculo de relações é um erro de cálculo ou um descuido. Donde o inocente e mendaz: “Eu não sabia...” Nosso autoritarismo ainda não entendeu que, numa democracia, somos simultaneamente construtores e habitantes de um mesmo teto!

O dado novo é a desmistificação do governante como uma pessoa predestinada e superior que pode tudo. Sobretudo roubar. E a questão hoje em dia não é mais de ter sido pobre ou das competências de como resolver os problemas, mas do modo pelo qual esses problemas serão resolvidos. No Brasil atual, nem Stalin ou Hitler teriam sucesso, porque o modo de governar está intrinsecamente ligado à roubalheira amistosa, vista como normal, aceitável e inevitável. O governar como um serviço e uma entrega baseada no resgate de valores, mais do que de rotineiras receitas técnicas, é o que está faltando neste nosso Brasil prestes a eleger um novo presidente.

É preciso liquidar com o autoritarismo do “todos fazem” e nós também fizemos, mas, infelizmente, a imprensa reacionária propagou de modo exagerado e ilegítimo o nosso delitozinho, inventando um “mensalão” petista que jamais existiu. O do PSDB é real, o nosso é fantasia reacionária. Por isso, tivemos que lutar para realizar uma revisão de todo o quadro legal e praticamente reformulamos as sentenças e a tese do julgamento.

Contra isso, só um temporal de ética que comece discutindo o personalismo. Esse personalismo que atribui mais responsabilidade às pessoas do que às questões que demandam a cooperação de todos para serem resolvidas.

Quem é a autoridade? Saber quem manda (ou é o “dono da bola”) é, sem sombra de dúvida, a questão que mais nos aflige. Competir com uma pessoa — usando argumentos pífios — é mais importante do que contribuir para resolver um problema crucial. Quando o mandão é obvio, não há problema. Mas, quando não existe consenso sobre quem é o mais importante, ficamos aflitos, e o conflito deflagra os bate-bocas mal-educados, visando à “desconstrução”, que são a primeira consequência do nosso desconforto com a igualdade.

No fundo, sempre achamos que as pessoas são mais importantes que os problemas e é exatamente isso que tipifica o personalismo que leva ao autoritarismo. Nele, o centro é sempre a pessoa, e elas são tão poderosas que frequentemente fazem com que os problemas (bem como as normas e leis) sejam esquecidos ou ultrapassados.

O dinamismo democrático conduz a uma troca de cadeiras. Se não fosse um exagero, eu diria que essa transparência e esse embaralhamento entre o público e o íntimo têm tido um efeito revolucionário de desmistificar precisa e paradoxalmente os revolucionários de plantão. É o que o nosso pífio programa eleitoral tem o dom de revelar. Nele, os batedores de carteira usuais surgem com clareza, mas é fascinante descobrir o fascismo aberto dos candidatos revolucionários para quem todo o mal do mundo é produzido pelos banqueiros. A satanização é um reducionismo absurdo.

Como contrapeso, porém, temos a campanha dilmista falando de um futuro governo aberto às forças do empreendedorismo, do lucro e do mercado que o PT sempre rejeitou, ao lado de uma visão francamente autoritária e contraditória relativamente ao papel da mídia. Ao jornal cabe informar! — diz a presidenta. E nós, na nossa luta para desmistificar o mundo público nacional, livrando-o dos seus sofismas personalistas, familísticos e autoritários, ficamos abestalhados com a revelação da índole (do geist, como diria um sociólogo alemão) deste governo que tem desmantelado o Banco Central, a Petrobras, os Correios e agora um impecável IBGE nesta ultima década, e que ainda quer mais tempo para prosseguir.

O eleitor e a preguiça - FERNANDO RODRIGUES





FOLHA DE SP - 24/09



BRASÍLIA - Há um número não desprezível de eleitores desiludidos e incomodados com a forma de fazer política. Muitos votarão apenas contra alguém, mas não a favor desse ou daquele candidato. Há nesse grupo também os 100% céticos, cidadãos decididos a votar nulo.

Outro dia escrevi sobre o fato de o voto nulo não ser neutro. Quem anula reduz o número de votos válidos. Permite que o candidato a governador ou a presidente à frente nas pesquisas vença eventualmente no primeiro turno com menos apoios.

Após detalhar o efeito do voto nulo, recebi uma profusão de reclamações. Em síntese, os recados são assim: "Você está dizendo que não posso nem votar nulo? Eu não quero me comprometer com ninguém e desejo protestar contra todos os políticos".

Tal atitude embute um conceito defeituoso de cidadania. Pressupõe que exercer a democracia consista apenas em sair de casa uma vez a cada dois anos para votar.

Ocorre que o voto é como se fosse um gol, usando o futebol como alegoria. Só marca gols quem treina, aplica-se, desenvolve um estilo e joga de maneira coletiva. Na sociedade, isso requer atuar de forma constante, fiscalizando os eleitos e fazendo cobranças a respeito das promessas apresentadas durante a campanha.

A memória eleitoral do brasileiro não indica tal tipo de comportamento. Em 2010, duas semanas depois de terem escolhido a nova Câmara, 30% dos eleitores já diziam não se lembrar em quem haviam votado para deputado federal.

Essa cidadania preguiçosa é a raiz dos problemas dos quais a maioria reclama. Os mesmos que votam nulo se chateiam ao ficar sabendo de mais um caso de corrupção na política. Alguns também se irritam quando são indagados sobre como devem se comportam depois das eleições. "Vai dizer agora que tenho de ficar mandando um e-mail para os deputados todas as semanas?" Não é muita coisa, mas já ajudaria um pouco.

O vale-tudo na busca ilusória do superávit primário - EDITORIAL O GLOBO



O GLOBO - 24/09

O saque no Fundo Soberano não é um problema em si, mas faz parte de um conjunto de ações, incluindo a contabilidade criativa, para maquiar as contas públicas



A nova manobra do governo para tentar formalmente atingir a meta do superávit primário, o saque de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano, não é apenas uma operação para tentar, novamente, compensar as dificuldades fiscais crescentes da gestão Dilma nas proximidades do primeiro turno eleitoral. A utilização desse fundo, criado em 2008 para ser usado em investimentos e aplicações financeiras, é mais uma peça numa obra cujo conjunto nada tem de positivo.

De Nova York, onde foi participar da Cúpula do Clima, nas Nações Unidas, a candidata-presidente Dilma Rousseff usou adjetivos fortes para qualificar as críticas à operação — “estranhérrimo”, “estarrecedor”. Na visão de Dilma, em si correta, o fundo tem função contracíclica: poupa nos bons momentos da economia e deve ser utilizado nos maus, como agora. Em Brasília, o seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi no mesmo diapasão e tachou de “legítimo” o governo recorrer .

A questão é bem outra. Retirar dinheiro dessa caderneta de poupança da União é apenas mais uma ação — de resto, inócua — para ostentar um equilíbrio fiscal inexistente na realidade. Junto com operações típicas de contabilidade criativa, o uso do Fundo Soberano é mais uma ação ilusória do Planalto para encobrir algo que todo analista minimamente informado sabe: as contas públicas estão bastante desequilibradas. Isso porque a persistente política do governo de manter os gastos primários subindo a uma velocidade superior à da coleta de impostos foi apanhada no contrapé pelo desaquecimento (previsível) da economia, com a consequente perda de arrecadação. Sem falar no efeito das desonerações tributárias.

Apesar de tudo, o Ministério da Fazenda mantém a história da carochinha de um superávit primário, este ano, de 1,9% do PIB. Já as previsões no mundo privado, onde não há injunções político-eleitorais, variam de 1% a zero. Ou seja, a dívida pública continuará em alta.

Para embonecar estatísticas e se chegar formalmente à economia prometida de R$ 99 bilhões, o 1,9% do PIB, os números são submetidos a intensa funilaria nas oficinas de Brasília. Ainda mais considerando-se a perda de R$ 10,5 bilhões na projeção de receitas tributárias no quarto bimestre, em comparação com mesmo período de 2013. Várias técnicas criativas têm sido acionadas. Uma delas é a “pedalada” de despesas — postergação de gastos para fechar contas menos desequilibradas. O Banco do Brasil e a Caixa, por exemplo, têm pagado em dia benefícios e liberado créditos subsidiados sem receber a devida contrapartida do Tesouro. Já reclamam.

Há, ainda, o uso intenso de receitas que não são perenes, servem apenas para melhorar as contas num determinado momento: dividendos de estatais (às vezes, dinheiro do Tesouro que vai como se fosse para capitalizar a empresa e volta como receita), Refis (renegociação de dívidas tributárias) etc. A credibilidade da apresentação das contas públicas nunca esteve tão baixa.

O autorretrato de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO




O ESTADO DE S.PAULO - 24/09


Por ter chorado numa entrevista ao dizer que fora "injustiçada" pelo ex-presidente Lula, a candidata Marina Silva foi alvo de impiedosos comentários de sua rival Dilma Rousseff. "Um presidente da República sofre pressão 24 horas por dia", argumentou a petista. "Se a pessoa não quer ser pressionada, não quer ser criticada, não quer que falem dela, não dá para ser presidente da República." E, como se ainda pudesse haver dúvida sobre a sua opinião, soltou a bordoada final: "A gente tem que aguentar a barra". Passados apenas oito dias dessa suposta lição de moral destinada a marcar a adversária perante o eleitorado como incapaz de segurar o rojão do governo do País, Dilma acabou provando do próprio veneno.

Habituada, da cadeira presidencial, a falar o que quiser, quando quiser e para quem quiser - e a cortar rudemente a palavra do infeliz do assessor que tenha cometido a temeridade de contrariá-la -, a autoritária candidata à reeleição foi incapaz de aguentar a barra de uma entrevista de meia hora a três jornalistas da Rede Globo, no "Bom dia, Brasil". A sabatina foi gravada domingo no Palácio da Alvorada e levada ao ar, na íntegra, na edição da manhã seguinte do noticioso. Os entrevistadores capricharam na contundência das perguntas e na frequência com que aparteavam as respostas. Se foram, ou não, além do chamamento jornalístico do dever, cabe aos telespectadores julgar.

Já a conduta da presidente sob estresse, em um foro público, por não ditar as regras do jogo nem, portanto, dar as cartas como de costume entre as quatro paredes de seu gabinete, é matéria de interesse legítimo da sociedade. Fornece elementos novos, a menos de duas semanas das eleições, sobre o que poderiam representar para o Brasil mais quatro anos da "gerentona" quando desprovida do conforto dos efeitos especiais que lustram a sua figura no horário de propaganda e, eventualmente, do temor servil que infundiu aos seus no desastroso primeiro mandato. Isso porque os reverentes de hoje sabem que não haverá Dilma 3.0 em 2018 nem ela será alguém na ordem das coisas a partir de então.

A presidente, que tão fielmente se autorretratou no Bom Dia, Brasil é, em essência, assim: não podendo destratar os interlocutores, maltrata os fatos; contestadas as suas versões com dados objetivos e ao alcance de todos quantos por eles se interessem, se faz de vítima como a Marina Silva a quem, por isso, desdenhou. Cobrada por não responder a uma pergunta, retruca estar "fazendo a premissa para chegar na conclusão (sic)", ensejando a réplica de ficar na premissa "muito tempo". É da natureza dessas situações com hora marcada que o entrevistado procure alongar-se nas respostas para reduzir a chance de ser atingido por novas perguntas embaraçosas. Some-se a isso o apreço da presidente pelo som da própria voz - e já estaria armado o cenário de confronto entre quem quer saber e quem quer esconder.

Mas o que ateou fogo ao embate foram menos as falsidades assacadas por Dilma do que a compulsiva insistência da candidata, já à beira de um ataque de nervos, em apresentá-las como cristalinas verdades. Quando repete que não tinha a mais remota ideia da corrupção em escala industrial na diretoria de abastecimento da Petrobrás ocupada por Paulo Roberto Costa de 2004 (quando ela chefiava o Conselho de Administração da estatal) a 2012 (quando ocupava havia mais de um ano o Planalto), não há, por ora, como desmascarar a incrível alegação. Mas quando ela afirma e reafirma - no mais desmoralizante de seus vexames - que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) não mede desemprego, mas taxa de ocupação, e não poderia, portanto, ter apurado que 13,7% dos brasileiros de 18 a 24 anos estão sem trabalho, é o fim da linha.

Depois da entrevista, o programa fez questão de convalidar os números da jornalista que a contestava. De duas, uma, afinal: ou Dilma, a economista e detalhista, desconhece o que o IBGE pesquisa numa área de gritante interesse para o governo - o que simplesmente não é crível - ou quis jogar areia na verdade, atolando de vez no fiasco. De todo modo, é de dizer dela o que ela disse de Marina: assim "não dá para ser presidente da República".

Argentina aprofunda a experiência chavista - EDITORIAL O GLOBO







O GLOBO - 24/09

A derrota na Justiça para fundos abutres faz Cristina Kirchner radicalizar contra setor privado e ganhar poderes até para tabelar lucros, sonho dos estatistas


Para azar dos argentinos e do Brasil — pelo efeito da crise do vizinho nas exportações —, o governo de Cristina Kirchner volta a se chavinizar, à medida que a própria crise se aprofunda e o tempo avança em direção às eleições presidenciais do ano que vem.

A política interna argentina tem meandros difíceis de entender por não iniciados no país, e chega a requerer conceitos psicanalíticos na avaliação das crises —não fora Buenos Aires uma das capitais mundiais da psicanálise.

Há alguns meses, a Casa Rosada parecia ter entendido os malefícios de se manter como pária no mercado financeiro mundial, desde que, no final de 2001, no estouro da grave crise do rompimento da política do câmbio fixo, o país entrou em default. Não havia alternativa. Mas o mau relacionamento com os credores piorou com a posse de Néstor Kirchner, em 2003. Arrogante, sem qualquer flexibilidade, o primeiro governo da dinastia Kirchner impôs um grande deságio na renegociação com os credores — em português claro, perda.

Até que os chamados fundos abutres adquiriram no mercado títulos argentinos a preços muito baixos, a fim de depois lutar no foro judicial previsto em contrato, Nova York, para resgatá-los pelo valor integral. Manobra típica desses fundos no mundo inteiro.

Toda essa relação tensa com credores e uma política econômica intervencionista e antiprivatista isolaram a Argentina. A Casa Rosada, porém, passou a se entender com o Fundo Monetário sobre a correta mensuração da inflação — manipulada descaradamente pelo governo — e até se aproximou do Clube de Paris, em que se reúnem os Estados credores, para colocar contas em dia.

A vitória judicial dos fundos em Nova York fez, porém, reverter todos esses avanços, e a Argentina, como em choque por se sentir rejeitada, voltou a heterodoxias econômicas, a se distanciar mais uma vez do mundo. O país voltou ao divã.

A reação do ministro da Economia, Axel Kocillof, um jovem professor universitário marxista, foi sintomática. Por meio dele, o governo de Cristina repetiu o velho estilo de partir para o confronto, quando a sensatez aconselhava o oposto. E assim a Argentina se encontra mais uma vez em default, à margem do sistema financeiro internacional e dos planos de investimentos globais.

Na política interna, a sombra do chavismo, já presente há algum tempo no governo de Cristina K., voltou a aparecer com a aprovação pelo Congresso, sob controle kirchnerista, de nova lei cujo objetivo é intervir no coração das empresas privadas. Afinal, o governo poderá fixar margens de lucro, punir com multas comportamentos que considere maléficos ao abastecimento, e assim por diante. É cópia carbono de políticas adotadas na Venezuela. A crise na economia se agravará e as tensões políticas aumentarão. O governo Dilma, enredado em problemas econômicos, incluindo o comércio exterior, liado ideológico, padecerá ainda mais. Em silêncio, é claro.

Descompasso na Zona do Euro - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE


CORREIO BRAZILIENSE - 24/09
Uma boa notícia para o mundo veio do Velho Continente. A Comissão Europeia, a porção executiva da União Europeia (EU), anunciou na segunda-feira que países da Zona do Euro - considerados os mais vulneráveis na crise econômica eclodida nos Estados Unidos em outubro de 2008 - são agora os que mais fazem reformas na região. A informação vem acompanhada, entretanto, de um senão: efeitos concretos dos ajustes que estão sendo realizados ainda não são palpáveis e podem levar anos para render frutos atrativos.
O comunicado da CE, que tem como foco Espanha, Itália, Portugal e Grécia, aduz que o ambiente regulatório geral desses países está melhorando. Mais até, observa que são esperados bons ganhos, embora, apesar do progresso, ainda seja "significativa a distância em relação a outros países do bloco que contam com uma estrutura regulatória mais flexível".

Segundo o relatório da comissão da UE, nos últimos meses, o quarteto citado fez muitos ajustes para reformar seus setores de serviços profissionais, havendo "amplo espaço para novas reduções em relação a membros da UE como o Reino Unido e a Finlândia". A França, que sofre forte pressão para realizar reformas diante do crescimento muito fraco e da inflação baixa na Zona do Euro, não foi mencionada.

Segundo a agência de notícias Market News International, o governo da Grécia pediu à UE que adie a visita - marcada para o fim do mês - das autoridades do trio formado pelo Banco Central Europeu (BCE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia, que responde pelos credores internacionais de Atenas. A inspeção ficaria para depois da conclusão da revisão e testes de estresse dos credores europeus sobre a qualidade de ativos, fixada para o fim de outubro. Não é à toa que o primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, se reuniu ontem com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, para discutir o programa de ajuste da Grécia, quando reiterou que não quer um terceiro acordo de empréstimo ou novas medidas fiscais.

Enquanto isso, o índice preliminar de confiança do consumidor da Zona do Euro recuou, pelo quarto mês consecutivo este mês, a -11,4, após -10,0 em agosto, segundo a Eurostat (agência de estatísticas da UE). Isso demonstra o grau de pessimismo reinante no bloco, cujos governantes têm outra grande dor de cabeça pela frente. Se não bastasse, com a entrada do outono, países da Europa Central, como a Áustria, estão alarmados com as seguidas quedas no fornecimento de gás pela Rússia, às voltas com as tensões com a Ucrânia.

Daqui a três meses, no inverno, pode faltar o precioso insumo para calefação - no fim de semana, o governo de Viena registrou queda de 25% nas reservas. Como se observa, o Velho Continente está longe de respirar aliviado da crise econômica mundial, iniciada há seis anos. Merkel parece estar cansada de ouvir queixumes e apelos vindos de todos os lados. Mas, praticamente sozinha, pouco pode resolver.

Soberano fracasso - EDITORIAL O ESTADÃO




O ESTADO DE S.PAULO - 24/09


Atropelado pelo próprio fracasso, o governo foi obrigado a cortar pela metade - de 1,8% para 0,9% - sua previsão de crescimento econômico para este ano. Economias com baixo nível de atividade, quase parando, têm normalmente inflação baixa ou em queda, mas o caso do Brasil é diferente. A inflação projetada para 2014 foi mantida em 6,2%, um resultado "compatível", segundo a avaliação oficial, "com a meta estipulada para fins de política monetária". Isso é falso. A meta é de 4,5%, mas a presidente Dilma Rousseff e sua trupe incluem na meta qualquer número até 6,5%, limite de tolerância adotado para acomodar problemas excepcionais. O único problema excepcional tem sido o próprio governo, mais uma vez incapaz, neste ano, de fechar suas contas sem recorrer a receitas extraordinárias, a atrasos de desembolsos - manobras conhecidas internacionalmente como ações de contabilidade criativa. A criatividade incluirá, neste ano, um saque de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para anabolizar a arrecadação federal.

As novas projeções, truques e estimativas fiscais aparecem na revisão de receitas e despesas federais do quarto bimestre. O quadro piorou sensivelmente desde o relatório anterior, quando os economistas do Ministério do Planejamento ainda se permitiam projetar um crescimento econômico de 1,8%. Segundo as novas contas, a receita líquida do ano - depois das transferências a Estados e municípios - será R$ 10,54 bilhões menor que a estimada na revisão do terceiro bimestre. Como consequência da estagnação econômica e da manutenção de benefícios fiscais a setores selecionados, a arrecadação dos principais impostos e contribuições ficará abaixo dos valores estimados até o relatório anterior. Até o Imposto de Importação cairá, porque as compras de bens estrangeiros também foi afetada pela paralisia progressiva da atividade interna.

Para compensar, o governo incluiu no relatório o corte de algumas despesas - em muitos casos, atrasos de pagamentos, ou pedaladas, no jargão do mercado financeiro. Não há outra forma, além do atraso, de reduzir gastos com precatórios. Além disso, economistas que acompanham as finanças públicas criticam as novas estimativas do déficit da Previdência e das despesas com subsídios - incompatíveis com os números conhecidos até agora.

Para tornar as contas mais apresentáveis, o pessoal do Planejamento aumentou as projeções de receitas especiais, além de incluir nos cálculos a transferência de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano. A previsão de dividendos foi elevada de R$ 23,9 bilhões para R$ 25,4 bilhões. Em 2013, os dividendos pagos pelas estatais ficaram em R$ 17,1 bilhões. Houve um aumento de R$ 9,54 bilhões na previsão de recursos extraordinários, incluídos mais R$ 3 bilhões de receita de tributos parcelados (novo Refis).

O saque de R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano foi classificado imediatamente como mais um truque para o fechamento das contas. A presidente Dilma Rousseff reagiu. Escutar essas críticas, segundo ela, é "estarrecedor", porque o Fundo, argumentou, "tem uma característica contracíclica". Em outras palavras, acumula recursos nos períodos bons para atenuar os problemas nas fases difíceis.

De fato, essa é uma das finalidades legais do Fundo, instituído em 2008. Mas a posição da presidente é insustentável. É um abuso atribuir o mau estado da economia brasileira a problemas cíclicos. Se a nova previsão do governo estiver certa, o Produto Interno Bruto (PIB) do Basil terá crescido em média 1,77% ao ano no atual mandato. Os latino-americanos administrados com mais competência cresceram em média, nesse período, mais de 4% ao ano. Mesmo em 2014, com alguma desaceleração, continuam com desempenho bem melhor que o do Brasil. Não se trata de ciclo, mas de incompetência na política econômica.

Além disso, o próprio Fundo é uma aberração. Não foi constituído com sobras, como os de outros países, pois o Tesouro Nacional é deficitário há muito tempo. O Fundo Soberano foi formado com recursos de endividamento público e isso já o distingue negativamente.

A guerra de Obama - EDITORIAL FOLHA DE SP




FOLHA DE SP - 24/09



Os Estados Unidos iniciaram na noite de segunda-feira (22) os anunciados ataques aéreos contra a milícia radical Estado Islâmico.

A iniciativa, levada a cabo em território sírio, conta com o apoio de aliados da região, como Arábia Saudita, Jordânia, Bahrein e Qatar, mas não com o consentimento do Conselho de Segurança da ONU e a anuência de Damasco.

A Casa Branca justifica sua decisão com base numa interpretação tortuosa do princípio de autodefesa. Embora a facção não represente ameaça aos EUA neste momento, ela aterroriza o Iraque, país que solicitou ajuda para se proteger.

O presidente Barack Obama afirma ainda que outro grupo extremista, o Khorasan, com atuação na Síria e ligado à Al Qaeda, estaria prestes a promover atentados contra alvos norte-americanos.

Eleito com a promessa de pôr fim às guerras do Iraque e do Afeganistão, Obama deu o primeiro passo para o que poderá se transformar em mais um longo conflito no Oriente Médio. Os ataques, segundo porta-vozes do Pentágono, devem se estender por anos.

O presidente afirmou que se atém aos limites de sua nova política externa, que prevê bombardeios e lançamento de mísseis, mas prescinde do envio de tropas. No caso, estas seriam "terceirizadas", com o treinamento de rebeldes sírios.

Ainda assim, em depoimento ao Senado dos EUA, o general Martin Dempsey disse que, a depender das circunstâncias, o Pentágono recomendará a participação de forças terrestres no combate.

Como o ex-secretário de Estado Henry Kissinger escreveu a respeito da recente crise na Ucrânia, a principal questão política não é saber como uma guerra se inicia, mas como ela termina.

O raciocínio se aplica à invasão do Iraque, que começou em 2003 por iniciativa unilateral do então presidente George W. Bush --embrulhada na promessa fantasiosa de que se instauraria no país uma democracia à moda ocidental.

A batalha contra Saddam Hussein, como se sabe, transformou-se num atoleiro para os EUA e seus aliados. O surgimento do Estado Islâmico e de milícias similares é fruto daquele equívoco.

Diante de um inimigo imprevisível e difícil de ser enfrentado, é grande o grau de incerteza quanto aos desdobramentos dos ataques. O que se acenava no discurso de Barack Obama como o fim de uma era intervencionista já coincide, na prática, com o início de outra.

Conta de chegada - EDITORIAL ZERO HORA




ZERO HORA - 24/09


A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, estimada no início do ano em 2,5% e já considerada baixa para as necessidades do país, acabou sendo revista para 1,8% e, agora, caiu pela metade, reduzindo-se a um modesto percentual de 0,9%. O resultado, frustrante, não é obra do Pessimildo, personagem da candidata à reeleição Dilma Rousseff, mas consequência direta da incapacidade da política econômica do governo de associar inflação baixa com níveis razoáveis de expansão do setor produtivo. E, o que é mais preocupante, a projeção é vista como superestimada pelo mercado financeiro, que projeta uma expansão de apenas 0,3% de crescimento até dezembro. O mau resultado, na reta final da campanha eleitoral, forçou o Ministério da Fazenda a recorrer a uma série de manobras pirotécnicas para fechar as contas, o que significa sempre um custo elevado para todos os brasileiros mais à frente.
Como a economia cresce menos do que as necessidades do país, as consequências não se restringem aos temores sobre o que vai ocorrer com os níveis de consumo, com a produção industrial, com o emprego e com a renda. Os equívocos da política econômica levaram a uma redução considerável das receitas públicas. Como tem que cumprir metas, o governo federal voltou a se valer de recursos do Fundo Soberano do Brasil, criado para ajudar em situações de emergência. E, entre outras manobras, ainda precisou recorrer ao lucro de empresas estatais, o que na prática tende a prejudicar investimentos em áreas importantes, que dependem do poder público, como é o caso do setor energético.
Um país das dimensões do Brasil não tem o direito de errar até mesmo numa conta de chegada, ao superestimar receitas com base em uma expansão da atividade produtiva que não se confirmou na prática. Também não tem mais como insistir na argumentação de que o problema se deve a uma crise global, pois muitas economias de países industrializados ou emergentes vêm se expandindo em percentuais bem mais expressivos do que o brasileiro.
O país só chegou a esse impasse entre a estagnação e a recessão, às voltas com malabarismos fiscais, porque optou por medidas cosméticas, quando deveria ter apostado em reformas estruturais. Agora, resta a quem estiver no comando a partir de 2015 se esforçar ao menos para reduzir o impacto de ajustes inadiáveis para os contribuintes.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO





EX-DIRETOR DELATOU 11 SENADORES À JUSTIÇA FEDERAL

O influente ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, a quem o ex-presidente Lula chama de “Paulinho”, entregou mais de 60 pessoas em seu acordo de delação premiada, mas por enquanto apresentou provas ou indícios concretos contra apenas 37, dos quais 11 são senadores. Os delatados integram os poderes Executivo e Legislativo, segundo fonte do Ministério Público Federal.

A BANCADA

Os 11 senadores delatados pelo ex-diretor da Petrobras, todos ainda no exercício do mandato, representam 13,5% do Senado Federal.

PRIMEIROS NOMES

Já vazaram os nomes dos senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Edison Lobão (ministro de Minas) e Renan Calheiros, estes do PMDB.

FORO PRIVILEGIADO

A maioria dos delatados pelo ex-diretor tem foro privilegiado. Só podem ser investigados sob autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).

NAS MÃOS DO STF

O foro privilegiado pode tirar o Petrolão das mãos do juiz federal Sérgio Moro, a menos que os ministros do STF decidam mantê-lo no caso.

CORONEL CID AGORA É ACUSADO DE CENSURA NO CEARÁ

Dias depois de tentar impedir a circulação da revista IstoÉ, que o citou como envolvido no escândalo do Petrolão, o governador do Ceará, Cid Gomes, agora é acusado pela oposição de pressionar o jornal Diário do Nordeste a tirar do ar o blog do conceituado jornalista Roberto Moreira – que noticiou uma reunião na qual seu irmão Ciro Gomes teria ofendido o candidato a governador Camilo Santana (PT), que a dupla apoia.

INCOMPETÊNCIA

Em vez de censurar notícias, o governador do Ceará deveria trabalhar para reverter fatos como o de um cearense ser morto a cada 2 horas.

SR. CALAMIDADE

Cid Gomes deixou o governo para fazer campanha eleitoral, enquanto 176 dos 184 municípios se encontram em estado de calamidade.

PERNAS CURTAS

Vítima da truculência de Cid Gomes, IstoÉ comprovou com fotos suas relações com o ex-diretor da Petrobras, que ele disse nunca “ter visto”.

ADVOGADOS CAEM FORA

Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e Antonio Augusto Figueiredo Basto, deverão abandonar a defesa de Alberto Youssef, após a decisão do megadoleiro – sob forte pressão da família – de fazer delação premiada para tentar reduzir a pena.

CASO DE FAMÍLIA

Youssef se habilitou à delação premiada há dez dias, após sua mulher e as filhas concluírem que dificilmente ele escaparia de pena elevada, e o convenceram a seguir o mesmo caminho do ex-diretor da Petrobras.

ESPELHO MEU

Sites de notícias confirmaram ontem, ao longo do dia, a decisão do doleiro Alberto Youssef de fazer delação premiada. Mas, como é habitual, que coisa feia, não contaram que leram o “furo” nesta coluna.

UMA MÃO LAVA OUTRA

A contadora Meire Poza revelou à Justiça Federal do Paraná, no último dia 15, que após a prisão de Alberto Youssef empreiteiras se cotizaram para manter seu escritório e pagar seus advogados.

ESTILOS DIFERENTES

Presidente da República por dois dias, Ricardo Lewandowski foi de carro despachar no Planalto, do outro lado da Praça dos Três Poderes. Quando assumiu a presidência, o colega Marco Aurélio preferiu ir a pé.

PERDEU, JOAQUIM

Se não tivesse antecipado a aposentadoria, Joaquim Barbosa seria hoje o primeiro negro a assumir a Presidência da República. Mas se ele estivesse no cargo, certamente Dilma não teria viajado ao exterior...

VAI TER TROCO

O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), não quer nem ouvir falar no ex-presidente Lula, que gravou vídeo de apoio à candidatura do seu adversário Robinson Faria (PSD) ao governo potiguar.

A ‘MENOS RUIM’

Líder do PSD, Moreira Mendes (RO) considera a presidenciável Marina Silva (PSB) “menos ruim” ao agronegócio do que Dilma. “Ela pelo menos teria de negociar com Congresso, o que Dilma pouco fez”.

PERGUNTA NO TRE

Se seu candidato perder a disputa pelo governo do Ceará, como indicam as pesquisas, o “coronel” Cid Gomes tentará censurar a proclamação dos resultados?


PODER SEM PUDOR

SOLUÇÃO RÁPIDA

A questão de água, no Nordeste, sempre aguçou rivalidades. Certa vez, Juarez Távora, ministro da Viação do marechal Castello Branco, foi ao Rio Grande do Norte visitar obras. Ao desembarcar, ouviu de um líder político local:

- Precisamos de um grande açude aqui, porque estamos inferiorizados em relação ao Ceará. Lá, existem 19; aqui, 18.

Távora sacou a solução na hora:

- Não tem problema. Mando arrombar um no Ceará e fica empatado...

terça-feira, setembro 23, 2014

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO




YOUSSEF COMEÇA A DELATAR AUTORIDADES CORRUPTAS

Autoridades do Executivo e do Legislativo terão de aumentar a dose de tranquilizantes: após forte pressão da família e apesar da discordância de um dos seus advogados, o megadoleiro Alberto Youssef começou a prestar depoimentos para se habilitar a acordo de delação premiada com a Justiça Federal do Paraná, semelhante a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Ele delata pessoas e fornece provas.

SAI DE BAIXO

Além dos deputados André Vargas (ex-PT) e Luiz Argôlo (SD), o megadoleiro aponta cúmplices e outros políticos que subornou.

CANA LONGA

O objetivo de Youssef é tentar se livrar de condenação longa, em razão dos seis processos em que é réu só no âmbito da Operação Lava Jato.

ELE MERECE?

Youssef terá de conquistar confiança para um novo acordo, após a Justiça cancelar o anterior no caso do Banestado, por descumprimento.

CHAVE DE CADEIA

Preso há seis meses, Youssef é réu por corrupção, quadrilha, tráfico de drogas etc. Está sujeito a mais de um século de cadeia.

LULA DESTINA A PADILHA QUASE TODO DINHEIRO DO PT

O tesoureiro nacional do PT, João Vaccari, delatado pelo ex-diretor corrupto da Petrobras Paulo Roberto Costa, deixou na mão a maioria dos candidatos do PT à reeleição, na Câmara, apesar de o partido ser campeão na arrecadação. Discreto, Vaccari não conta, mas é Lula, como sempre, quem decide o destino de cada centavo. E, para Lula, a prioridade é tentar eleger Alexandre Padilha governador paulista.

FAMINTOS

A campanha de Dilma arrecada facilmente doações de fornecedores do governo, mas, sem o dinheiro do PT, a de Padilha morreria de inanição.

SUFOCO

Padilha tem desempenho modesto nas pesquisas, situando-se muito aquém dos primeiros colocados, afugentando os financiadores.

NOVA NOTA

A nota de 10 euros entra em circulação nesta terça-feira. Países como Portugal temem que os caixas eletrônicos não as reconheçam.

TEATRINHO POLÍTICO

Como esta coluna antecipou, o juiz federal Sergio Moro negou acesso à delação premiada – sob segredo de Justiça – de Paulo Roberto Costa, solicitado por Dilma e outros. Eles só queriam mostrar que não temem o que de fato temem: as revelações do ex-diretor da Petrobras.

RECORDAR É VIVER

A presidente Dilma se meteu em saia justa diante da recordação, em entrevista ao Bom Dia, Brasil, que na campanha de 2010 ela defendia a autonomia do Banco Central, que hoje demoniza.

NÁUFRAGOS

Lula recebeu apelos dramáticos de Armando Monteiro (PTB), candidato a governador, e do candidato ao Senado João Paulo (PT), para ir a Pernambuco tentar salvá-los. Eles se sentem em pleno naufrágio.

JUSTIÇA EM NÚMEROS

Os ministros Ricardo Lewandowski e Maria Cristina Peduzzi, presidente da Comissão de Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça, apresentam nesta terça-feira o Relatório Justiça em Números 2014.

MAIORES ABANDONADOS

Candidato a senador, Romário (PSB) se afasta de Lindbergh Farias, que disputa o governo do Rio, alegando que o PT não o ajuda como prometeu. “Não ajuda nem a mim”, adoraria dizer o próprio Lindbergh.

MANDANDO BEM

O desempenho do ministro Dias Toffoli na presidência do Tribunal Superior Eleitoral tem surpreendido os mais céticos. Até os críticos reconhecem que o ex-advogado do PT adota postura de magistrado.

ALÔ, PROCON!

Clientes de operadores de celular têm recebido um torpedo ameaçador: “Até o momento, não identificamos o seu contato com a Claro”. E ainda indica números para os quais as vítimas devem ligar: 0800 8821136, 400 3116 e (51) 3123-1052. Se não for crime, é pura picaretagem.

DECLÍNIO DOS CORREIOS

Um leitor se surpreendeu com a notícia de que um ministro conseguiu recuperar um livro retido nos Correios por 40 dias: pediu pela internet um boné, e, após 50 dias, ainda está preso na alfândega.

PENSANDO BEM...

...o candidato a presidente Eduardo Jorge (PV) faz por merecer ações do Twitter na Bolsa, que “bomba” sempre que ele emite opiniões e se torna campeão de gozações.


PODER SEM PUDOR

SALVAR VIDA TEM SEU PREÇO

O médico Jofran Frejat (PR), hoje candidato ao governo do DF, era deputado federal em 1992 quando foi chamado a socorrer com urgência o colega Gastone Righi (PTB-SP) que acabara de cair em convulsão no plenário da Câmara. Frejat fez então respiração boca a boca, salvando a vida do colega, sob aplausos dos demais colegas.

Mas o então líder de PMDB e futuro presidente da Câmara, deputado Ibsen Pinheiro (RS), que viu toda a cena, não perdeu a piada:

- Parabéns, Frejat: sou testemunha de que você salvou uma vida. Mas, aqui pra nós: não precisava virar os olhinhos depois de beijar na boca o Gastone Righi...

Até Frejat caiu na gargalhada.

domingo, setembro 21, 2014

Obrigação - MARTHA MEDEIROS





ZERO HORA - 21/09


Uma pesquisa revelou que 61% dos eleitores rejeitam a obrigatoriedade do voto. A desilusão com a política é apontada como um dos motivos. Sendo o voto um instrumento de transformação, eu jamais abriria mão dele, mesmo que fosse opcional, mas concordo: quem dera todos votassem por consciência em vez de fazerem uni-duni-tê em frente à urna apenas por dever cívico. Obrigação é uma palavra que me arrepia. Desde garota. Passei a infância desejando crescer porque intuía que a espontaneidade vivia no lado maduro da existência.

Sei que cada criança processa os ensinamentos que recebe através de um código muito particular, mas o fato é que eu me sentia numa camisa de força. Horário de ir para cama, ter que raspar o prato mesmo estando sem fome, a televisão racionada, o dever de só tirar notas boas. Obrigações que resultaram numa mulher responsável e bem-criada, ao contrário de tantas outras crianças que fazem o que bem entendem e viram adultos mimados e despreparados para lidar com frustrações. Só que, aos oito anos de idade, eu não sabia nada sobre pedagogia. A teoria sobre criação de filhos não fazia parte do meu repertório. Eu só sabia das minhas vontades. Eu queria ser livre porque me parecia o único jeito de ser honesta com meus sentimentos e pensamentos.

Não queria fazer nada por obrigação. Nem comer, nem dormir, nem ser feliz por obrigação. Considerava uma violência quando, ao perguntar aos adultos “por que desse jeito?”, ouvia como resposta “porque sim e pronto” ou “porque é assim que tem que ser”.

Obedecia militarmente “a hora certa” de fazer as coisas como se houvesse um relógio universal regendo uma orquestra de bons moços a serviço do andamento do espetáculo. Não que me fosse custoso cumprir. Só era custoso entender.

Pior do que me comportar como “todo mundo” era viver uma afetividade também regida por regras. Não parecia que as pessoas se encontravam por saudades, por afinidades ou para repartir calor humano. Parecia obrigação também. A obrigação das datas festivas. A obrigação dos domingos. A obrigação dos parentescos.

Ai de mim se gostasse mais de uma avó do que de outra. Ou se não quisesse sair do quarto para jantar. Ou se me recusasse a ir à missa. Ao colégio eu sabia que tinha que ir, não questionava. Só questionava o que me parecia facultativo.

Apesar dos meus “facultativos” não baterem com os dos meus pais, optei por não dar trabalho, segui a cartilha da boa menina. Fiz minha parte e eles a deles – benfeita, diga-se, ou não seria quem sou.

Mas quem eu sou mesmo? Cumpridora, pontual, educada, porém, hoje, profundamente intolerante a tudo o que não for espontâneo, ao teatro das convenções, às blindagens contra a intimidade, ao que serve apenas para manter a orquestra tocando.






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