domingo, 6 de abril de 2014

LEITURA DIGESTIVA



Vara curta - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 06/04

Essa história tem 30 anos. O senador Aécio Neves lembrou-se dela outro dia, quando a pesquisa do Ibope registrou queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff e, no PT, agitaram-se as vozes defensoras do "volta, Lula".

Mário Andreazza e Paulo Maluf disputariam a legenda da Arena para a candidatura presidencial. Para Tancredo Neves, avô de Aécio, então seu secretário particular, interessava a vitória de Maluf na convenção, pois Andreazza teria, na sua avaliação, mais condições de vencê-lo no colégio eleitoral de janeiro de 1985.

Tancredo, então, resolveu "confidenciar" a uma jornalista que corria um burburinho sobre uma possível renúncia de Maluf à candidatura. No dia seguinte, diante da manchete, Maluf desmentiu com veemência, reafirmando a postulação da qual, jurou, não desistiria de forma alguma.

Inspirado nesse episódio, o agora candidato à Presidência da República há cerca de dez dias decidiu abordar pela primeira vez o assunto da possibilidade de o ex-presidente ser candidato nesta eleição, dizendo que para ele tanto faz enfrentar Lula ou Dilma.

Voltará ao tema sempre que considerar oportuno. Oportunidade esta de atingir múltiplos objetivos. O primeiro foi lançar um dos motes da campanha, que é a ideia de derrotar "o modelo do PT" independentemente de quem for o candidato a fim de capitalizar "uma antipatia generalizada que existe contra o partido".

O segundo, desmistificar a figura de Lula como um candidato considerado imbatível. "Quis mostrar que não temos medo." Outro, e aí a provocação assemelha-se ao gesto do avô, amplificar o coro do "volta Lula" de forma a mais cedo ou mais tarde obrigar a presidente Dilma a reafirmar sua candidatura.

Qual a finalidade? Evidentemente, tornar cada vez mais difícil a hipótese da troca de nomes. Além disso, na concepção do tucano, falar abertamente na possibilidade de outra candidatura que não seja a da reeleição de Dilma é uma maneira de disseminar a cizânia no campo adversário e dar a entender que o jogo do lado de lá não está definido.

Além disso, Aécio Neves quis mandar um recado à própria tropa, pois considerou que o PSDB estava muito passivo diante do assunto. Melhor dizendo, acuado mesmo. "Achei que era hora de furar essa bolha, tratar o tema com naturalidade porque Lula não é um fantasma nem é uma unanimidade."

Arsenal. Os adversários já contam com a ausência da presidente Dilma Rousseff nos debates antes do primeiro turno das eleições.

Ainda assim vão explorar o tema Petrobrás, deixando no ar à presidente os questionamentos tanto sobre os negócios que renderam prejuízos quanto a respeito da redução do valor e da capacidade de investimento da estatal durante sua gestão.

Isso nos debates e nos programas do horário eleitoral. Dilma será convidada a explicar também por que o governo se empenhou tanto contra a CPI.

A Petrobrás será presença recorrente na campanha. Pesquisas internas feitas no campo da oposição identificaram que mais de 70% dos consultados já ouviram falar das denúncias "de corrupção" (a pergunta foi posta nesses termos) na empresa e que o assunto é de fácil entendimento por parte da população.

Tudo junto. Para tentar superar as dificuldades do PSDB no Rio, Aécio Neves vai jogar em duas vertentes: na aliança informal com o PMDB e na candidatura própria ao governo do Estado.

Enquanto no oficial assegura apoio à presidente Dilma, no paralelo Sérgio Cabral Filho cala e consente ante a articulação do voto "Aezão" por pemedebistas defensores do apoio ao tucano para presidente e Luiz Fernando Pezão, candidato de Cabral, para governador.

A fim de marcar presença do número 45 na disputa, o PSDB estuda lançar a candidatura de um economista. Está entre três nomes: Elena Landau, Edmar Bacha e Gustavo Franco.

Este governo pode continuar? - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 06/04

O Sr. Werner, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, deu-nos em Sauípe, Bahia, conselhos oficiais durante o fórum econômico para a América Latina (2014). Expôs que, nos três anos do governo Dilma, os fundamentos do país foram abalados. Ao meu sentir, disse o essencial, mas poderia dizer mais (sobre burocracia excessiva, insegurança jurídica, subsídios governamentais a setores diversos, inflação ascendente, controle de preços nas áreas de petróleo, transportes e energia elétrica etc.).

A falta de competitividade da indústria nacional, associada a uma política de estímulos ao consumo das famílias, resultou numa maior dependência das importações, o que levou à piora das contas externas. Em três anos, o rombo nas transações do Brasil com o restante do mundo subiu de 2,2% do PIB, em 2010, para 3,7%, até fevereiro deste ano. Pelo modelo da OCDE, esse percentual não deve jamais ultrapassar 3%, que é o limite nos países da Comunidade Europeia de Nações (CEE).

Mesmo assim, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, assegurou, em Sauípe, que o Brasil está "comprovadamente" mais bem preparado para momentos de turbulência internacional. Nas palavras dele, o Brasil é um país robusto e resistente a choques externos, além de ter um sistema financeiro sólido. Empresários e banqueiros que participaram do evento na Bahia viram no discurso de Tombini um recado às agências de classificação de risco, que também mandaram representantes para a Costa do Sauípe. O temor do governo é de que a Fitch e a Moody"s, duas das três maiores instituições de risco, acompanhem a Standard & Poor"s e também rebaixem a nota de crédito do Brasil. Se isso acontecer, preparem-se para uma maxidesvalorização do real. Teremos tombos, trombados e até turbilhão de dificuldades.

A suposta competência de Dilma Rousseff, como tem sido assinalada pelos analistas políticos, foi engolida pelo lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da administradora detalhista e centralizadora acabou. Dilma Rousseff, presidente do Conselho de Administração da Petrobras, autorizou a empresa a comprar 50% da refinaria, no Texas, por US$ 360 milhões, vendida um ano antes a uma empresa belga, a Astra Oil, por US$ 42,5 milhões. Por desatenção e descaso, nem Dilma nem qualquer dos conselheiros viu o fato de que, para ficar com metade do empreendimento, a Petrobras desembolsaria 8,5 vezes mais do que a Astra pagara um pouco antes pela refinaria?

Ela admitiu ao jornal O Estado de S. Paulo que se baseara em mero resumo executivo, "técnica e juridicamente falho". Ao contrário da afirmação de Dilma, executivos da Petrobras, ouvidos pela Folha de S.Paulo, disseram que a presidente e todo o Conselho de Administração da estatal tinham à disposição, em 2006, o processo completo da proposta de compra da refinaria. Resumo: aprovou sem ler uma transação que esbanjou o dinheiro público. Administração temerária é o que se pode deduzir.

Noutra hipótese, terá simplesmente mentido para livrar-se do problema (desculpa esfarrapada). O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera "extremamente grave" o caso (em que a Petrobras teve prejuízo bilionário). "A partir do momento em que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República", afirmou Gurgel, em entrevista ao UOL.

É justamente por isso que o governo empenha-se em melar a CPI da Petrobras no Senado (o caso Pasadena). Que a presidente não tem pendor político nem vocação pessoal, sendo mera burocrata centralizadora, a nação está cansada de saber. Que a presidente não é gerente brilhante, a nação também sabe, pela má qualidade da gestão nas duas áreas em que se meteu de longa data: o setor elétrico e o sistema Petrobras. Ambos estão em situação calamitosa. O que a nação não sabia é que a presidente tem o hábito de mentir. Os negócios tenebrosos virão a lume, cedo ou tarde. Agora, só um ponto deve nos interessar. Um ponto essencial, diga-se de passagem.

A única valia dessa CPI é desnudar o caráter de nossa presidente. Foi a mentira que levou Nixon a renunciar. Um presidente que prega mentiras não pode presidir uma nação. Política e moralmente, a única verdade que interessa é essa. A presidente mentiu? Se o fez, estará desqualificada para presidir a nação. Se não mentiu, fica obrigada a fazer uma faxina na Petrobras, que a enganou, ou passá-la a acionistas que queiram lucros e não dela servir-se para todo tipo de negócios escusos. Se o Brasil tiver 49,90% da empresa, ganhará o triplo em dividendos, do que hoje aufere, sem negociatas. Mas só quando a empresa tiver recuperado a altura alcançada no passado.

Luz amarela para Dilma - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 06/04

BRASÍLIA - A dianteira de Dilma Rousseff na corrida presidencial continua resistindo bravamente à onda de desacertos na economia, na política e na gestão e à vaga que derrubou sua imagem de "gerentona". Mas o Datafolha lançou um sinal amarelo sobre essa dianteira.

A seis meses das eleições, as tendências importam mais do que os dados isolados e há sinais de alerta para Dilma e seu staff:

1 - A aprovação do governo caiu cinco pontos e 63% consideram que Dilma fez menos do que o esperado (antes, esse percentual variava de 34% a 42%). Sua nota média é 5,9.

2 - Os que mais recuam na aprovação ao governo e a Dilma são os que têm renda entre dois e cinco salários mínimos e acima de dez.

3 - A queda mais visível é no Sudeste, no Norte e no Centro-Oeste. O Sudeste é nevrálgico por ser populoso e irradiador de percepções.

4 - No cenário com todos os atuais dez candidatos --que é o mais provável-- Dilma caiu seis pontos em relação a fevereiro, ficando com 38%.

5 - Seus adversários diretos, Aécio Neves (16%) e Eduardo Campos (10%), não lucram com a queda, mas o pastor Everaldo Pereira, do PSC, tem 2% e pode crescer e ganhar significado na definição de um segundo turno. A força de atração dos evangélicos não é desprezível.

6 - Nesse cenário mais completo, 20% votariam em branco ou nulo e 9% não opinaram. É um forte contingente insatisfeito ou indiferente. Em suma, a ser conquistado.

7 - Dado interessante: se a disputa fosse hoje só entre Dilma, Aécio e Campos, eles ficariam embolados com os brancos e nulos na faixa dos mais escolarizados. Dilma com 25%, Aécio com 26%, Campos com 19%, brancos e nulos com 27%.

A dúvida é se o desgaste de Dilma e de seu governo entre os mais bem informados irá decantar para as demais faixas nesses seis meses e a partir do início oficial da campanha. Disso depende haver ou não segundo turno, a chave do sucesso de Dilma.

Planos de saúde recebem, mas não pagam - ELIO GASPARI
O GLOBO - 06/04

Articula-se no Congresso uma CPI para a Petrobras. Pode ser boa ideia, mas seria bom se alguém pudesse criar a CPI do Congresso. Na terça-feira passada, a Câmara aprovou a Medida Provisória 627, que trata da tributação de empresas brasileiras no exterior. Como é praxe, seu texto foi enxertado por 523 contrabandos. Entre eles, um artigo concedeu anistia parcial aos planos de saúde que não cumprem os contratos, apesar de embolsarem as mensalidades das vítimas. O truque é simples. Há multas que vão de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Como nas infrações de trânsito, cada multa é uma multa.

Até dia 31 de dezembro deste ano eleitoral em que o Senado poderá ratificar a maluquice e a doutora Dilma poderá sancioná-lo, as empresas terão a seguinte pista livre: a empresa que tomou de duas a 50 multas da mesma natureza, pagará apenas duas; de 50 a 100, mais duas; acima de mil, vinte. Assim, quem foi multado cem vezes, pagará quatro penalidades. Em números: uma multa por negativa de procedimento custa R$ 80 mil. Quem delinquir cem vezes, paga R$ 8 milhões, mas com a mudança pagará R$ 320 mil.

Os defensores do truque deveriam contar por que não aplicam a mesma tabelinha aos clientes que deixarem de pagar as mensalidades estabelecidas nos contratos. Caloteou 50 pagamentos, paga dois.

A maracutaia estimula a delinquência, penaliza quem não delinque e favorece poderosos delinquentes, quase todos grandes financiadores de campanhas. (Entre 2006 e 2012 elas cresceram 37,2%, para pelo menos R$ 8,6 milhões.)

Se tudo isso fosse pouco, a doutora Dilma indicou para uma diretoria da Agência Nacional de Saúde o doutor José Carlos Abrahão. Ele é um sincero adversário das normas legais que obrigam as operadoras a ressarcir o SUS quando seus clientes são atendidos pela rede pública. Pelo cheiro da brilhantina, se algum dia vierem a cobrá-la por essa indicação, poderá dizer que se baseou em "informações incompletas" ou num parecer "técnica e juricamente falho", como no caso da refinaria de Pasadena.

PAGAR IMPOSTO É COISA DE OTÁRIO

Pela ordem social do andar de cima há no país os cavalgados e os cavalcantis. Os cavalgados compram suas coisas e pagam todos os impostos no caixa. Trabalham o mês todo e quando recebem o contracheque, ele vem com a mordida do imposto de renda.

Os cavalcantis não pagam o que a Receita cobra e, uma vez autuados, esperam que o governo lhes ofereça um plano de refinanciamento do débito. Os descontos são tamanhos que não pagar torna-se bom negócio. O truque atende pelo nome de Refis, e num acordo do governo com a oposição (em ano eleitoral) a Câmara dos Deputados, numa Medida Provisória relatada pelo deputado Eduardo Cunha, acaba de patrocinar mais uma festinha. É o Refis 8.0. Resta saber se a doutora Dilma vai sancioná-la.

O Refis socorre sonegadores desde 1999. Por meio de engenhosos mecanismos, tornou-se um benefício contínuo. Houve empresa com a dívida parcelada por 1.066 anos. Outra, que devia R$ 128 milhões, passou a pagar R$ 12 por mês. Bancos e multinacionais já refinanciaram R$ 680 bilhões. A Vale parcelou uma cobrança de R$ 45 bilhões com 50% de desconto. A Companhia Siderúrgica Nacional safou-se de uma dívida de R$ 5 bilhões. A Braskem podou um espeto de R$ 1,9 bilhão.

Em 2009, a secretária da Receita, Lina Vieira, disse que, com esse gatilho, "o bom contribuinte se sente um otário". Ela foi demitida pouco depois pelo ministro Guido Mantega.

Sempre que o governo maquia o Refis vem o argumento de que com ele arrecada-se cerca de 15% do que está emperrado. É verdade, mas deixa-se de receber o que se cobrou aos cavalcantis, o que nunca acontece com os cavalgados.


Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e soube que a Vale arrisca tomar um tombo de US$ 507 milhões na Guiné. Em 2010 ela comprou a um empresário israelense parte da concessão da grande jazida de minério de ferro de Simandou. Mudou o presidente eseu sucessor resolveu reexaminar a maneira como a concessão foi vendida e ameaça cancelá-la.

Mesmo sendo idiota, Eremildo não consegue entender o que há na cabeça de sábios brasileiros que se metem em negócios com sobas africanos. O cretino sabe que a Guiné Equatorial nada tem a ver com a outra Guiné, mas convenceu-se de que Lula foi lá em 2011 para representar a doutora Dilma num encontro da União Africana em busca de encrencas. Nosso Guia viajou num avião da Odebrecht e incluiu um diretor da empresa na sua comitiva.

A Guiné Equatorial é um pequeno país de 700 mil habitantes que flutua sobre petróleo. Tem a maior renda per capita da África, mas os nativos vivem na miséria (70% da população com menos de dois dólares por dia). Já o clã dos Obiang, que governa a terra desde 1979, vai bem, obrigado. Um deles tem um apartamento de US$ 15 milhões em São Paulo, e outro negociou a compra de um triplex de US$ 10 milhões na Avenida Vieira Souto. Quando Lula foi ver Obiang, o embaixador Celso Amorim disse que "negócios são negócios". Resta saber quais eram os negócios.

A empresa holandesa SBM, locadora de plataformas de petróleo, acaba de informar que pagou US$ 18,8 milhões em propinas na Guiné Equatorial. Se esse dinheiro fosse para o povo, renderia 26 dólares para cada um. Para o Fundo Obiango, renderia mais um apartamento.

ISONOMIA

Ameaçando criar a CPI do Fim dos Mundo 2.0, o PT não conseguirá limpar uma só nódoa nos negócios da Petrobras. Apesar disso, demonstrou que o tucanato está disposto a qualquer coisa para não mexer com o cartel da Alstom.

Estão nessa desde 1995, quando opatrono da empresa organizou uma revoada de notáveis para assistir a posse de Bill Clinton. O pior é que a turma dizia que foi convidada pelo governo americano, quando se sabe que a posse de presidentes em Washington é um evento doméstico.

LOROTA

Sabendo-se que é falsa a informação do ex-diretor Nestor Cerveró, segundo a qual os conselheiros da Petrobras receberam o contrato de compra da refinaria de Pasadena com 15 dias de antecedência, fica uma pergunta: Qual é a linha que separa a verdade das lorotas dos petrocomissários?

MADAME NATASHA

Madame Natasha zela pela malha do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo aos sábios que redigiram o Plano Diretor Estratégico da prefeitura de São Paulo pelo paragrafo único do seu artigo 178, que diz o seguinte:

"A Zona Rural do Município de São Paulo é multissetorial e multifuncional, comportando a diversidade de atividades integrantes das cadeias produtivas da agricultura e do turismo, incluindo infraestrutura e serviços aelas associados, e exercendo as funções de produção, inclusão social, prestação de serviços e conservação ambiental características da ruralidade contemporânea."

A senhora acredita que eles poderiam ter escrito a mesma coisa a respeito da Lua.

Sem mistificações - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Estado de S.Paulo - 06/04

Quando me empenhei em fazer algumas reformas e modernizar a estrutura produtiva do Brasil, tanto das empresas privadas quanto das estatais, não o fiz movido por caprichos ou por subordinação ideológica. Tratava-se pura e simplesmente de adequar a produção brasileira e o desempenho do governo aos novos tempos (sem discutir se bons ou maus, melhores ou piores do que experiências de tempos passados). Eram, como ainda são, tempos de globalização, impulsionados por novas tecnologias de comunicação e informação, como a internet, e por avanços nos sistemas de transporte, como os contêineres, que permitiram maximizar os fatores produtivos à escala mundial. Daí por diante a produção se espalhou pelo mundo, independentemente do local de origem do capital. Os mecanismos financeiros, por sua vez, englobaram todos os mercados, interligados por computadores.

Nas novas condições mundiais, ou o Brasil se integrava competitiva e, quanto possível, autonomamente aos fluxos produtivos do mercado ou pereceria no isolamento e em desvantagem competitiva, pelo atraso tecnológico e pela ineficiência da máquina pública. As privatizações foram apenas parte do processo modernizador. Tão importante quanto foi a transformação do setor produtivo estatal. O objetivo era transformar as empresas estatais em companhias públicas, submetidas a regras de governança, fora do controle dos interesses político-partidários, capazes de competir e de se beneficiar das dinâmicas do mercado.

A zoeira das oposições, Lula e PT à frente, foi enorme. Acusavam o governo de seguir políticas "neoliberais" e de ser submisso ao "consenso de Washington". A cada leilão para exploração de um campo de petróleo (especialmente daquele onde se veio a descobrir óleo no pré-sal) choviam protestos e mobilizações de "organizações populares", bem como ações na Justiça para paralisar as decisões. Com igual ou maior vigor, as oposições e os setores da sociedade que ainda não se haviam dado conta das transformações por que passava a economia global protestavam contra as concessões de serviço público, como no caso da telefonia, e iam ao desespero quando se tratava de privatizar uma companhia como a Vale do Rio Doce ou as siderúrgicas (que, aliás, foram privatizadas nos governos Sarney e Itamar).

Alegava-se que as empresas eram vendidas na bacia das almas, por preços irrisórios. Na verdade, no caso da telefonia, venderam-se 20% de suas ações, as que garantiam seu controle, por R$ 22 bilhões, preço que superou em mais de 60% o valor mínimo estabelecido. Além disso, a privatização permitiu um grande volume de investimentos nos anos seguintes, sem falar do salto tecnológico e do aumento de produção que as privatizações renderam ao País. Passamos, por exemplo, de 2 milhões de celulares nos anos 1990 a 260 milhões hoje em dia.

Dizia-se que as privatizações reduziriam os empregos, quando houve uma expansão extraordinária deles. Que a Vale estava sendo trocada por nada, quando foi difícil encontrar contendores no leilão porque seu valor, na época, parecia elevado, e se hoje vale bilhões foi porque houve investimento e ação empresarial competente (diga-se de passagem, em impostos hoje a Vale paga muito mais ao governo, por ano, do que pagava em dividendo quando era uma estatal). A Embraer, de quase falida, passou a ser uma das maiores empresas do mundo.

Isso tudo foi paralisado a partir do governo Lula, no afã de manter a pecha sobre o governo anterior de "vendedor do patrimônio nacional" e de neoliberal. Nada de concessões, privatizações nem modernização que cheirasse a globalização. Enquanto os ventos do mundo favoreceram a valorização das commodities agrominerais, graças à China, e houve abundância de dólares, a máquina econômica rodou a todo o vapor e deu a ilusão de que bastaria expandir o crédito, baixar os juros e incentivar o consumo para o PIB crescer e o bem-estar se generalizar. A crise financeira global de 2007/9 ensejou ao governo Lula a oportunidade, bem aproveitada, de fazer políticas anticíclicas, com resultados positivos. Terminados os efeitos mais dramáticos da crise, os governos de Lula e Dilma fizeram uma leitura equivocada: estava dada a licença para enterrar o passado recente dos anos 1990 e aderir sem rebuços ao populismo econômico: mais Estado, mais impostos, menos juros, mais salários, mais consumo e às favas com as concessões e modernizações, às favas com o papel regulador do Estado - pelas agências - em relação ao mercado.

Deu no que deu. O governo Dilma, premido pelas dificuldades de fazer a máquina pública andar e pela sociedade, que exige melhor qualidade dos serviços, redescobriu as concessões (ah, mas não são privatizações, dizem, como se outra coisa tivesse sido feito com as telefônicas...). E as faz mal feitas: pouco dinheiro privado e muito crédito público. Dá-se conta agora de que a retomada das empresas estatais pelos partidos, como se vê na Petrobrás e na Caixa, bem como o uso abusivo do BNDES, deu mau resultado. E ainda houve uma perda bilionária de recursos, criaram-se novos "esqueletos" (dívidas não reconhecidas publicamente) e contabilidades criativas impostas para esconder transferências de recursos não declaradas no Orçamento.

Como deve estar arrependida a presidente Dilma, no caso da Petrobrás, de não se haver desembaraçado do ônus político legado por seu antecessor, que permitiu ao interesse privado e político penetrar a fundo nas empresas estatais...

Apesar de tudo, PT e governo já se estão preparando para enganar o povo na próxima campanha eleitoral fazendo-se de defensores do interesse popular, como se este se confundisse com estatização e hegemonia partidária, e estigmatizando os adversários como representantes das elites e fiadores dos interesses internacionais.

Cabe às oposições desmistificar tanto engodo, tomando à unha o pião dos escândalos da Petrobrás, rechaçando a pecha ideológica de "neoliberal" e reafirmando a urgência de mudar os critérios de governança das estatais.

A pílula dourada de Lula - CLÁUDIO SLAVIERO
GAZETA DO POVO - PR - 06/04

Recentemente, o ex-presidente Lula afirmou em um artigo que o Brasil é o país das oportunidades e que isso incomoda e contraria interesses. É inegável que Lula tem o dom da palavra. É incontestável sua eloquência, sua desenvoltura ao falar e a propriedade que tem de convencer. Lula tem o dom de dourar a pílula para vender seu peixe e usa de artimanhas demagógicas e falaciosas para mostrar um Brasil que não corresponde exatamente à realidade.

Lula afirma que as atenções estão voltadas para mercados emergentes como o Brasil. Lamentavelmente o Brasil não é mais o queridinho das reuniões multilaterais. Hoje, a política econômica brasileira é desastrosa e a externa, errática. Deixamos de ser considerados um país de bom investimento e estamos entre os mais vulneráveis, junto com Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul. Encerrou-se um ciclo e hoje só se fala nos Estados Unidos e na Ásia. As agências de classificação rebaixam o Brasil, em função da combinação da deterioração das contas públicas, perspectiva de crescimento mínimo e piora nas contas externas.

Diz que o PIB cresceu 4,4 vezes, supera US$ 2,2 trilhões e que o comércio externo passou de US$ 108 bilhões para US$ 480 bilhões ao ano. É verdade, mas nem tudo é obra dos dois últimos governos ou do PT. A economia vinha sendo fortalecida desde os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique, com a adoção do Plano Real: moeda forte e inflação controlada. Vamos deixar bem claro que, apesar do mérito dos governos que os antecederam, os governos petistas não consolidaram os fundamentos econômicos do real.

Em 2002, a inflação estava em processo de declínio, caindo de 12,5% para os atuais 5,9%. O problema é que agora, com uma política econômica desastrosa, estamos entre os "frágeis", países onde a inflação é considerada alta, o crescimento econômico é modesto e os desequilíbrios fiscal e externo são acentuados. A taxa de poupança em 2013 foi de míseros 13,9% do PIB. Nesse nível, é impossível pensar em grandes projetos de investimento do país sem contar com recursos externos.

Em 2002, o total da dívida brasileira (interna/externa) era de R$ 851 bilhões. Em 2007, Lula disse uma verdade quando afirmou que pagou a dívida externa. Só que não disse que, para isso, aumentou a dívida interna e o total passou para R$ 1,4 trilhão (em cinco anos a dívida quase dobrou). Em 2010, voltamos a dever externamente R$ 240 bilhões, com a dívida total de R$ 1,9 trilhão. A dívida pública brasileira fechou 2013 em R$ 2,1 trilhões, um recorde, a segunda maior dívida entre os países subdesenvolvidos. É daí que vem o dinheiro que Lula e Dilma gastam no PAC e nas bolsas (família, educação, cultura, para presos, prostitutas etc.) e de onde dizem ter tirado 36 milhões de brasileiros da pobreza. Não é com dinheiro do crescimento, mas com dinheiro de endividamento. A dívida pública já é do tamanho daquilo que o país ganha todos os anos e cresce 2,5 vezes mais rápido que o PIB. Quem vai pagar essa conta?

Lula diz que 42 milhões de brasileiros alcançaram a classe média. Dizer que quem recebe salário a partir de R$ 320 por mês ou renda familiar de R$ 1.540 é considerado de classe média só pode ser deboche. Quanto, então, ganha quem pertence à classe baixa? Como viver, alimentar-se, estudar ou ir ao médico com um salário desses? É um embuste! Serve apenas para dourar índices e dizer que houve melhora no nível de vida das pessoas, que a miséria foi erradicada e que vivemos contentes em nossa pobreza.

É verdade dizer que o país duplicou a safra em 2013, batendo recorde de 189 milhões de toneladas. Só que ele não diz que, na hora de vender essa riqueza, o Brasil fracassa. Sem infraestrutura adequada de portos, estradas, ferrovias e silos para armazenamento, a exportação de um contêiner demora 13 dias e custa US$ 2,2 mil, enquanto em Cingapura leva metade do tempo, por um quarto do valor.

Lula diz que triplicou o orçamento federal para a educação. É de se perguntar: por que, então, a qualidade do ensino continua ruim? A média do Pisa (prova que avalia os estudantes) subiu apenas 9,2% entre 2000 e 2012, e o país ocupa a 57.ª posição entre 65 nações. Ainda é de se perguntar: há um projeto de desenvolvimento científico e tecnológico para o país? Qual é nossa política industrial? Qual é o projeto de futuro?

Ao dizer que o governo ampliou a capacidade de energia elétrica, esquece que a geração não acompanhou o consumo e o sistema elétrico opera no limite. Nos últimos três anos, houve uma média de cinco apagões por mês (o último, em fevereiro deste ano). E os custos gerados pelo uso das termelétricas ultrapassaram R$ 12 bilhões, em conta que os consumidores serão obrigados a pagar a partir de 2015. Aliás, desde 2012 o governo e a Aneel drenaram R$ 32 bilhões para as termelétricas de grupos ligados à família Sarney e a Eike Batista. Deve ser por isso que há oito anos a Aneel retém nas gavetas 640 projetos de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas.

Lula anunciou em 2006 a autossuficiência em petróleo. Desde então, a produção caiu 17%. Em 2013, a Petrobras gastou R$ 16,5 bilhões para importar combustíveis e vem amargando prejuízos para si e para seus investidores. Nos últimos três anos, perdeu 51% de seu valor de mercado e está envolta em denúncias de corrupção. Sem contar com o rombo de quase US$ 1,2 bilhão aos seus cofres na aquisição inexplicável de uma refinaria de petróleo em Pasadena, nos EUA.

Lula diz que vivemos sob uma democracia plena. É de se perguntar: que tipo de democracia? Aquela dos países como Inglaterra, EUA e Alemanha, onde as instituições são respeitadas? Ou aquela bolivariana seguida por Bolívia, Cuba, Argentina e Venezuela, que cala a imprensa, onde o Congresso é uma extensão do Executivo e o Judiciário vive sob ataque e controle?

O Brasil de verdade está muito longe do apregoado por Lula, Dilma e seus fiéis seguidores.

Qual mudança? - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 06/04

O problema tanto para Dilma quanto para os candidatos oposicionistas Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB, é que, no momento, por paradoxal que pareça, o símbolo da mudança por que tanto anseiam os brasileiros é o ex-presidente Lula, que aparece em dois dos cenários da pesquisa Datafolha como o grande vencedor, com variação de apoio entre 48% a 52%, mesmo caindo quatro pontos nos dois cenários. Lula, com 19%, é também o candidato com menor índice de rejeição, enquanto Dilma, Aécio e Campos estão, todos, na mesma faixa de 33%.

O problema específico de Eduardo Campos é que a senadora Marina Silva, às vésperas de ser anunciada como sua vice, surge novamente como a única capaz de levar, a esta altura, a disputa para o segundo turno, com 27% da preferência do eleitorado.

A presidente Dilma está perdendo a eleição, por enquanto, para si mesma. A possibilidade de vencer no primeiro turno, ainda mantida, está se reduzindo: a diferença para o conjunto de seus adversários, que na pesquisa anterior do Datafolha estava em 14 pontos, hoje caiu para 6 pontos, sem que os adversários tenham crescido consistentemente.

O candidato do PSDB, Aécio Neves, ficou parado, Eduardo Campos, do PSB, cresceu apenas um ponto, e o conjunto dos candidatos nanicos subiu um ponto. Se por um lado a tendência de estagnação dos candidatos mais fortes mostra que o eleitorado ainda não encontrou neles a alternativa que busca para substituir Dilma, por outro a pesquisa Datafolha confirma uma tendência de queda na popularidade da presidente Dilma e na avaliação de seu governo, que é perigosa a seis meses da eleição, sem que haja notícia boa para a presidente no horizonte.

Ao contrário, Dilma tem uma série de problemas pela frente, desde a aceleração da inflação, já percebida pela população, à possibilidade de racionamento de energia, até questões imprevisíveis como as manifestações na Copa do Mundo. A expectativa negativa em relação à inflação cresceu 20 pontos percentuais em 12 meses, sendo que hoje 65% dos consultados acham que a inflação vai aumentar.

A sensação de insatisfação é revelada em uma série impressionante de indicadores, como já acontecera na pesquisa anterior do Ibope, que mostrou queda no nível de avaliação do governo em todas as áreas pesquisadas, da Saúde à Segurança Pública, atingindo até mesmo o emprego, que no momento tem um nível oficial positivo recorde.

Na pesquisa do Datafolha, o medo do desemprego também subiu 14 pontos. Nada menos que 72% querem que o próximo presidente atue de maneira diferente de Dilma, e a frustração com sua administração está refletida no índice de 63% dos brasileiros que dizem que Dilma faz, pelo país, menos do que eles esperavam, aumentando em cerca de 80% o índice de um ano atrás.

O resultado, de certa maneira, representa um alívio para o candidato tucano Aécio Neves, que temia que, tendo a pesquisa sido feita durante o período em que estava na televisão a propaganda eleitoral do PSB de Eduardo Campos, o ex-governador de Pernambuco pudesse abrir uma vantagem.

Como isso não aconteceu, e Aécio permaneceu no mesmo patamar da última pesquisa, o tucano continua sendo o adversário mais próximo de Dilma, embora seja também, até agora, o candidato tucano com menor índice nas pesquisas de opinião no mês de abril anterior às eleições. A propaganda oficial do PSDB começa nesta segunda-feira, e o partido espera alavancar sua candidatura com o programa nacional na televisão.

Eduardo Campos continua sendo o menos conhecido dos candidatos, o que faz com que permaneça no horizonte a esperança de melhorar de posição à medida do desenvolvimento da campanha.

O problema maior está mesmo com Dilma Rousseff, que terá de lidar com o aumento da campanha pela volta de Lula dentro do PT.

O petês e o tucanês - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 06/04

A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".

O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.

O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.

O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.

Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.

Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.

Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).

E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.

Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".

Responsabilidade individual - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 06/04

Seria ótimo que a certeza tão enfática a respeito da responsabilidade do estuprador também fosse ressaltada no caso de outros crimes, especialmente o roubo e o assalto


Em uma de suas maiores falhas no passado recente (e que já custou a cabeça de pelo menos um diretor), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, divulgou, no fim do mês passado, pesquisa segundo a qual 65% dos brasileiros culpariam – pelo menos parcialmente – a mulher pela violência de que é vítima, ao concordar com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Na sexta-feira, o instituto reconheceu o erro e corrigiu o dado: o porcentual dos que concordavam totalmente era de 13,2%; os que concordavam parcialmente eram 12,8%. Outros números foram mantidos. Diante da afirmação “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, 35,3% concordaram totalmente e 23,2% concordaram parcialmente. Mesmo os dados corretos não deixam de ser preocupantes, apesar de outras questões do mesmo estudo mostrarem uma tolerância menor à violência, e outras pesquisas, especialmente a feita por Antônio Carlos Almeida no livro A Cabeça do Brasileiro, indicarem que a população costuma aceitar que estupradores sofram castigos severos na prisão, incluindo a violação sexual. Essa aparente rejeição ao estupro, no entanto, não anula o fato de que os números do Ipea, mesmo corrigidos, são abomináveis – não é pouco que um quarto da população ache que há mulheres praticamente pedindo para ser violentadas.

Sob o impacto dos dados divulgados inicialmente, a reação da sociedade foi imediata. Na ação que contou com maior publicidade, famosas e anônimas posaram para fotos com a frase “eu não mereço ser estuprada”. Erros crassos do Ipea à parte, a indignação feminina – e masculina também, pois não foram poucos os homens que mostraram sua revolta com a tolerância à violência contra a mulher – é admirável, entre outros aspectos, por recordar uma verdade que costuma ser esquecida com certa frequência.

De quem é a culpa por um estupro? A culpa é sempre do estuprador, verdade reforçada insistentemente. Nada, absolutamente nada justifica um ato de agressão contra uma mulher. Infelizmente vivemos em uma sociedade hipersexualizada, em que a mulher é constantemente reduzida a objeto – a pornografia e as letras do funk estão aí para deixar bem clara a coisificação da mulher; ainda assim, nem mesmo o fato de haver mulheres que prestigiam esse tipo de produto cultural serve de desculpa para uma violência. Culpar a vítima é agredi-la uma segunda vez.

Seria ótimo que essa certeza tão enfática a respeito da responsabilidade do agressor também fosse ressaltada no caso de outros crimes, especialmente o roubo e o assalto. Muitos intelectuais, principalmente ligados à esquerda, são rápidos para encontrar todo tipo de desculpa que tire das costas do ladrão ou assaltante a responsabilidade pelo que fez. A culpa seria da pobreza, que empurra as pessoas para o crime; ou responsabiliza-se diretamente a vítima, que “ostentou” riqueza em uma sociedade miserável. Dois textos em especial são os manifestos dessa mentalidade. O artigo “Pensamentos de um ‘correria’”, que o rapper Ferréz publicou em 2007 na Folha de S.Paulo, é a reação à indignação do apresentador Luciano Huck, que teve seu relógio Rolex roubado em São Paulo. No texto, o rapper diz que, no fim, “todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio”, um “rolo justo pra ambas as partes”. E em 2012, durante uma onda de arrastões em restaurantes paulistanos, o jornalista e doutor em Ciência Política Leonardo Sakamoto defendeu, em seu blog, que “ostentação em um país desigual como o nosso deveria ser considerado crime pela comissão de juristas que está reformando o Código Penal”.

Está mais que óbvio que há um duplo padrão aqui. Quem enfatiza – corretamente – a responsabilidade individual do estuprador não pode isentar o ladrão, o assaltante e até mesmo o assassino em nome de questões de classe social. O entorno tem, sim, sua influência sobre as ações humanas (e por “entorno” não falamos apenas de condições externas, mas também da própria formação moral que cada um recebe). Isso vale tanto para a desigualdade social quanto para a ideia de que a mulher não passa de objeto sexual – e é importantíssimo que a sociedade lute para reverter esse entorno. Mas a decisão final – puxar um gatilho, assaltar um transeunte, violentar uma mulher – é sempre do indivíduo. Recordar essa verdade é um dos méritos da indignação popular contra o estupro. Admitir que todo crime é resultado de uma decisão individual e que nenhuma vítima deve ser responsabilizada pela violência é uma questão não só de coerência, mas de profundo respeito pela liberdade do ser humano.

Esquemas ardilosos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 06/04

A polêmica decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, de transferir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a responsabilidade de decidir sobre a ampliação das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás proposta pelo PT, é uma manobra claramente procrastinatória destinada, com o incentivo do Palácio do Planalto, a diluir o impacto do escândalo da Refinaria de Pasadena, que, graças às trapalhadas de Dilma Rousseff, acabou criando riscos para o projeto petista de perpetuação no poder. Trata-se de mais uma chicana política dentre as muitas do amplo repertório de que o notório presidente do Senado se vale para levar vantagem em barganhas com o Executivo.

Há nesse episódio, porém, algo muito mais grave do que a cumplicidade de Renan Calheiros com o Palácio do Planalto para transformar em pizza as investigações parlamentares sobre a Petrobrás. É a constatação de que o presidente da Câmara Alta não hesita, por um lado, em desmoralizar o instituto da CPI, poderoso instrumento de que os congressistas - em especial a minoria - dispõem para cumprir com eficiência sua missão constitucional de fiscalizar o Poder Executivo. E, por outro lado, Renan submete mais uma vez a Casa a que preside ao vexatório exercício de se prostrar diante do Executivo.

Existe ainda nessa tramoia uma terceira e mais grave ameaça às instituições democráticas. Se de acordo com a esdrúxula interpretação de Renan Calheiros de que uma CPI sirva para tudo, menos para investigar a fundo assuntos que incomodam um governo que disponha de base parlamentar majoritária, está aberto o caminho para que seja vedado à minoria o direito - mais do que isso, a obrigação constitucional - de controlar os eventuais excessos da maioria e dos outros Poderes. Um direito e uma obrigação, aliás, que são garantidos à minoria pela Carta Magna quando estabelece que uma CPI pode ser convocada por apenas um terço dos senadores ou deputados federais, em suas Casas ou no Congresso Nacional. Há também no texto constitucional, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), outras salvaguardas a esse direito da minoria.

Coadjuvantes da farsa, parlamentares governistas tentam, com argumentos falaciosos, criar confusão em torno do objetivo da CPI da Petrobrás, que, de acordo com a lei, deve ser a investigação de "fato determinado". No caso, a controvertida compra da Refinaria de Pasadena, no Texas. "Já que vamos investigar a Petrobrás, por que não investigar também outros casos suspeitos?", pergunta o senador petista Humberto Costa (PE). "Desejamos apenas ampliar o debate", tergiversa Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Ora, se o PT quer exercer o legítimo direito de investigar as denúncias de corrupção no Metrô ou eventuais irregularidades no porto pernambucano de Suape, dispõe de maioria mais do que suficiente no Senado e na Câmara para criar uma CPI para cada um desses "fatos determinados". Quem é que poderia se opor a isso? Mas transformar a investigação sobre a Petrobrás num "combo" é um deboche que só pode desmoralizar o Congresso.

Além da proposta de CPI da Petrobrás apresentada pela oposição no Senado, à qual o PT adicionou a possibilidade de ampliar a investigação para abranger os casos de São Paulo e Pernambuco, e que nessa condição será avaliada pela CCJ a pedido de Calheiros, há ainda mais duas propostas, apresentadas na Câmara, uma pelos governistas e outra pela oposição, de formação de comissões mistas de senadores e deputados, dedicadas também à Petrobrás.

Em resumo: já que o escândalo que paira sobre a maior empresa brasileira não sai das manchetes, armam-se esquemas ardilosos para dar à opinião pública a impressão de que a base governista desenvolve corajoso combate à corrupção, estando, no entanto, tudo armado para que qualquer CPI que venha a se instalar para investigar a Petrobrás termine em pizza. E o pior é que esse atentado à integridade institucional do Parlamento não está sendo perpetrado pelo Executivo - que apenas o inspira. Sujam suas mãos membros do Poder cujas prerrogativas democráticas deveriam proteger.

É essencial voltar a exportar mais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 06/04

No primeiro trimestre deste ano o país teve um déficit da ordem de US$ 6 bilhões na balança comercial, contrariando as expectativas de recuperação

As exportações brasileiras diminuíram no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, que também não foi brilhante. Mesmo com um pequeno recuo nas importações, o resultado da balança comercial nos primeiros três de meses de 2014 foi um déficit da ordem de US$ 6 bilhões. A recuperação esperada não se concretizou, pois houve queda expressiva nas vendas de manufaturados e semimanufaturados para o exterior, exatamente os itens que incorporam mais valores à economia brasileira, pois envolvem extensas cadeias produtivas.

Os números frustrantes das exportações de manufaturados, especialmente, são atribuídos aos problemas enfrentados pela Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil. O aumento mais expressivo na produção de petróleo, que se traduzirá em novas exportações, igualmente não se concretizou no primeiro trimestre.

Houve um salto fantástico nas exportações brasileiras a partir de 1999, saindo de um patamar de US$ 65 bilhões para cerca de US$ 250 bilhões anuais. Nos dois últimos anos, porém, as exportações estagnaram, embora o Brasil tenha mantido posições de liderança em diversos produtos, como minério de ferro, soja, café, açúcar, carnes. A capacidade de produção de veículos e de celulose, dois itens que contribuem significativamente para o resultado da balança comercial, se expandiu, com a ampliação e inauguração de fábricas.

O câmbio se tornou bem favorável às exportações nesse período de dois anos. Alguns avanços ocorreram na logística e a burocracia até diminuiu um pouco nos portos.

Então o que está se passando com as exportações deveria ser objeto de mais reflexão. Mesmo com a crise financeira internacional não superada, o mundo não parou de se mexer no comércio exterior, mas o Brasil manteve uma postura estática, muito em função das alianças políticas que acabaram engessando a estratégia comercial do país. Veja-se o caso do comércio com os Estados Unidos e a Europa.

O Brasil depende fundamentalmente de saldos na balança comercial para fechar suas contas externas de maneira equilibrada. Sem saldo na balança comercial, o déficit em transações correntes continuará aumentando, e para cobri-lo o país dependerá de um fluxo positivo de investimentos diretos e de financiamentos. Qualquer retração nesse fluxo financeiro provocaria uma depreciação considerável no câmbio, com risco de provocar mais inflação e até uma recessão.

Desse modo, não há como ser leniente em relação à trajetória das exportações, pois é por essa via que se pode melhorar os resultados da balança comercial, e não como era feito no passado, com barreiras e até a proibição de importações.

Incerteza crescente - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 06/04
Pesquisa Datafolha aponta perda de prestígio da presidente Dilma Rousseff e indica cenário eleitoral cada vez mais indefinido
O prestígio da presidente Dilma Rousseff degradou-se de modo relevante entre fevereiro e o início deste mês, indica pesquisa Datafolha. A avaliação do governo está em baixa, menos eleitores pretendem votar na pré-candidata petista e houve deterioração considerável das expectativas econômicas.

Ainda assim, a presidente venceria a eleição no primeiro turno em uma disputa com os atuais pré-candidatos, os quais não se beneficiaram do desgaste do governo.

Decerto Dilma teria menos votos que seu padrinho, o ex-presidente Lula; teria de enfrentar um segundo turno caso Marina Silva tomasse o lugar de Eduardo Campos na chapa do PSB. A conjunção de declínio nas pesquisas com a torrente de adversidades na política e na economia deve realimentar a especulação a respeito de mudanças na chapa governista.

Diminuiu de 41% para 36% a parcela do eleitorado que avalia o governo como ótimo ou bom. Ressalte-se, porém, que desde novembro difunde-se com rapidez a opinião de que a gestão Dilma é ruim ou péssima, ora em 25%. A diferença entre os "ótimo/bom" e os "ruim/péssimo" baixou portanto a 11 pontos, a menor desde junho de 2013, quando chegara a cinco.

No conjunto da pesquisa, aliás, a avaliação do governo e as expectativas dos brasileiros voltaram a ficar muito próximas do nível de crítica e pessimismo registrado no mês das grandes manifestações.

No caso das expectativas de inflação, o pessimismo é até mais intenso que o verificado no sismo de 2013. Na verdade, não era tão exacerbado desde os graves choques econômicos da desvalorização do real, em 1999, ou do racionamento de eletricidade, em 2001.

Nem sempre a percepção de piora na economia está associada a fatos econômicos. Crises como a revelação do mensalão ou os protestos de junho, por exemplo, suscitaram incerteza e pessimismo. Além disso, apesar das acerbas críticas à política econômica e da inflação renitente, não houve deterioração das condições de vida, mas redução do ritmo de melhorias.

Para 65% dos entrevistados, todavia, a inflação aumentará, ante 54% em junho; para 45%, haverá mais desemprego, ante 44% em meados do ano passado.

Há decepção com a presidente: 63% consideram que Dilma Rousseff fez menos do que se esperava pelo país, opinião que flutuava em torno de 37% até meados do ano passado. O eleitorado, entretanto, não transferiu votos para a oposição. Ademais, cerca de 25% dos entrevistados não votariam em nenhum dos atuais nomes.

O eleitorado ora daria folgada vitória a Dilma Rousseff. Mas as pesquisas registram desde junho volatilidade das emoções políticas e um não-sei-quê de desejo de mudanças ainda insatisfeito pelo cardápio político de agora. Em suma, aumentou a incerteza a respeito do resultado da eleição.

Legislativo sem aventureiros - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 06/04
É lugar-comum a afirmação de que as pessoas passam e as instituições ficam. Apesar de maus padres, professores despreparados, parlamentares corruptos, presidentes traidores, Igreja, escola, Congresso, Presidência da República permanecem, se renovam e respondem a expectativas da sociedade. O dinamismo é natural e, por isso, se impõe. Graças a ele, ocorrem as inovações e os necessários avanços.
A estagnação preocupa. Água parada corre o risco de perder o frescor e tornar-se imprópria para o consumo. Se degradada, pode apodrecer. A observação vale para os fundamentos sociais. Chama a atenção, a propósito, o crescente desprestígio do Legislativo. São raras as notícias capazes de engrandecer a imagem dos representantes que mereceram a confiança dos eleitores.

Plenários vazios, negociatas, envolvimentos com fora da lei, jogo do toma lá dá cá, condenações judiciais criam pano de fundo preocupante em que impera o descrédito e a desesperança. Mais grave: legislatura após legislatura, a impressão que se tem é de piora do quadro. A pesquisa Balanço da Produção do Congresso Nacional em 2013 apresenta conclusões inquietantes.

Realizado pela Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, o estudo concretiza a percepção geral. As proposições da Câmara e do Senado perdem relevância. Em vez de se debruçarem sobre temas substantivos, que mobilizaram a sociedade nas passeatas do ano passado, os congressistas desperdiçam tempo e recursos em perfumarias. Saúde, educação, transparência, controle dos gastos públicos representam apenas 11,8% dos projetos aprovados em 2013.

Não só. O ritmo de tramitação das propostas é inversamente proporcional às urgências da população. Levam-se, em média, cinco anos para um projeto bater ponto final. A iniciativa conta para a maior ou menor celeridade no encaminhamento: Judiciário, um ano; Executivo, dois; Legislativo, seis. Se falam além da cifra, os números informam que o Congresso dá provas de desvalorização do próprio trabalho. É alarmante. Deputados e senadores são a voz do povo e dos estados. São eleitos para propor e fazer leis. Não só para aprovar propostas dos outros poderes.

Entende-se, assim, a adesão popular ao #vaitrabalhardeputado. Entende-se, também, o risco que representa o crescente descrédito do parlamento na sociedade. O Legislativo é um dos tripés que sustentam a democracia. Se fraqueja, abala o regime de franquias e abre as portas para aventuras. As eleições de outubro vão renovar um terço do Senado e 100% da Câmara e das assembleias legislativas. Espera-se que os partidos apresentem candidatos aptos a honrar o mandato que povo lhes confere. A instituição, vale frisar, é importante demais para ser entregue a aventureiros.

Brasil deve usar seu peso para pressionar Maduro - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 06/04

É indefensável uma ingerência nos assuntos internos da Venezuela, mas Brasília pode e deve aproveitar proximidade com Caracas para defender democracia


O que se critica no governo brasileiro é a inexistência de uma política externa de liderança na América do Sul, condizente com a importância do país. No caso do desastroso governo Nicolás Maduro na Venezuela, assim como já ocorria na era Chávez, o “companheirismo ideológico” embaça e desfoca a ação do país, que se põe a reboque do grupo bolivariano. Este valoriza governos autoritários, que apequenam a democracia e tentam ressuscitar projetos de poder soterrados na História pelo próprio fracasso. É o caso do “socialismo do século XXI”.

O Brasil pratica uma diplomacia envergonhada diante da crise que se arrasta na Venezuela e que motiva fortes protestos desde fevereiro, com dura repressão que já resultou na morte de 39 pessoas e em ferimentos em cerca de 500, além da prisão de centenas de manifestantes. Houve flagrante endurecimento do regime de Caracas. Os protestos reclamam da escassez de alimentos e produtos básicos, de uma inflação de 57% em 2013, da criminalidade recorde, da falta de perspectivas (principalmente entre os jovens) e da ausência de liberdades civis, como a de imprensa e a de expressão. A Venezuela está hoje muito perto de se tornar uma ditadura e de uma quebra econômica e financeira.

O país exigiu, com a concordância do Brasil, que coubesse o encaminhamento de uma tentativa de diálogo político à Unasul, organização criada pelos ex-presidentes Lula e Chávez para afastar a OEA e tentar neutralizar a influência dos EUA. A Unasul escolheu Brasil, Colômbia e Equador para compor uma comissão que já esteve em Caracas em busca de aproximar as posições de governo Maduro, oposição e manifestantes. Até agora, em vão.

A última do chavismo foi a decisão do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, de cassar sumariamente o mandato da deputada oposicionista María Corina Machado — método usado no Brasil durante a ditadura militar. Como já acontecera com outros setores oposicionistas, a parlamentar, em visita ao Brasil, se queixou do silêncio do país em relação às violações de direitos humanos em sua terra. O chanceler Luiz Alberto Figueiredo saiu em defesa da política brasileira e da Unasul. Ressaltou que, embora a missão da organização seja ajudar a mediar um acordo entre governo e oposição, a solução deve ser encontrada pelo povo venezuelano, sem interferência externa. Tem razão. Em momento algum deve haver ingerência nos assuntos internos venezuelanos, nem qualquer ação hostil ao governo eleito do país.

O que não impede — ao contrário, deveria estimular — que o governo Dilma Rousseff atue firmemente e pressione o governo da Venezuela a garantir a liberdade de expressão e os direitos humanos. Sem isso, toda e qualquer mediação não tem a menor chance de êxito na preservação da democracia. E o Brasil se tornaria cúmplice de uma ruptura.

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